Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

segunda-feira, julho 31, 2006

887. Conflito Israel Líbano

Ter uma posição num conflito com estas características - ou melhor, assumir frontalmente a defesa de determinados valores - é algo perfeitamente natural. O que já me custa entender - e infelizmente os exemplos na blogosfera são inúmeros - é ser de tal forma intransigente na defesa dessa posição que os próprios valores que inicialmente justificavam essa posição deixaram de ser importantes.

É evidente que todas as guerras são "sujas" e é também claro que é inevitável haverem "danos colaterais" mas não devemos, na minha perspectiva, fazer um esforço intelectualmente desonesto - e inglório - para justificar todas - e reforço a palavra todas - as opções de quem "apoiamos". Este conflito tem uma história que não engrandece nenhuma das partes envolvidas e determinados actos, de ambas as partes, só agravam a escalada de violência. É certo que é fácil falar à distância e que é impossível imaginar viver num país em que o medo toma conta das nossas vidas mas, e este mas faz toda a diferença, não concebo como é possível haver tantas pessoas a fazerem uma ginástica mental irracional para defenderem o indefensável, para defenderem tudo aquilo que no seu âmago abominam.

O mundo não pode ser visto a preto e branco apesar de, por vezes, ser necessário sermos radicais nas nossas opções. Estou cansado de alertar que o terrorismo não se combate com a limitação das liberdades e com métodos parecidos aos dos que queremos combater. E os sucessivos exemplos de tortura, de massacres, de limitações dos direitos individuais e de intervenções sem qualquer nexo com o combate ao terrorismo só têm servido para enfraquecer a nossa posição.

Sem querer dispersar-me mais quero finalizar como comecei, ou seja, não percebo como é possível que, após apoiarmos um dos "lados", estejamos a dar carta branca a esse "lado" sem usarmos o filtro que nos separa dos "daltónicos com visão acromática", ou seja, um pensamento crítico.

886. O peso político de Alberto João Jardim: As declarações da festa comício

"[o actual executivo na República] 'é um caso de polícia' [e com necessidade] 'de ser posto na rua'"

"[o dinheiro não falta para] 'pagar milhões de euros a países africanos corruptos'"


Miguel Albuquerque, Presidente da Câmara do Funchal


"Os votos dos portugueses não lhe dão o direito de fazer terrorismo contra a Madeira e o Porto Santo"


Jaime Filipe Ramos, líder da JSD-Madeira


"Zé mentiroso, Zé arrogante, Zé infeliz, Zé aldrabão"

"queques, condessas e princesas do Bloco de Esquerda"


Jaime Ramos


"É triste ver aqui, na Madeira, colaboracionistas, gente sem calças e de rabo virado para Lisboa"

"[Alberto João Jardim lembrou que quem fez a mais longa revolução contra Salazar foi a Madeira] 'Foram os madeirenses e não aqueles maricas que agora se dizem anti-fascistas'"


Alberto João Jardim


Infelizmente os discursos no Chão da Lagoa foram mais do mesmo, mais tiros nos pés por parte duma geração de políticos que não se importa de não ter credibilidade. Em vez de enfrentarem de frente o grave problema de sustentabilidade das finanças regionais e a necessária reestruturação do modelo de desenvolvimento da Madeira os destacados dirigentes do PSD-Madeira preferiram alimentar o mito do "inimigo externo", com a linguagem boçal do costume.

Não vale a pena comentar o que é claro nas palavras proferidas no Chão da Lagoa mas vale a pena dizer que estes discursos em nada contribuíram para a resolução dos problemas regionais e apenas vão servir para alimentar o desprezo que a maioria dos portugueses tem em relação a esta forma de fazer política. E amanhã muitos vão falar do Chão da Lagoa mas somente para rirem um pouco de quem insiste em divertir o país. Quem perde? A Madeira e os madeirenses...

domingo, julho 30, 2006

885. O peso político de Alberto João Jardim



Hoje realiza-se o maior comício anual do PSD-Madeira, a Festa do Chão da Lagoa. É a altura ideal para avaliar o impacto potencial , no arquipélago e no continente, das palavras de Alberto João Jardim neste comício-festa.

