Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

domingo, abril 30, 2006

839. Álbum de Fotos: Festa do título no Estádio do Dragão


Antes da festa, na Alameda das Antas


O estádio começa a encher


O que devia ser (sempre) o papel das claques


Depois do jogo


A festa de consagração dos jogadores


Os festejos da conquista da Liga


E nesta época acabaram as visitas ao Dragão


Tópico relacionado: Apresentação do plantel 2005/2006 do Futebol Clube do Porto (FCP) - Estádio do Dragão

sábado, abril 29, 2006

838. Contribuição obrigatória para a Segurança Social

Antes de continuar a analisar as mudanças que o Governo quer fazer na Segurança Social convém esclarecer o porquê de ser contra o fim da contribuição obrigatória para a Segurança Social do Estado (não é uma das sugestões do Governo mas tem sido uma sugestão em muitos blogues). Relembro que já é possível fazer escolhas de poupança para a terceira idade para além da contribuição obrigatória (poupanças reforma, seguros de vida) e considero que a obrigatoriedade da contribuição para o regime geral não deve terminar porque ninguém consegue responder às seguintes perguntas:

1. É sustentável, ao nível social, um sistema em que não haja redistribuição? Ou seja se criarmos, por exemplo, plafonds máximos de contribuição muito baixos ou se excluírmos os mais ricos do sistema público será que é possível garantir um mínimo aceitável de redistribuição?

2. O que é que acontece se o plano de reforma privado não resultar? Há inúmeros casos preocupantes em países sem um sistema público de segurança social abrangente. Nos EUA os fundos de pensões são, muitas vezes, constituídos por acções da própria empresa e já há inúmeros casos em que a falência da empresa resulta num duplo problema, ou seja, o indivíduo perde o posto de trabalho e perde a reforma. Há outros casos até em Portugal onde os fundos de pensões privados são utilizados para investimentos arriscados e é notório que essa experiência falhou já que são as próprias empresas que tentam desesperadamente vender os fundos ao Estado (o da PT está descapitalizado e o do BCP é um gigantesco problema financeiro). As próprias seguradoras não oferecem garantias mínimas de confiança uma vez que os contratos são complexos e criam obstáculos - naturais - à recuperação plena do investimento;

3. Num contexto em que a gestão do próprio indivíduo dos seus rendimentos futuros foi desastrosa ou numa situação de perda por culpa de terceiros das suas poupanças o que deve o Estado fazer? Ajudar na mesma? E se sim quem garante esse financiamento?

quinta-feira, abril 27, 2006

837. Mudanças na Segurança Social (I)

As mudanças na Segurança Social são polémicas. Vou aprofundar este tema nos próximos dias mas deixo já uma opinião: sou visceralmente contra que a taxa contributiva dos trabalhadores varie em função do número de filhos assim como sou contra outras ideias que já ouvi deste Governo em obrigar os filhos, por lei, a ajudar directamente nas contribuições dos pais ou que subsídios a idosos dependam dos rendimentos dos filhos.

Escrevi em tempos este parágrafo:

"Eu, antes de mais, prezo a defesa do indivíduo. A defesa da diversidade do ser humano. Esse indivíduo deve estar plenamente inserido na sociedade e deve ter a capacidade de formar sinergias em torno do conceito de família que resolver escolher, não deve é estar sujeito a padrões conservadores quando aplica a sua ideia de família. A opção de ter filhos, a opção de não casar, a opção de criar diferentes formas e laços não deve ser padronizada por associações [o contexto foi um discurso dum representante duma associação de defesa da família tradicional] que querem fazer da família tradicional o motor da solidariedade social. Com isto não venho excluir nenhuma visão de família das opções individuais, simplesmente gosto de olhar com outro ponto de vista para o papel da família na sociedade."

E não mudei de opinião. Sempre fui contra a burocracia que se cria à volta do pagamento de impostos para a defesa da "família tradicional" ou por critérios demográficos e esta novidade de misturar a natalidade com as contribuições da Segurança Social é a negação de tudo o que defendo para a sociedade e, quero relembrar, não tem nada a ver com os valores de esquerda. E, pior, limita cada vez mais a liberdade individual de ter na vida o rumo que bem entender - desde que integrado na sociedade - além de criar ligações virtuais entre pais e filhos que podem não ter reflexo na realidade. Uma trapalhada burocrática e que limita as liberdades individuais.

E depois sou obrigado a ouvir estas frases:

"O nosso grupo parlamentar é muito sensível a esse tema. Um grupo tão pequeno, apenas 12 deputados, teve três filhos no último mês. Não só pregamos como somos os primeiros a dar o exemplo"
Pires de Lima

Nota: Defendo uma solidariedade colectiva - que também limita a liberdade individual - e penso que não entra em contradição com o que disse anteriormente. A minha defesa da obrigatoriedade da contribuição, por exemplo, para o sistema de Saúde ou para a Segurança Social insere-se num contexto de redistribuição solidária indispensável à coesão social que não limita, no meu entender, as escolhas individuais de inserção na sociedade ou o grau de relações familiares que o indivíduo escolhe ter. Obviamente que limita a liberdade de o indivíduo escolher não querer estar inserido na sociedade mas isso é um preço pequeno - e indispensável - para a vida em sociedade. O que já me faz confusão é criar burocracia para defesa dum conceito de padronização das escolhas na vida privada, por mais benefícios que possa trazer à demografia duma sociedade. Para mim, neste caso, já é um preço demasiado alto.

quarta-feira, abril 26, 2006

836. A ler...

... uma opinião deliciosa sobre a blogosfera e a sua estrutura social: Liberdades Medievais (escrito por Out of Time, no blogue Quietas Inquietudes)!

terça-feira, abril 25, 2006

835. Os temas esquecidos no contexto do 25 de Abril

Lanço três temas que deviam ter sido alvo de reflexão por parte dos políticos numa data em que se comemora um passo de gigante na conquista das liberdades individuais e colectivas:

1. Até que ponto devemos abdicar das nossas liberdades individuais e colectivas em nome do combate a uma táctica de guerra (o terrorismo)?

