Filho do 25 de Abril

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sábado, abril 17, 2004

17 de Abril de 2004 – A Mentalidade Portuguesa

Haverá ainda lógica em falar em mentalidades quando já poucos sabem definir quem representam os nossos orgãos de soberania. Representam os emigrantes ou não, só os das primeiras gerações ou não, os imigrantes ou não, mesmo os ilegais ou não, os de dupla nacionalidade mas nascidos em território Português ou não, os de dupla nacionalidade mas nascidos no estrangeiro, nos PALOP, na Europa ou no Resto do Mundo ou não. Enfim, a questão de fundo é que as populações são cada vez mais, resultado da Globalização e da consequente abertura do Mundo, diversificadas em mentalidade. Se são ou não cada vez mais homogéneas em pensamento ou hábitos de consumo é uma questão para outro dia.

Tenho, assim, dificuldade em definir quem são os verdadeiros guardiões da nossa cultura e mentalidade, se sequer existem! De qualquer forma o que não deixa de ser curioso, para mim, é porquê que temos tanta dificuldade em sermos felizes, abertos e expansivos. Pode até ser um problema mundial mas talvez seja mais visível em Portugal. Os europeus em geral nunca conseguiram ultrapassar um certo moralismo resultante da Idade Média, nunca completamente erradicado. É perceptível, em Portugal, esse moralismo na inveja, no seguidismo cego à Igreja (não confundir com fé e real necessidade de acreditar em algo), na pequena intriga, no paternalismo, e outros hábitos herdados de séculos de história. Somos muito reservados, demasiado nostálgicos e demasiado presos a coisas que a ninguém interessa. Parece que a vida não é curta, que vamos reencarnar sucessivamente e numa dessas vidas, aí sim!, vamos ter oportunidade de sermos completamente felizes. Aviso todo a gente: é um risco grande demais pensar assim, podemos só ter uma vida, e é lógico que assim seja.

Realmente é, assim, fácil compreender como um regime como o de Salazar resistiu tanto tempo, porque se formos analisá-lo bem não era um regime nem demasiado opressivo, nem contundentemente assassino. Era um regime de moralidades falsas, de perseguições intelectuais, de denúncias... Sem as constantes denúncias de amigos e familiares não duraria tanto tempo, com certeza. Para quando o Portugal moderno, generoso culturalmente, evoluído nas mentalidades. Temo que quando esse Portugal aparecer vai ser no dia em que não temos identidade, porque os países, actualmente, só sobrevivem graças à sua forte cultura e, para nós sobrevivermos, temo que temos de continuar, na essência, como somos, com os nossos defeitos mas também, reconheço, com as nossas singulares virtudes. No dia que mudarmos, por dentro, deixamos de ser indivíduos diferentes, fomos absorvidos por outras culturas. A questão, sem resposta para já, é se conseguiremos mudar a nossa mentalidade e, ao mesmo tempo, continuarmos a ser Portugal. Como eu gosto de dizer uma coisa e o seu contrário, acho que sim.

Para finalizar não deixa de ser curioso deixar duas notas. Os Portugueses, digamos, nascidos em Angola e Moçambique, têm uma mentalidade totalmente diferente dos nascidos em Portugal (estas generalizações são sempre perigosas mas, em média, talvez sejam verdadeiras). São mais expansivos, alegres, despreocupados apesar da curta duração da sua vida lá. Os brasileiros, por exemplo, têm uma concepção de vida totalmente diferente da nossa (acho mesmo que de irmãos só têm a língua e a simpatia mútua). O culto do corpo, o ritmo, a sensualidade são talvez herança da cultura africana, e não da portuguesa ou espanhola (se retirarmos outros factores como o clima e a localização, ie, o meio ambiente). Talvez sejam mais felizes mas o estilo de vida reflecte-se na organização da sociedade e, inevitavelmente, na qualidade de vida. Por qualidade de vida não me refiro a quantos bens conseguimos comprar e consumir mas sim em segurança, protecção social, apoio nos diferentes ciclos da vida, uma sociedade humanista e atenta, entre outros factores que os Brasileiros não dispõem na quantidade necessária.

Qual o melhor caminho, não sei nem ninguém sabe! Deixo apenas uma opinião, não uma verdade absoluta, lembremo-nos todos que a vida é curta e para ser vivida com intensidade.