Ainda não sei, à hora que escrevo estas linhas, qual vai ser o conteúdo do discurso de AJJ mas não é difícil adivinhar que vão ser palavras próprias dum homem que se sente - e está - acossado. É preciso entender que o contexto actual é novo - apesar de já ter havido algumas fases não tão nítidas no passado - para AJJ por duas razões, concretizando, o Primeiro Ministro e o Presidente da República estão intransigentes quanto à absoluta necessidade de haver rigor nas contas públicas e o líder nacional do seu partido não dá sinais que vá ser solidário com o apelo deste para que o Governo Nacional, mais uma vez, ajude o Governo Regional da Madeira a reduzir uma dívida que evoluíu de forma dramática e sem precedentes. Se juntarmos a isto a constatação que AJJ está em fim de carreira, está criado um cenário político de completo esvaziamento - alimentado pelo próprio, involuntariamente, ao longo dos anos - do peso político do Presidente do Governo Regional.

Não é por acaso que, esta semana, AJJ veio elogiar, de forma indirecta, o bom senso de antigos Primeiro Ministros pois foram estes que permitiram, também indirectamente, que este modelo de desenvolvimento regional durasse tanto tempo. Mas tudo tem um preço e a deselegância constante de AJJ em relação a esses mesmos PM's (chegou a chamar António Guterres de "fariseu") e a não correcção das situações de descontrolo orçamental fazem com que, hoje, o Ministro das Finanças diga, com naturalidade, que a Madeira não pode ser privilegiada em relação a outras regiões do país, pelo menos para além do que já é por ser uma região periférica. Ainda esta semana AJJ ensaiou o discurso para o Chão da Lagoa ao relembrar que estão - "eles", "os outros" - a atacar não a ele, que já está com um pé na reforma, mas sim a Madeira. Este ensaio é bastante sintomático da estratégia actual de AJJ que se pode resumir da seguinte forma, ou seja, 'não sou eu que peço, são os madeirenses que necessitam', ou, 'não prejudiquem a Madeira por minha causa', ou ainda, 'a República está a discriminar a Madeira'. Não fique confuso, caso leitor, se achar que os argumentos são inconsistentes entre si porque nunca houve essa preocupação nos discursos de AJJ.

Não sei se AJJ já teve sonhos sobre "voos" políticos no "rectângulo" - arrisco a apostar que sim - mas, ao contrário de Mota Amaral ou Carlos César, nunca percebeu que a táctica agressiva - e boçal - de criar um "inimigo externo" em Portugal - com destaque para a capital - nunca conferiu credibilidade nacional às suas palavras. E, ainda mais grave, criou um clima desnecessário de desconfiança entre portugueses que chega ao ridículo de uns - felizmente poucos - gritarem de um lado "independência" e os outros gritarem do outro "porque não?". Era, repito, desnecessário...

O último bastião de credibilidade de AJJ é a "obra" e o "legado" na Madeira. E isso explica a irritação de AJJ que vê, de forma clara, aparecerem dúvidas (fundadas, na minha opinião) sobre a qualidade das suas obras mais recentes e sobre a sustentabilidade da situação financeira que vai deixar à região. Se as críticas à falta duma liberdade de expressão plena são facilmente "engolidas" por AJJ - acredito que isso não incomode muito AJJ já que este incentiva activamente o "carneirismo não pensante e acrítico" - já o ataque à "obra" e às "contas" da região são uma pedra que não contava ter no sapato na fase final da sua carreira.

Feitas as contas sobra o comício do Chão da Lagoa para AJJ reagir, ou seja, não sobra nada. Atacar a República já não incomoda nem o PS nem o Governo Nacional porque o partido não tem nada a perder eleitoralmente na Madeira e o Governo Nacional só tem a ganhar em credibilidade se ignorar tanto os apelos como os insultos dos membros mais destacados do PSD-Madeira. E que peso terão os apelos - ou as indirectas - de mais autonomia (para não usar a palavra independência) nos madeirenses? Sou franco, entre duas garrafas de Coral ou na praia, vão aplaudir ou ficar indiferentes mas vão voltar para casa convictos que são tão portugueses como eram antes, ou seja, sem qualquer vontade de autonomia alargada ou independência. Mas espero estar enganado e vou dar o benefício da dúvida, isto é, vou ter a esperança inatingível - a utopia - que vamos ter um discurso construtivo sobre a reconquista da credibilidade e sobre as alterações ao modelo de desenvolvimento regional. Será que vou ver as minhas pretensões satisfeitas ou vou ter mais do mesmo, ou seja, as boçalidades do costume cujo único impacto é ser motivo de chacota nas conversas de café do dia seguinte?