2. Até que ponto é válido o uso das novas tecnologias para classificar os nossos comportamentos de consumo, de leitura ou até as nossas convicções ideológicas?

3. Já que usufruímos de liberdade de expressão, de associação e de imprensa quais são as nossas responsabilidades cívicas neste contexto? Com a liberdade temos responsabilidade acrescida na intervenção cívica e na manutenção do que foi conquistado ao nível das liberdades individuais e colectivas e a questão é saber como devemos exteriorizar esse dever cívico.

834. Os discursos na Assembleia da República




O 25 de Abril devia ser uma das poucas datas consensuais em Portugal (ao contrário do 24 e do 26 de Abril ou do 25 de Novembro) mas, infelizmente, esquerda e direita esquecem a importância dos valores universais da liberdade para tentar impor dogmas e lições ideológicas que só minam a consensualidade. Esta data devia relembrar que nada está conquistado, que nada é eterno e que a luta pela liberdade é uma luta constante e que temos que merecer a liberdade diariamente com responsabilidade mas não, prefere-se falar de Constituição, de sociedades de esquerda ou direita. É triste ver alguma esquerda agarrada à nostalgia do período revolucionário do "26 de Abril" e ver alguma direita agarrada à nostalgia do período colonialista do "24 de Abril".

O discurso de Cavaco Silva era o mais esperado e, na minha opinião, foi o mais insipiente que já ouvi até hoje nesta data por parte do Presidente da República. Optou por um discurso virado para o social sublinhando as desigualdades territoriais, a palavra humano e a exclusão social e não a críticas ao Governo e isso é de louvar. Mas a forma como aborda estes assuntos é etérea porque parece estar a dar uma aula teórica numa faculdade. Este discurso - muito caro à esquerda com frases como "não é moralmente exigível pedir mais sacrifícios a quem viveu na privação" - é temperado com tiques conservadores e de classificações morais - muito caro à direita com frases como "homens bons que não abandonaram as suas terras". Diria que é um discurso que pode agradar a todos mas que, de conteúdo, pouco - ou diria até nada - acrescenta e que muito menos vai ficar na memória de alguém ou que sequer vai influenciar a agenda política. É de enaltecer ter feito um discurso abrangente ideologicamente - que não causa as rupturas que falava anteriormente - mas onde está a chama e, mais importante, o que se aproveita na essência dum discurso de diagnósticos teóricos?

A forma como Cavaco Silva saltou de tema em tema - maus tratos infantis, violência doméstica, desemprego - foi desprovida de rumo ou esperança... diria que foi uma longa aula teórica de intenções consensuais ao nível social. No fim sugeriu um compromisso cívico para a inclusão social com a intenção de substituír o combate ideológico por metas. Não fiquei a perceber, em concreto, o que pretende mas parece-me mais um objectivo consensual e reconheço que nunca é demais relembrar os problemas sociais. Por mera curiosidade estou impaciente para ler as reacções a este discurso nos blogues que apoiaram o candidato.

833. A senha do 25 de Abril


Ordem de operações do 25 de Abril, elaborada por Otelo Saraiva de Carvalho (Clique na imagem para ampliar)

No dia 24 de Abril de 1974 o primeiro sinal (senha) de que a Revolução estava em marcha foi dado na Rádio Renascença, por volta das 22:55, com a música "E depois do adeus", cantada por Paulo de Carvalho. Cerca de hora e meia depois já no dia 25 de Abril de 1974, por volta da 00:20, tocava no programa Limite da Rádio Renascença a "Grândola, Vila Morena", a segunda senha que "confirmava o bom andamento das operações e despoletava o avanço das forças organizadas pelo Movimento das Forças Armadas (MFA)".

Para ouvir a fita magnética com a gravação original da "senha" do 25 de Abril de 1974 (designadamente, a canção de Zeca Afonso, Grândola Vila Morena) pode fazê-lo nesta ligação (basta carregar na bobina).

Nota: A imagem e a gravação original são propriedade da Fundação Mário Soares

segunda-feira, abril 24, 2006

832. Oikonomía (2)



Relatório do Banco de Portugal

O boletim do Banco de Portugal sobre a execução do Orçamento de Estado de 2005 caíu como uma bomba no Governo. Há atenuantes para a má execução orçamental de 2005 - o Orçamento inicial era irrealista e o Rectificativo nunca vai a tempo de alterar com eficácia o Orçamento que serve de base - mas este relatório atingiu o que o Governo mais tentou proteger: a sua credibilidade. Apesar de 2005 ter tido um Orçamento para esquecer - o de Bagão Félix - e apesar do défice ter atingido o valor previsto pelo rectificativo a verdade é que o Governo não podia dar-se ao luxo de passar uma imagem de má execução orçamental e, na realidade, é essa a imagem que passa até porque o défice mais uma vez foi atingido por via do aumento das receitas fiscais e não pela redução da despesa pública (apesar de, e bem, não ter havido o recurso a lesivas receitas extraordinárias como no tempo de Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix).

O indicador mais grave da má execução orçamental é o défice primário ajustado ao ciclo que passou de 2,2% do PIB em 2004 para 2,6% do PIB em 2005. Estes números invertem um aparente retorno ao optimismo - que era ilusório - e volta a lembrar os portugueses da triste e crua realidade dos números da nossa economia. A margem de manobra para este ano - 2006 - é cada vez mais reduzida e, para não voltarmos à ilusão das receitas extraordinárias, receio que as reformas que o Governo tem que implementar ainda vão ser mais duras num contexto de subida do preço do petróleo e das taxas de juro. Não nos podemos esquecer também que não cabe ao Governo a resolução mágica dos problemas financeiros e se o sector privado também não mudar - e talvez bem mais que o Estado tem que mudar - o panorama é negro.


Os conselhos da OCDE

A OCDE lançou um relatório que, a par com o do Banco de Portugal, é, no mínimo, preocupante. É um facto que houve moderação salarial nos últimos anos e quando vem escrito no relatório que, mesmo assim, os salários reais cresceram mais do que a produtividade é natural que se instale o desassossego. Se adicionarmos a - triste mas esperada - notícia que vamos continuar a divergir até 2010 é sinal que do desassossego passamos rapidamente para o alerta laranja (já que Bush foi reeleito com os alertas laranjas não custa nada tentar aqui o mesmo método).

As sugestões da OCDE para a nossa economia são interessantes mas eu, antes de comentá-las, quero relembrar que, nos últimos anos, não temos feito mais do que aplicar objectivos liberais - défice e dívida pública como grandes objectivos económicos, outsourcing, venda de activos fiscais, moderação salarial - e ler, como tenho lido, que o problema actual da economia portuguesa é ser pouco liberal dá-me vontade para rir. Todas estas políticas - liberais por natureza - têm agravado todos os indicadores económicos e sociais e quero relembrar - também - que a nível mundial as políticas subjacentes aos movimentos de Globalização - de tendência mais liberal apesar de ainda haver algumas restrições ao comércio mundial principalmente, de forma paradoxal, mais acentuadas nos países ditos mais liberais - têm agravado as desigualdades - como a ONU ainda recentemente alertava - e provocado perigosos movimentos de dumping social. Eu também considero que há medidas de cariz liberal que devem ser implementadas - outras não - mas relembro que o nosso sector privado, mesmo nos mercados mais liberais, também não está competitivo a nível internacional e defender que é o Estado que funciona mal em Portugal é ignorar tudo o que se passa a nível privado em Portugal que não é nem melhor nem pior que os nossos serviços públicos.

Posto isto é óbvio que concordo que a OCDE proponha incentivos à utilização de tecnologias mais limpas, a redução dos custos administrativos da máquina fiscal, a redução de incentivos e deduções para simplificar, a estabilização do código fiscal, o aumento da mobilidade dos trabalhadores, o alívio do "fardo" legislativo e administrativo das empresas, o corte na burocracia, a formação de juízes especializados, o aumento da concorrência no sector da energia e telecomunicações, o aumento do investimento na educação e formação (apesar de recomendar uma redução de gastos nas remunerações do corpo docente em percentagem) e por aí fora. Já não concordo muito com o aumento das propinas - é um tema que posso desenvolver mais tarde - e com a flexibilização das leis de despedimento - admito uma negociação mas não antevejo qualquer tipo de vantagens em leis parecidas às que o Governo francês queria aprovar.

Como síntese diria que a encruzilhada que o nosso país está deve-se a muitos factores cujos principais são, na minha opinião, o nosso atraso ao nível da gestão das empresas e do nível médio de escolaridade e formação profissional (sem falar na justiça, um dos travões da nossa economia). Os nossos produtos tradicionais não são capazes de competir com os novos países cujo acesso ao mercado mundial é agora uma realidade - leste e oriente - e não temos, ainda, a capacidade ao nível do know how tecnológico e dos recursos humanos para competir em mercados de produtos mais exigentes a estes níveis. Diria ainda que as políticas que temos vindo a privilegiar principalmente desde 2001 - foco no financeiro em detrimento do económico - estão a sufocar ainda mais a nossa economia. É óbvio que é necessário, face ao contexto mundial (novamente adapto a minha percepção da economia ao contexto), empreender algumas medidas liberais mas, é preciso não esquecer, que algumas medidas de cariz liberal têm sido mais prejudiciais do que benéficas para a nossa economia e não antevejo que, sem um rumo claro para a nossa economia patrocinado pelo Estado que minimize os seus custos sociais e que retome a recuperação do nosso atraso tecnológico e educativo, seja possível atingir níveis de crescimento e, mais importante, de desenvolvimento razoáveis. Acima de tudo há uma certeza, ou seja, os sacrifícios ainda estão para durar.

sábado, abril 22, 2006

831. Sinto consternação...

... pela decisão do Henrique em encerrar um blogue que acompanhei com muito interesse: Hora Absurda! Fica o conselho da leitura das suas obras e a esperança que, duma forma ou outra, o Henrique volte à blogosfera.

Vou continuar, até ver, a publicar os meus textos no Canto Aberto, um dos múltiplos contributos que o Henrique deixa na blogosfera.

Henrique, um grande abraço e parabéns pela qualidade com que expões as tuas convicções!

830. Simplesmente parabéns aos campeões

quinta-feira, abril 20, 2006

829. Tópicos Políticos



"Acreditamos, como Adam Smith, que o homem é levado, por uma mão invisível, a apoiar um objectivo que não fazia parte das suas intenções. Mas esta mão invisível, longe de constituir um vazio de regras é o máximo da regra, a suprema ordem, a ordem espontaneamente criada pela autonomia ética do homem, onde se mistura a liberdade natural com a justiça perfeita.
Porque existe um princípio da simpatia: o esforço uniforme, constante e ininterrupto de cada homem para melhorar a sua condição que leva o homem a obter a aprovação dos outros homens. Aliás, o individuo só se conhece a si mesmo pelo juízo que faz do outro e daquele que esse outro faz dele, o tal homem com o profundo sentido do animal de trocas, que é o cerne da sociedade."
José Adelino Maltez, Tópicos Políticos


Encontrei este blogue - Tópicos Políticos - por mero acaso, ou seja, através duma pesquisa no google sobre um tema económico. Não resisto a comentar este texto.