quarta-feira, julho 26, 2006

884. Coragem e Força (2)

É triste verificar que nas Câmaras deste país continua a existir um certo laxismo (note-se que não estou a classificar como corrupção os actos de muitos autarcas, porque não sou eu que o devo fazer) no licenciamento de obras. Os edifícios em construção que não cumprem o PDM, que não têm licenças de construção, que são alvo de trocas pouco claras de terrenos são em número inaceitável num Estado de Direito. Cada vez mais exige-se uma legislação simples, uma fiscalização eficaz e uma justiça célere e implacável para combater este laxismo. Não sei se o problema é do sistema que não consegue combater este flagelo da construção sem nexo ou se estamos sujeitos a uma grande percentagem de autarcas banais que estão escudados por cidadãos pouco exigentes - felizmente há excepções - ou se estamos perante um fenómeno ainda mais grave (do foro criminal) mas a realidade é que, em qualquer cidade ou povoação deste país, é fácil encontrar construções que, pelo senso comum, só foram executados porque algo falhou.

O nosso Presidente da República apela - o que é caricato se tivermos em conta o cargo que ocupa - aos autarcas para que tenham "coragem" e "força" (para resistirem às pressões dos empreiteiros) mas eu digo que o que é necessário é que a lei seja aplicada e fiscalizada (e alterada se necessário) e que sejam efectivamente sancionados os prevaricadores. Não há nada pior que a banalidade e, mais importante, que a banalidade seja impune. O primeiro passo para que Portugal seja um país "melhor" é a conquista da exigência, um trabalho que só pode ser feito de forma complementar entre o representado (o cidadão) e o representante (o político). Não sejamos banais...

terça-feira, julho 25, 2006

883. Ridículo

Ridículo, como dirá Manuel Maria Carrilho. É a única palavra que me ocorre quando assisto a este frenesim por causa da reforma de Manuel Alegre. É cada vez mais típico fazer estas tempestades de inveja neste país...

Quando ouço, por exemplo, as palavras de Marques Mendes ("escândalo", "tem que ser esclarecido") parece que alguém cometeu um grave ilícito mas, sejamos claros, Manuel Alegre, por quem não nutro especial simpatia mas que respeito pelo seu passado e presente, apenas cumpriu a lei. A lei está mal? Que se mude a lei mas não se persiga o cidadão por a ter cumprido. Estará a lei mal? Não sei. Será possível ter bons quadros na política sem a garantia da suspensão dos cargos que exercem? É ou não é verdade que o cidadão em causa tem mais de 30 anos de descontos à taxa máxima? É ou não verdade que apenas está a receber 1/3 da reforma, que apenas uma parte desse 1/3 é relativo ao cargo na RDP, que abdicou da reforma referente a ter sido preso político e que não requereu a reforma (foi compulsiva)?

O que me parece é que os cidadãos têm é que estar atentos às leis que são aprovadas e que criam regimes injustos. Mas não, o desporto favorito é criticar quem cumpre a lei e não a lei em si que, aliás, já limita bastante, desde o ano passado, a acumulação de rendimentos. É a demagogia da generalização de que os políticos só assaltam os "nossos" bolsos. E, aliás, porque é que estou aqui a discutir a vida privada duma pessoa que sempre pagou impostos e que sempre descontou para a SS?

sexta-feira, julho 21, 2006

882. Perguntas genéricas a qualquer liberal e socialista (3)

Mais uma interessante contribuição ao tema em debate dada pelo Hugo Mendes, do blogue Véu da Ignorância:

O Ricardo levantou no meio de uma discussão acerca da estratégia económica centrada exclusivamente na prioridade dada ao consumidor um paradoxo importante:

"Centrar a política económica nos ganhos do consumidor pode ser um pensamento viciado porque à medida que o produto é vendido a menor custo (independentemente da qualidade) o impacto que isso tem no mercado de trabalho também pode - não estou a dizer que isso acontece, mas que se não tivermos em conta outros factores, pode - estar a diminuir o poder de compra e a encolher o próprio mercado (...) É que, no fundo, o trabalhador é o consumidor e vice versa."