Uma das coisas que mais admiro na economia como ciência é conseguir ser simultaneamente uma ciência que tenta racionalizar a sociedade através de ponderações matemáticas especulativas do comportamento do homem e, repito, ao mesmo tempo, ser uma ciência que, muitas vezes, se confunde com a filosofia. E o estudo do homem, como um ser dotado de comportamentos imprevisíveis, e do seu papel na sociedade acaba por gerar teorias económicas para todos os gostos.

Assim se alguém acredita no homem e no seu altruísmo inato defende um determinado modelo de sociedade - e por arrasto um modelo económico - e se acredita no seu egoísmo inato defende outro modelo económico. O que é brilhante em Adam Smith é este tentar idealizar uma teoria que, ao mesmo tempo, tem como motor a natureza que acredita ser a do homem - o seu egoísmo - e acreditar, simultaneamente, que há uma mão invisível que leva a que o egoísmo promova o interesse da sociedade. É uma forma de altruísmo invisível.

A génese do liberalismo - o liberalismo clássico - não está, de facto, desprovida dum sentido de humanismo mas defende que o Estado não deveria tomar posição no funcionamento livre do mercado. Utilizando as palavras do professor José Adelino Maltez "esta mão invisível, longe de constituir um vazio de regras é o máximo da regra, a suprema ordem, a ordem espontaneamente criada pela autonomia ética do homem, onde se mistura a liberdade natural com a justiça perfeita". Não acredito que o homem, encarado de forma individual, sem a intervenção do Estado, seja capaz de atingir esta ordem espontânea. Acredito sim que o homem criou as sociedades para combater a sua própria natureza - apesar de muitas vezes as sociedades actuarem contra o seu interesse individual e, por vezes, colectivo - e que o Estado na sua vertente interventiva - não estou a falar de planificação mas duma postura correctiva e reguladora - é o expoente máximo do mecanismo que o homem criou para equilibrar a sua natureza com o interesse colectivo que, no fundo, ajuda a alcançar o interesse individual. O Estado, se encararmos tudo isto de forma obliqua, acaba, no fundo, por ser a representação do tal altruísmo invisível que falava anteriormente e o homem, ao criar esta estrutura, prova assim que é capaz de ser altruísta - mesmo que por razões egoístas como Smith defendia - mas através dum método completamente diferente do que o método que Smith advogava.

Basta encarar o indivíduo ou a empresa e o seu comportamento individual para percebermos que a tendência natural do funcionamento duma sociedade sem correcção - o que é uma intervenção mais lata do que a simples regulação - pode servir para agravar as desigualdades (regular sujeita algo a regras e corrigir é uma intervenção para rectificar ou melhorar algo). E uma sociedade sem coesão social é uma sociedade que não gera riqueza. Uma das funções do Estado é redistribuir a riqueza gerada e um dos motivos dessa função é a tal coesão social. Acredito, sempre acreditei, que só é possível gerar riqueza se existirem mecanismos que atenuem o descontentamento social. E o Estado só actua via redistribuição porque o sistema de mercado não consegue, de forma espontânea, garantir essa coesão social.

Tomemos como exemplo um sector, o bancário, e vamos confrontar o seu comportamento com o interesse colectivo. É evidente que um banco facilita as trocas, facilita a gestão a longo prazo duma vida e desempenha uma importante tarefa na criação de riqueza. O motor do desenvolvimento da actividade bancária é a obtenção de lucro, ou seja, voltamos ao conceito do egoísmo. O que acontece é que um indivíduo que tem menos capacidade para gerar lucros a um banco é prejudicado e é natural que um banco ofereça condições mais vantajosos a quem já tem mais recursos financeiros. Desta forma as comissões são cobradas, paradoxalmente, em maior proporção a quem tem menos dinheiro na conta. Adicionalmente se um indivíduo, vamos chamá-lo de pobre, pede um crédito o risco para o banco é maior e, novamente de forma paradoxal, o banco agrava o risco desse indivíduo ao oferecer-lhe um spread mais desfavorável do que oferece a um indivíduo que vamos chamar de rico. Assim, na sua natureza, um banco agrava a diferença entre o indivíduo pobre - que paga comissões e taxas mais altas - e o indivíduo rico. Será o mercado capaz, sem interferência do Estado, pela mera interacção de indivíduos, pela "autonomia ética do homem", de actuar no sentido de melhorar a coesão social? Ao contrário do professor José Adelino Maltez não acredito na "ordem espontaneamente criada pela autonomia ética do homem".

Prefiro acreditar que o Estado não é um mero regulador da actividade económica - o que hoje em dia já é consensual até entre os liberais moderados - mas também tem um forte papel de corrector. Por isso defendo que a economia de mercado tem que dar as mãos a um Estado forte e isto não é não acreditar no homem mas sim que o homem criou os Estados para potenciar da melhor forma a sua própria natureza. Por isso o que me afasta de Adam Smith é que, simplesmente, eu acredito que a "mão invisível" surge na forma do Estado e não o resultado dum sentido ético individual do homem. Note-se que o Estado é uma criação do homem e, por isso, acredito que este é capaz de gerar altruísmo e só discordo - de Adam Smith - do modo escolhido para atingir essa ordem.

quarta-feira, abril 19, 2006

828. Falta de quórum na Assembleia da República



No meu dia a dia falo com muitas pessoas que chamo de conhecidos. Quando estamos na presença de um conhecido – em que a afinidade com a pessoa é reduzida – o recurso à conversa de circunstância é habitual. Geralmente falamos sobre futebol, férias ou outro assunto perfeitamente banal. Nos últimos dias a conversa de circunstância favorita "de café" é a falta de quórum na Assembleia para a votação de vários projectos-lei na quarta feira que antecedeu a Páscoa. Já percebi, há muito tempo, que o segundo tópico de conversa de circunstância favorita das pessoas que conheço – ou melhor, que conheço mal – é criticar os políticos em geral. Escusado será dizer que o tópico favorito é o futebol, ou melhor, não o jogo em si mas a quantidade de polémicas que este desporto gera. Já concluí que ninguém gosta do desporto em si mas sim do que é acessório ao espectáculo.

Assim ouço, impávido e sereno, pessoas com baixas fraudulentas, que se gabam de fugir aos impostos, que fazem prolongadas pausas dos seus trabalhos e em situações similares, a falar mal dos políticos. Nem quando, indirectamente, digo que os políticos são o nosso mais puro reflexo as críticas baixam de volume e há um momento de reflexão sobre a responsabilidade individual que têm no país que construímos. Não sei se é por comodidade ou por ingenuidade que insistimos – e sublinho que escrevo na primeira pessoa do plural – em imputar a responsabilidade pelo estado do país única e exclusivamente aos nossos representantes políticos. Quando vejo um empresário que gere a sua empresa de forma medieval e que se gaba de ser fácil fugir aos impostos a ter o desplante de culpar os nossos representantes pela situação do país não sei se rio ou choro mas garanto que fico com uma enorme vontade de oferecer um espelho a essa pessoa.

Posto isto quero deixar bem claro que os políticos – e neste caso os deputados – deram um excelente contributo para alimentar esta hipocrisia que existe em Portugal. É claro que é inaceitável o que aconteceu. Ouvir Marques Guedes – o líder parlamentar da bancada que teve 2/3 de ausências – a culpar o PS por esta situação uma vez que se tratavam de leis que o Governo queria aprovar é hilariante. Tanto quanto sei, e corrijam-me se estou equivocado, tratam-se de leis nacionais. Ler João Soares no seu blogue – ausente numa consulta dentária – a sugerir que o que está mal são as regras da Assembleia uma vez que noutros países só têm que estar presentes no hemiciclo quem vai discursar é a negação que o deputado tem o dever de reflectir sobre o contraditório (talvez seja mesmo inútil o deputado ouvir uma vez que a disciplina de voto impera em Portugal). Ouvir Paulo Portas – ausente por ter um compromisso numa embaixada – no seu novo programa quinzenal (O Estado da Arte) a defender que a votação devia ter sido mais cedo e que não deviam ter encerrado a AR no dia seguinte foi uma oportunidade única para vê-lo a gaguejar com as suas próprias justificações (para este é tão importante o trabalho no hemiciclo como o trabalho nos gabinetes, local onde trabalhou o dia inteiro). Nem quero imaginar a lição de moral que Portas teria feito se estivesse presente na votação. Relembro ainda que criticar as regras da Assembleia não justifica o não cumprimento das actuais. Este "incidente" e as declarações que se seguiram ao "incidente" só serviram para colocar, repito, os deputados a "jeito" da crítica demagógica e desresponsabilizadora de que são alvo.

Em síntese digo que os nossos políticos são o nosso espelho e que nós devíamos saber assumir as nossas responsabilidades para podermos criticar terceiros. Digo ainda que é escusado, mesmo assim, os políticos ajudarem constantemente a corroborar a tese que acabo de defender.

terça-feira, abril 18, 2006

827. O “negócio” das prisões



O nosso sistema prisional é de tal forma degradante que qualquer anúncio por parte do Ministro da Justiça sobre eventuais alterações nas prisões merece a minha cuidada atenção.

Se o Estado tem dificuldade em alocar fundos para o sistema prisional e se as instalações das prisões necessitam - e acho que ninguém duvida que sim – de profundas remodelações não fico chocado que o Estado utilize a especulação imobiliária para possibilitar a construção de novas prisões. A venda de terrenos onde estão instaladas algumas prisões e a construção de novas na periferia é uma medida perfeitamente coerente. Não ofereço qualquer tipo de resistência no meu cabal apoio a esta decisão. Espero que, finalmente, as prisões sejam vistas não só como um local que permite a privação de liberdade em resultado de uma sanção social mas também como um local de reconversão e reinserção do detido. Não é aceitável que haja a hipocrisia de, simultaneamente, não haver no nosso sistema legal a possibilidade de prisão perpétua com base na confiança de que o homem pode mudar e, repito, simultaneamente, que não existam condições mínimas de dignidade para que haja uma efectiva tentativa de reconversão do detido.

A decisão de haver parcerias entre o público e o privado para a gestão destes espaços, inclusive ao nível da segurança, é que é, escusado será repetir que na minha opinião, incompreensível. Quem me conhece sabe que não tenho “tabús” em relação à inevitabilidade do Estado ficar reduzido às suas tarefas inalienáveis. Considero a responsabilidade pelo sistema prisional, pela sua natureza, inalienável e, por isso, só admito que parte dessa tarefa seja desempenhada por terceiros se houver uma vantagem óbvia nessa decisão e como não consigo antever nenhum tipo de utilidade nesta operação deixo aqui registado a minha frontal oposição a este anúncio do Ministro da Justiça.

O que o Ministro pretende é a introdução da contratação de serviços externos na gestão da segurança – e não sei se é só na segurança – do sistema prisional com a justificação de que se podem obter ganhos de eficiência ao nível dos custos. Eu sempre defendi que se o Estado é mau gestor isso não justifica que determinada actividade - que só deve ser desempenhada por este - seja total ou parcialmente entregue a privados independentemente da configuração ou da parceria escolhida. Não devemos recorrer a serviços externos só porque o Estado é mau gestor mas sim exigir que este faça uma gestão eficiente das suas actividades. O que o Ministro sugere é simplesmente uma demissão do Estado na responsabilidade de gerir o que lhe compete organizar com eficiência.