O que Ricardo diz é inatacável do ponto de vista lógico: os dois papéis estão 'reunidos' na mesma pessoa. Se privilegiamos o primeiro em detrimento do segundo criamos uma situação de double-bind que deixa as pessoas razoavelmente desorientadas e incapazes de seguir estratégicas colectivas. Ora, porque é que os neo-liberais não estão minimamente preocupados com este facto incontornável? Não são eles tambem trabalhadores e consumidores? Serão eles mais corajosos e capazes de enfrentar o trade-off? Ora, a resposta é simples: na prática, os fervorosos adeptos desta ideia não vivem este dilema. Se no abstracto, as pessoas são as mesmas, empiricamente, não o são de todo.

Vale a pena recordar que os trabalhadores mais atingidos pelas políticas de liberalização são, invariavelmente, os pouco qualificados e os mais pobres (os que ocupam o mercado de trabalho 'externo'); são eles que pagam a factura e correm o sério risco de ser atirados para o desemprego ou terem de aguentar empregos mal pagos e precários - mesmo que ganhem alguma coisa como consumidores (e isto já é duvidoso se o seu poder de compra se degradar; podem comprar a crédito, mas isto faz disparar o níveis de endividamento).
Os profissionais mais qualificados e mais bem pagos (os 20%/30% do topo), os que não sofrem na pele a degradação dos mercados de trabalho externos pela 'carapaça securizadora' que protege os mercados de trabalho 'internos', estão sempre bem (e isto mesmo que haja maior competitividade e maior circulação - e logo, mais incerteza - nos cargos mais elevados das hierarquias organizacionais), e os seus salários tenderão mesmo subir enquanto a maioria vê o seu poder de comprar estagnar ou diminuir. Aposto que se fizerem uma sondagem, é aqui que estão concentrados os true believers da "divinização do consumidor" - os únicos que não estão sujeitos a qualquer trade-off. Para essa minoria, o círculo é efectivamente virtuoso.

Como dizia o malogrado J.K.Galbraith:

«In the modern economy we have a large professional community – lawyers, accountants, engineers, public servants, most academics I hasten to add – who are relatively secure. Social security, pensions, and farm legislation have rescued others from the cruel uncertainty of past times. All so favoured find services more readily available in recession, and, having fixed or relatively fixed incomes, they are protected by economic stagnation from inflationary price increases. No one, I repeat, is allowed to say that he or she favours recessive or stagnant economic performance. That is unmentionable; better to take a stand for sexual harassment. The satisfaction continues».

A questão essencial é, pois, que distribuição de riscos ou do preço a pagar pela "absolutização do consumidor" é assimetricamente distribuída pelos indivíduos e pelos grupos. É para redistribuir os riscos, os ganhos e as perdas que existe a protecção social. Quando ela é residual e/ou recua, passa-se o que se passou nos EUA no último terço do século: o poder de compra dos 20% mais pobres regrediu; o das classes médias foi mantido apenas à custa da entrada das mulheres no mercado de trabalho (porque o poder de compra dos homens baixou); e os 20 por cento mais ricos viram o seu rendimento e riqueza subir em flecha.

terça-feira, julho 18, 2006

881. Perguntas genéricas a qualquer liberal e socialista (2)

Em relação ao texto que publiquei ontem o BrainstormZ - do blogue O Insurgente - publicou um interessante comentário que passo a reproduzir:

"Dumping: defender consumidor ou trabalhador?

Sobre o artigo do Miguel para a revista DiaD, o Filho do 25 de Abril faz o seguinte comentário:

"A questão do preço final inferior ao custo de produção - táctica utilizada para esmagar a concorrência mais frágil - é aparentemente ouro sobre azul para o consumidor (ideia defendida, com cautela, no artigo já referido) mas pode ter como consequência o estímulo ao monopólio (menos empregos, mercado com menor capacidade de absorção dos produtos) e, numa análise dinâmica, mesmo que o poder de compra e o número de trabalhadores não se altere, a tendência é para o aumento do preço final (ao consumidor) no longo prazo. Com isto pretendo dizer que o consumidor não pode ser o centro absoluto da política económica."

Quanto ao facto do preço aumentar no longo prazo, assumindo que não existem barreiras à entrada (conforme refere o Miguel), este só poderá subir para os valores praticados antes do dumping.

Mas o processo de decisão do consumidor não envolve - na maioria dos produtos - exclusivamente o factor preço. Logo, o dumping só será eficaz em relação a produtos indiferenciados, nos quais o preço é uma importante componente decisória.

A prática de dumping, financiada por governos estrangeiros, tem como consequência o desemprego nas empresas que fabricam tais produtos indiferenciados mas, caro Ricardo, também possibilita o aumento do emprego nos sectores de actividade mais competitivos, fruto do acrescido rendimento disponível dos consumidores que adquirem os produtos subsidiados. Não são, por isso, apenas os consumidores a beneficiar com o dumping.