A minha opinião sobre a contratação de serviços externos – ou outsourcing – por parte do Estado é clara e está descrita neste texto. Considero que a justificação para a contratação de serviços externos por parte do sector público é inexistente até por uma razão bem simples, ou seja, o Estado tem escala suficiente para obter mais economias de escala que qualquer empresa privada ou, dito de outra forma, o grande argumento do outsourcing – a poupança via economias de escala e especialização – não tem sentido numa organização que pode facilmente obter essa poupança por via da dimensão que tem. Não percebo qual a lógica do Estado desmantelar os seus recursos próprios quando pode geri-los com pelo menos a mesma eficiência e com uma maior responsabilização e envolvimento por parte de quem os faz e abdicando, ao mesmo tempo, da factura da inevitável margem de lucro de quem desempenha o serviço externo. Não conheço, até ao momento, de um único exemplo de sucesso ao nível do binómio preço/qualidade no recurso ao outsourcing por parte do Estado (não tenho nada contra o outsourcing entre empresas privadas e reconheço a sua utilidade) e tenho dúvidas fundamentadas quanto à real poupança a curto, médio e longo prazo destas soluções.

Nada como exemplificar. Para que é que o Estado subcontrata uma empresa para gerir um refeitório porque essa empresa tem escala para diminuir o custo por refeição quando o próprio Estado tem uma rede de refeitórios que, bem gerida, alcança a escala necessária para atingir esse custo e, como bónus, torna desnecessário o custo extra de pagar o lucro que a empresa tem o direito de obter e ainda garante um maior envolvimento com os recursos humanos que lá trabalham? Se é o “nosso” dinheiro que o Estado gere eu tenho o direito de exigir que não seja utilizado para alimentar margens de lucro de empresas quando o próprio Estado tem a dimensão necessária para exercer com igual ou maior eficiência uma actividade que pertence à sua alçada.

segunda-feira, abril 17, 2006

826. Oikonomía* (1)



Sinais contraditórios do estado de saúde da economia do país

O IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional - divulgou hoje os últimos dados referentes ao desemprego - relativos ao mês de Março - e estes revelam uma diminuição do número de inscritos de 1,6% em relação ao mês de Fevereiro. A variação homóloga - em relação a Março de 2005 - foi de menos 0,9%. Este é o 12º mês consecutivo de aumento do número de ofertas de emprego recebidas pelos centros de emprego. Falta avaliar a qualidade dos postos de trabalho mas, mesmo assim, são boas notícias num país que totaliza 480.164 desempregados no final do mês de março.

Mas as boas notícias acabam aqui uma vez que a inflação homóloga do mês de Março é de 3,1%. Note-se que, à luz destes dados, a variação média anual da inflação aumentou para 2,5%. Estes valores não são propriamente uma surpresa uma vez que o preço dos combustíveis continua a aumentar para valores históricos e, ainda hoje, o mercado de futuros londrino aponta para 71,40 dólares o preço do Brent (refere-se ao óleo produzido no mar do Norte). Com a instabilidade no Irão e no Iraque - sem falar na Venezuela - para durar, com o aumento sustentado da procura na China e com as penalizações do protocolo de Quioto não sei porque é que o conjunto de países europeus, individual ou colectivamente, não tentam revolucionar o mercado energético com a aposta em energias alternativas, especialmente na área dos transportes. A política fiscal de incentivo à utilização de energias limpas parece-me uma medida escassa para combater um problema que se agrava diariamente e que promete atingir proporções assustadoras.


Duas curiosidades

A primeira prende-se com a apresentação - amanhã - do novo passaporte electrónico que vai incluir dados biométricos (os dados biométricos, por definição, podem incluir impressões digitais, reconhecimento facial, íris ocular). A vantagem mais visível é a prevenção da falsificação (além da dispensa de visto de entrada nos Estados Unidos para titulares de passaporte português porque satisfaz os requisitos necessários para a plena participação de Portugal no programa norte-americano "Visa Waiver") mas confesso estar um pouco preocupado não com este passo - que é positivo - mas com o que pode despoletar a posse de dados biométricos pelos Governos ou outras entidades públicas ou privadas no futuro no que diz respeito à diminuição da privacidade e das liberdades civis.

A segunda curiosidade é a chegada do novo Multibanco (ATM) que vai ser gradualmente introduzido (projecto conjunto da SIBS e do BCP). O novo ATM permite o depósito imediato por parte do utilizador de notas e cheques assegurando a contabilização imediata dos montantes depositados se a operação for validada.


*A palavra economia deriva do grego Oikonomía. Oikos significa casa e nomos significa administração ou organização. Oikonomía pode, assim, ser entendido, num sentido lato. como administração da casa ou até governo da casa.

Nota: As segundas feiras, conforme a disponibilidade, vão ser dedicadas à Oikonomía.

Nota 2: O blogue comemora, hoje, dois anos de existência. Parece, parodoxalmente, que passou muito mais e muito menos tempo.

segunda-feira, abril 10, 2006

825. Natalie Portman a reflectir sobre a violência


Natalie Portman


"Acho piada à forma como diferenciamos a violência boa da violência má. Será que tal distinção é concebível? Se, nos tempos da Alemanha nazi, alguém tivesse feito o Hitler ir pelos ares, tenho a certeza de que ele hoje seria considerado um herói nos livros de História. Mas, sinceramente, não vejo diferenças morais entre um soldado americano que luta pelo seu país e um terrorista suicida disposto a dar a vida para defender a sua causa. Há muitas poucas pessoas que em hipótese alguma se tornariam violentas. Há muitas poucas pessoas que se vissem os seus filhos ameaçados não usariam a violência. Se nos apercebermos que todas as justificações são pessoais e que não podemos julgar as razões dos outros, chegamos à conclusão que toda a violência é ilegítima. E na verdade, não podemos abdicar totalmente da violência num mundo violento; senão, extinguimo-nos."

"Lembro-me que, durante a rodagem de Star Wars, George Lucas costumava dizer que as pessoas más acreditam frequentemente que estão a praticar o bem, que as suas razões são nobres. E se alguém é capaz de justificar os seus próprios actos de violência, deve perceber que os seus inimigos também terão motivos. A nossa história está tão cheia de mártires como a dos nossos inimigos."