PS: deixar o mercado funcionar não é uma "política económica", uma vez que não exige a intervenção do Estado."


Entretanto, contra-argumentei da seguinte forma (na caixa de comentários do texto):

Viva,

O contexto do meu texto não deve ser só este parágrafo - apesar de admitir que, mesmo assim, é uma análise superficial - e a ideia base é que os benefícios ao consumidor não devem ser o principal critério de avaliação de uma boa medida (estatal ou empresarial).

"Quanto ao facto do preço aumentar no longo prazo, assumindo que não existem barreiras à entrada (conforme refere o Miguel), este só poderá subir para os valores praticados antes do dumping."

Não é líquido que assim seja uma vez que a realidade não é necessariamente igual à teoria. Uma política agressiva de "expulsão" da concorrência a um determinado produto pode levar décadas a ser compensada com a entrada de novas empresas. A aceitação de um preço inferior ao custo pode levar a que muito investimento instalado seja irrecuperável (ou dificilmente recuperável) no médio prazo.

"A prática de dumping, financiada por governos estrangeiros, tem como consequência o desemprego nas empresas que fabricam tais produtos indiferenciados mas, caro Ricardo, também possibilita o aumento do emprego nos sectores de actividade mais competitivos, fruto do acrescido rendimento disponível dos consumidores que adquirem os produtos subsidiados. Não são, por isso, apenas os consumidores a beneficiar com o dumping."

Aqui está uma afirmação interessante e que eu concordo parcialmente, ou seja, se o rendimento disponível aumenta é óbvio que novas oportunidades aparecem no mercado. Mas o que eu escrevi não foi bem isso, ou seja, o que falta avaliar é se realmente há aumento do rendimento disponível. Insisto que o consumidor é, ao mesmo tempo, o trabalhador e não é líquido que políticas agressivas de preços (abaixo do custo) criem mais rendimento disponível uma vez que a quantidade de trabalhadores (e provavelmente alguns salários) diminuem (em consequência da diminuição das empresas no mercado) o que pode resultar numa diminuição do rendimento disponível global para o consumo. Não estou a dizer que é isso que vai acontecer mas tão somente que este processo dinâmico não é linear.

Abraço,

P.S. Quanto a ter apelidado de "política económica" à não intervenção do Estado posso defender, honestamente, que a ausência de política económica é uma política económica.


Nota final: Obrigado ao Henrique pela referência ao texto

segunda-feira, julho 17, 2006

880. Perguntas genéricas a qualquer liberal e socialista

Não sou anti-liberal, muito pelo contrário! Apesar da minha matriz ideológica ser socialista defendo que a economia "real" deve estar entregue em exclusivo aos privados com a concorrência a ter um papel de relevo para equilibrar os preços. Claro que também defendo a regulação do Estado mas quanto a isso acho que estamos todos mais ou menos de acordo, divergindo apenas no grau.

O que não entendo é porque é que, muitas vezes, o socialista dissocia o trabalhador ao consumidor e porque é que o liberal comete o mesmo erro de análise.

Os liberais, por exemplo, vivem obcecados com o consumidor (veja-se, por exemplo, o artigo de hoje na Dia D, "O dumping revisto e diminuído", de Miguel Noronha) ao ponto de dissociar este do trabalhador quando, na prática, estamos a falar, ao mesmo tempo, das mesmas pessoas. Centrar a política económica nos ganhos do consumidor pode ser um pensamento viciado porque à medida que o produto é vendido a menor custo (independentemente da qualidade) o impacto que isso tem no mercado de trabalho também pode - não estou a dizer que isso acontece, mas que se não tivermos em conta outros factores, pode - estar a diminuir o poder de compra e a encolher o próprio mercado. A questão do preço final inferior ao custo de produção - táctica utilizada para esmagar a concorrência mais frágil - é aparentemente ouro sobre azul para o consumidor (ideia defendida, com cautela, no artigo já referido) mas pode ter como consequência o estímulo ao monopólio (menos empregos, mercado com menor capacidade de absorção dos produtos) e, numa análise dinâmica, mesmo que o poder de compra e o número de trabalhadores não se altere, a tendência é para o aumento do preço final (ao consumidor) no longo prazo. Com isto pretendo dizer que o consumidor não pode ser o centro absoluto da política económica.