Natalie Portman, Premiere



E da polémica nasce a reflexão...

sábado, abril 08, 2006

824. Espero que a minha avó não tenha ouvido isto...

"É preciso reconhecer o perigo e aceitar que não se pode comunicar com os que se distanciaram de Deus"

"Quando o perigo de perder a fé é latente, é um dever cortar qualquer comunicação com pessoas que tenham se afastado da doutrina católica"

Papa Bento XVI

... ou que, pelo menos, saiba ser mais tolerante do que aquele que, na mais alta instância da Igreja Católica, defende este tipo de luta contra o laicismo, o ateísmo ou o agnosticismo! Será que ninguém tem o bom senso de aconselhar o Papa que este tipo de discurso não tem nada a ver com a própria mensagem de tolerância da religião que este representa?

Este tipo de discurso está a ser cada vez mais utilizado até por políticos (veja-se Bush ou Berlusconi) para explicar a falta de "moral" do nosso mundo actual. Eu também acho que há problemas com os valores das nossas sociedades mas não acho que a solução esteja nas religiões que estão desadequadas aos tempos. Ninguém consegue garantir que, por exemplo, um católico seja mais humano ou que defenda valores mais nobres do que, por exemplo, um agnóstico. Considero que a sociedade vive uma encruzilhada porque não aposta no conhecimento ou nos sentimentos mas isso não tem que estar ligado à cisão entre pessoas e religiões (pelo menos das mais tradicionais) até porque a história ensina-nos que não há correlação entre o grau de "religiosidade" e a tolerância das sociedades. A nossa consciência não tem, necessariamente, que estar ligada às nossas crenças religiosas e nem a perdemos se não tivermos fé nem a reforçamos se tivermos fé.

Eu sou agnóstico! Não nego a existência de um ser superior nem sei qual é o sentido da vida mas, mesmo sendo agnóstico, não perdi nem a minha humanidade nem sou uma pessoa destituída de consciência. Por isso não se preocupem nem se sintam em perigo, podem continuar a comunicar comigo...

Fonte: Diário Online

823. Museu Colecção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea


White Aphrodisiac Telephone 1936 - Salvador Dali

O acordo entre o madeirense Joe Berardo e o Governo é um verdadeiro alívio! Se uma das mais extensas colecções de arte existentes em Portugal rumasse, por exemplo, para França iria empobrecer, e muito, o nosso património de arte. A criação do Museu Colecção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea no Centro Cultural de Belém (CCB) é, assim, uma boa notícia.

Já tive oportunidade de visitar em vários locais e museus fragmentos da extensa colecção Berardo e fiquei sempre com a sensação que é composta por excelentes quadros mas fico apreensivo com a forma como esta pode vir a ser organizada. Eu explico! Nem sempre uma colecção composta por bons quadros – e isso é indiscutível – consegue gerar um bom museu. A impressão que tenho desta colecção é que nem sempre esta funciona bem de forma contígua dada a dissemelhança entre as obras da colecção. Das três vezes que visitei uma amostra da colecção fiquei sempre com essa sensação. Misturar Salvador Dali, Joan Miró, Pablo Picasso, Francis Bacon, Paula Rego, Andy Warhol, Marcel Duchamp, Yves Klein, Peter Blake, Piet Mondrian, para não citar todos, não vai ser nem uma tarefa fácil nem uma garantia de um resultado final profícuo.


Three Blind Mice - Paula Rego

Quanto ao acordo em si tenho algumas dúvidas. Pelo que percebi esta colecção vai ocupar praticamente todo o espaço de exposição do CCB e, dada a exiguidade de espaços em Lisboa para albergar exposições itinerantes de qualidade (como a exposição da Frida Kahlo), não pode deixar de ser um motivo de preocupação. Se não vivêssemos tempos de aversão à construção de projectos megalómanos eu ia sugerir a construção de um novo museu adaptado às nossas necessidades na exposição e reorganização das obras de arte existentes em Portugal e das que pudessem vir a existir, de forma itinerante ou permanente. Não faz mal, sugiro na mesma! Como dizia tenho algumas dúvidas quanto ao acordo e estas prendem-se ao prazo - dez anos parece-me escasso - e à opção de compra - uma colecção destas, infelizmente, não cabe num orçamento dum país como o nosso para a cultura e não estou a antever nenhum Primeiro ministro a efectuar essa compra – assim como o à impossibilidade do Estado poder colocar entraves à saída da colecção do País se cessar o comodato. Note-se que a “Associação Colecção Berardo pode exigir a restituição se o museu não abrir no prazo previsto (até final de 2006), se os apoios se atrasarem mais de 60 dias ou se houver utilização abusiva ou conservação inadequada das obras” o que, conhecendo o país onde habito, é uma cláusula perigosa. Uma boa notícia do acordo é a constituição de um fundo de aquisição de obras de arte de um milhão de euros por ano.

Como súmula diria que é um acordo que me satisfaz e que pode ser um passo importante para que haja uma verdadeira política de gestão da arte em Portugal. Mas é também uma responsabilidade acrescida para criar meios e objectivos para uma gestão coerente dos nossos museus. Eu acredito que estes investimentos pagam-se a prazo – qualidade de vida, turismo, projecção – mas também sei que a maioria da população é adversa a este tipo de investimentos e temo, com alguma segurança, que daqui a dez anos estejamos exactamente no mesmo desnorte no que toca à política cultural que estamos actualmente.

terça-feira, abril 04, 2006

822. Publicação Esporádica



Quem costuma visitar este blogue já reparou que há mais de um mês que a publicação de textos está irregular o que não era apanágio da casa. É uma situação que não posso reverter uma vez que o tempo escasseia cada vez mais. E tenho pena que isso aconteça porque este projecto tem sido, na minha opinião, um excelente espaço para eu consolidar a minha visão sobre o mundo e o homem, ou seja, para obrigar-me a reflectir e a colocar o que eu acredito à prova.