O inverso também é verdade, ou seja, o socialista não pode centrar a sua defesa no trabalhador e ignorar a defesa do consumidor porque sem produtos e serviços competitivos há uma menor qualidade de vida para o indivíduo enquanto consumidor (se relacionarmos este conceito à quantidade e qualidade dos produtos consumidos) e, adicionalmente, a perda de competitividade da economia, novamente numa análise dinâmica, pode resultar em perda de postos de trabalho e poder de compra a prazo.

Este é um tema que merece ser mais aprofundado - esta é apenas uma abordagem superficial - mas é o suficiente para levantar certas questões, ou seja, até que ponto o consumidor deve ser o centro da política económica e até que ponto é o trabalhador que deve ser esse mesmo centro? É que, no fundo, o trabalhador é o consumidor e vice versa (ignorando os que não trabalham por conta de outrem, por serem marginais no universo de indivíduos), e mais, a defesa simultânea do indivíduo-consumidor e do indivíduo-trabalhador não trará ganhos suplementares à economia em relação a uma solução que contemple a obsessão ideológica num dos papeis do indivíduo?

domingo, julho 16, 2006

879. Jardim e o apelo ao apoio da República (3)


Inflamações, O Cartoon de António, Expresso (clique na imagem para ampliar)

terça-feira, julho 11, 2006

878. Jardim e o apelo ao apoio da República (2)

"Quem tem de explicar as dificuldades (...) e a perca de competitividade da região devem ser os responsáveis e os sucessivos governos da região, não é o Governo"

"A Madeira não tem mais legitimidade que as outras regiões do país na mesma situação"


Fernando Teixeira dos Santos, à entrada duma reunião da UE, em Bruxelas (Fonte: Público)

segunda-feira, julho 10, 2006

877. Jardim e o apelo ao apoio da República

Jardim pede a Sócrates solidariedade da República

O presidente do governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, escreveu ao primeiro-ministro, José Sócrates, a pedir o apoio da República para a resolução da grave situação financeira que a região atravessa.

Público, 10 de Julho de 2006


Há políticos que parecem um papagaio apanhado em ventos cruzados. Numa semana Alberto João Jardim (AJJ) critica o Governo ao ponto de pedir a sua demissão por estar a ser prejudicial ao país e, na seguinte, apela à solidariedade nacional porque o seu próprio Governo não sabe lidar com as restrições orçamentais a que está sujeito. Há anos que alerto que o endividamento da região é preocupante, que o endividamento das sociedades de desenvolvimento (que não estão englobadas nas restrições de endividamento mas cujas dívidas vão ter que ser pagas) não são a melhor solução de longo prazo, que a concessão da manutenção de estradas hipoteca o futuro e, agora, finalmente, o Governo Regional (GR) resolve expor a situação dramática das finanças regionais, mesmo que utilize subterfúgios para explicar a situação. A justificação "oficiosa" para a situação financeira da Madeira é a perda de fundos europeus, resultado dum crescimento brilhante da região, mas, sou sincero, só acredita que esta é a razão principal das dificuldades acumuladas da região quem fizer muita força para acreditar.

Vamos por partes.

Solidariedade tem dois sentidos. Se o GR gasta acima das suas possibilidades não pode exigir que o Governo Nacional prejudique outras regiões para que a Região Autónoma da Madeira (RAM) continue a gastar ao sabor do frenesim das inaugurações (ainda mais quando, neste momento, as opções de investimento na região concentram-se em obras na costa de duvidosa utilidade e ainda mais duvidosa concepção).

O investimento público é importante, já o defendi. Não devemos abdicar do investimento - ainda mais em obras co-financiadas - sem esgotar as possibilidades de redução dos gastos correntes de um Estado cada vez mais "gordo". Assim, se por um lado concebo como aceitável o ritmo de obras públicas na Madeira - e a continuidade de algumas (cada vez em menor número) estratégias de investimento - por outro não posso deixar de afirmar que não vejo qualquer tipo de preocupação em cortar despesas correntes nos serviços regionais, já por si desproporcionais na relação dimensão óptima de gastos com serviços prestados. Se a região não consegue manter o ritmo de investimento e os seus níveis de endividamento são altos não resta outra solução senão libertar recursos de outro tipo de gastos para o investimento ou travar esse investimento, mas nunca, e repito nunca, apelar a mais perdões da dívida regional.