Uma vez que é impossível manter o blogue com o interesse que eu acho que já teve o passo natural seria acabar aqui a minha aventura na blogosfera. Essa decisão, apesar de natural, é difícil e não me sinto, ainda, preparado para a implementar. Por isso vou correr o risco de manter algo num nível de interesse menor do que no passado. Mesmo assim é um risco que quero assumir para poder, esporadicamente, comentar ou aprofundar algum tema do meu interesse, concretizando, para continuar a escrever sobre filmes, livros e política. Vou também republicar alguns textos.

Mesmo não sendo um ponto final é o fim da minha disponibilidade para manter o nível de interactividade que subsistiu até agora com um conjunto de blogues que adoro ler e trocar impressões. As minhas visitas a outros espaços já é, neste momento, reduzida e, infelizmente, vai continuar a ser. Não meço o sucesso deste blogue pelo número de visitas ou comentários – que até foram bem acima das expectativas ao longo deste tempo – mas sim pelo prazer que me deu e pelos pontos de vista que partilhei e que foram sempre desafiados de forma construtiva. Um muito obrigado a todos os que costumam visitar-me e que escrevem com qualidade e coerência. Eu, esporadicamente, vou visitar os blogues da minha preferência.

A mensagem que sempre tentei passar foi uma mensagem de tolerância, de humanismo e honestidade intelectual. Nem sempre é possível mas apesar de os meus valores serem discutíveis são, na medida do possível, honestos. Sou um homem de esquerda mas que não acredita em esquerdas arcaicas que amordaçam a liberdade económica, não sou conservador nem compreendo a intolerância com base na resistência à mudança, o meu humanismo não advém de chantagens religiosas nem de uma moral enviesada mas é algo que cada vez mais valorizo e tento aprofundar e, acima de tudo, acredito que é no confronto civilizado de ideias que se evolui. É assim que o blogue ajudou a definir-me e é isso que quero retirar desta experiência. Como ninguém escreve o seu futuro com uma grande margem de segurança a evolução deste espaço é um segredo que só o tempo vai revelar.

É isto. Continuo aqui a escrever quando o tempo e a vontade o permitirem e sempre disponível para qualquer solicitação que os meus blogamigos fizerem. Assim sendo não é uma despedida mas sim uma diminuição da intensidade da partilha de ideias porque só vou deixar de partilhá-las quando morrer, aqui ou noutro sítio ou doutra forma.

Até já sem esquecer que...

Todos nós temos incertezas, opiniões e reflectimos... a piada da vida é que ninguém tem certeza sobre nada, todos têm uma opinião diferente e todos, ao reflectir, chegam a conclusões diferentes... Viva as nuances da vida, expressas em liberdade!

821. Sala de Cinema: A History of Violence


Viggo Mortensen e Maria Bello em A History of Violence, de David Cronenberg

Realizador: David Cronenberg
Elenco: Viggo Mortensen, Maria Bello, Ed Harris, William Hurt, Ashton Holmes

A History of Violence é um filme que me dividiu. Gostei da gestão da tensão nas cenas de violência e da evolução da relação familiar mas, ao mesmo tempo, confesso que as mensagens subtis que a imprensa – e alguns blogues especializados – promoveu como integrantes desta obra não foram visíveis para mim. Passei o filme a pensar que o que parecia podia não ser a realidade mas, no fim, fiquei com a sensação que, desde o início, tudo era mesmo óbvio. E o que parece – e é – não é mais que a história dum homem que ocultou da sua família – e comunidade – um passado que agora o persegue. Esse passado visita-o por vagas e começa a ser expurgado também por vagas num conjunto de cenas de violência bem conseguidas mas sem qualquer impacto emocional e, mais importante, sem retratar de forma fiel qualquer tipo de realidade. Mesmo como objecto caricatural da violência na América não consegue, claro está na minha opinião, captar a violência duma forma que obrigue a qualquer tipo de reflexão sobre o que acontece com a América profunda e violenta. Não é a minha percepção que a violência seja gerada desta forma e com estas motivações. Provavelmente as minhas expectativas - alimentadas pelas críticas - eram a de um tipo de filme diferente e, talvez por isso, não saí rendido pela película.


Ed Harris e Viggo Mortensen

E se já não achei o filme credível – mesmo como caricatura - também não gostei das personagens secundárias. As reacções de Maria Bello – apesar da boa interpretação – não me pareceram credíveis e a comparação com séries como os Sopranos é inevitável onde o mundo do crime e da violência consegue ser credível enquadrando a família de forma realista neste mundo. O filho – Ashton Holmes – parece, também ele, alguém com treino intensivo em "violência" tal é a facilidade com que domina os que o acossam, sem explicação aparente. Ed Harris interpreta uma personagem sem substância e até William Hurt é um mafioso como muitos que já vi no cinema de acção da classe Van Damme (não percebi a nomeação para o Óscar). Viggo Mortensen está impecável – o olhar é o espelho da alma – mas como não achei credível o contexto da sua duplicidade não posso encarar a sua interpretação como inesquecível ou sequer comparável a outras que focam a temática dos anti heróis.

A carreira de David Cronenberg está povoada de filmes pouco convencionais onde a carne e o metal fundem-se das formas mais estranhas – Videodrome, Fly, Crash, Existenz – e outros filmes onde os limites do corpo são postos à prova – Dead Zone, Scanners, Spider – e A History of Violence não fica no meu top 5 de filmes favoritos deste realizador. Quem sabe se, com o tempo, eu reaprecie o filme e o veja com outros olhos. Até lá fica como uma desilusão.

Síntese da Opinião: Como Cronenberg é um dos meus realizadores favoritos o filme foi uma desilusão. Mesmo assim é um filme com alguns pontos positivos que vale a pena destacar.

Memórias do Filho do 25 de Abril: Sétima Arte (todos os textos deste blogue sobre cinema)

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