Provavelmente muitos dos meus conterrâneos madeirenses não gostam deste discurso mas é preciso não esquecer que não é o Governo Nacional que tem culpa dos gastos da região. Simultaneamente não é sustentável, para a própria região, manter o discurso (ou a ilusão) de que AJJ é óptimo para a Madeira porque desenvolve a Madeira e, ao mesmo tempo, consegue que as dívidas sejam perdoadas. Este tipo de políticas - e mentalidade - não cria um ambiente de exigência e, mais cedo ou mais tarde, a vida na região vai ser negativamente afectada por esta bênção ao facilitismo. Não podemos validar políticas sem sustentação porque essa factura é paga duma forma ou doutra, mais cedo ou mais tarde, concretizando, ou porque podemos estrangular o investimento no futuro ou porque cada vez mais perdemos a credibilidade para exigir solidariedade. Ao Governo de Sócrates cabe, mais do que nunca, não pactuar com esta situação e ser firme na distribuição justa da riqueza nacional. E dizer isto, caros conterrâneos madeirenses, não é "não ter a Madeira no coração" e, muito menos, razão para utilizar palavras como "traidor", expressões muito em voga na região e fruto dum discurso "oficioso" que só serve quem não tem abertura para o contraditório. Agora só falta o Presidente da República apelar a Alberto João Jardim para que tenha "coragem" e "força" para resistir às tentações do furor viciante das inaugurações.

sábado, julho 08, 2006

876. Coragem e força

"Temos que reconhecer que no Algarve existe uma grande pressão sobre alguns autarcas para a construção urbana. Penso que eles têm que revelar muita coragem e uma grande força para resistirem à construção excessiva que se manifesta em algumas zonas do Algarve."


É o que nos resta, ou seja, apelar à "coragem" e à "força" dos nossos autarcas. O cidadão duma determinada autarquia que assiste à destruição urbanística da cidade onde vive tem que vir para a rua e gritar, usando todo o ar que preenche os seus pulmões, palavras chave aos seus autarcas: "coragem", "força", "resiste". Não são precisos fiscais, regras, planos directores e leis porque, no fundo, o que é importante é ter "coragem" e "força".

Já agora quem adivinha o autor destas inspiradoras palavras?

quarta-feira, julho 05, 2006

875. Mundial 2006: Portugal 0 - França 1


Foto: Manuel de Almeida/Lusa

Foi pena. C'est la vie...

Recomendo que não se façam reportagens - estou a fazer referência a pelo menos dois jornalistas da SIC - a quente, pouco profissionais, mesmo que seja difícil despir a "camisola", uma vez que pouco faltou para insultar os franceses por estarem a... festejar. Um dos jornalistas até fez um estranho comentário sobre os jovens franceses que destruíam carros nos subúrbios e que agora festejavam nas ruas e outro quase entrava em conflito com uma adepta da França quando esta, ao responder à pergunta do próprio jornalista sobre a exibição da selecção francesa, teve o "azar" de dar a sua opinão e defender que a França jogou bem (relembro que Portugal também nem sempre fez grandes exibições e os mesmos jornalistas não minimizaram a vitória por causa disso). É preciso saber perder...

Foi um bom mundial para a nossa selecção e parabéns aos jogadores.

segunda-feira, julho 03, 2006

874. Anti-Ninguém

Cada vez mais acredito na máxima que descreve a sociedade em que estamos inseridos como o reflexo das nossas acções individuais e que o impacto que essas acções têm no colectivo são cruciais para a definição da mesma. Deste modo admiro cada vez mais quem não se resigna e luta contra a maré só porque tem convicções e porque acredita que está certo.

O atento leitor, nesta fase do texto, indaga sobre o propósito destas palavras. Quem costuma ler este blogue sabe que sou muito crítico com a forma como a sociedade madeirense evoluiu. Já escrevi que há um "medo invisível" que cerceia as liberdades individuais, que abafa o saudável espírito crítico e que impede o indispensável contraditório - independentemente das razões válidas para o voto na continuidade. Mas será que esse "medo" tem fundamento? Arrisco dizer que tem algum mas, em larga medida, só existe uma mordaça porque os cidadãos interiorizaram que ela - a mordaça - está presente na boca de cada um deles.

Por isso não posso deixar de admirar a coragem de quem, mesmo vivendo num meio fechado e imerso em seguidismos de vária espécie, tira a mordaça, seja ela real ou induzida, e fala livremente. Destaco, por admiração, dois habitantes da ilha que exibem um espírito crítico e exigente com aquilo que os rodeia. Estou a falar do Vítor e do Nélio que escrevem, respectivamente, no Estranho Estrangeiro e no Olho de Fogo. Falar à distância é fácil - é o que eu faço - mas estar lá e expor sem máscaras o que defendem por convicção, mesmo que esses assuntos sejam tabús e prejudiciais aos mesmos, é o melhor contributo que podem dar à própria região e à sociedade que os alberga. E, mais importante, como o Nélio gosta de referir, é anti-ninguém, ou seja, criticar construtivamente e apontar caminhos não é uma tentativa de denegrir alguém mas sim um contributo para um futuro colectivo melhor.

873. Exposição de Graça Morais na Galeria da Ordem dos Médicos



“Desejo através dos meus quadros ter consciência de quem sou, questionar a minha existência, afirmar a minha identidade construída através de sinais, símbolos, imagens, memórias de uma realidade que me liga ao universo. Com a minha pintura quero construir um espaço diferente e único onde possa defender a minha personalidade nestes tempos de grande massificação. A reflexão que faço do mundo está toda nos quadros que pinto. O quadro é um território íntimo, de magia, onde a linha, a cor, o espaço e a luz aparecem carregadas de profunda espiritualidade”


Extracto do diário de Graça Morais publicado no livro “Uma Geografia da Alma”
17 de Julho de 2000 in Graça Morais



Não podia, a minha consciência não permitia, deixar de (voltar a) recomendar uma visita a uma exposição de Graça Morais, desta vez na Galeria da Ordem dos Médicos*. Graça Morais é uma das pintoras portuguesas que mais aprecio e aconselho a visita a todos os locais onde a sua obra pode ser vista mesmo que, infelizmente, desconheça se esta exposição em particular tem um conjunto diversificado de obras desta pintora ou se apenas um número limitado de quadros.

*Av. Almirante Gago Coutinho, 151

Texto anterior com o mesmo tema: Janeiro 22, 2006 720. Graça Morais no Centro de Artes de Sines

Visita obrigatória: Graça Morais

sábado, julho 01, 2006

872. Mundial 2006: Portugal 0 - Inglaterra 0 (3-1)


Cristiano Ronaldo a marcar o golo decisivo

Mais um jogo sofrível e sofrido mas com mais um final feliz.

Não sou defensor da teoria que os nacionalismos devam ser potenciados com acontecimentos desportivos e confesso que não sou adepto do fenómeno das bandeiras. Mas fico sempre feliz com as vitórias da nossa selecção. Mas as nossas derrotas e vitórias no futebol não "diminuem" ou "engrandecem" a nação, simplesmente perdemos ou ganhamos um jogo de futebol, nada mais. A moda de acusar quem critica uma selecção de anti-nacionalistas, frustrados, mesquinhos ou invejosos - como Manuel Alegre fez ainda a semana passada - é completamente descabida. Eu elogio a selecção quando joga bem ou atinge um objectivo como critico quando não o faz e isso não mede o meu grau de patriotismo. Cada qual com a sua sentença mas isso não me faz mudar a minha opinião sobre a importância do futebol, ou seja, é um espectáculo que gosto de assistir e nada mais.

Por falar em bandeiras hoje a Madeira comemorou o dia da região e o Governo Regional mandou distribuir 80 mil bandeiras - sim, 80 mil - regionais e editou um conjunto de 12 livros - sim, 12 livros - com fotografias das inúmeras inaugurações de Alberto João Jardim. Estas bandeiras, ironicamente, foram feitas pelos mesmos cidadãos - da República Popular da China - que Jardim visava nesta declaração: "É mesmo bom que eles vejam porque não os quero aqui". Realmente a vida tem destas ironias, inconsequentes mas simbólicas. Tenho curiosidade em saber se, em dia de fervor nacionalista - feliz ou infelizmente - por causa do futebol, que bandeiras andaram a ser exibidas pelas ruas da Região Autónoma da Madeira no dia de hoje. Se a tudo isto juntarmos que a comemoração foi vedada à oposição (AJJ declarou não ter "obrigação de aturar a pseudo-esquerda") e que a Fama (a organização que sucedeu a Flama, responsável por actos separatistas até 1978) foi distinguida com o Cordão Autonómico de Distinção então fica completo o ramalhete de surrealismo que vive imersa a vida política e cívica da RAM.