Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

quarta-feira, janeiro 17, 2007

972. Páginas Soltas (21): Quando Nietzsche Chorou, de Irvin D. Yalom




"Sombrio? Pergunte-se, doutor Breuer, porque são sombrios todos os grandes filósofos? Pergunte-se: 'Quais são os seguros, os confortáveis, os eternamente radiantes?' Dar-lhe-ei a resposta: somente aqueles com uma visão tacanha: o povo vulgar e as crianças!"


"Quando Nietzsche Chorou" é uma mistura - devo acrescentar original - de ficção, psicologia e pedagogia com eventos reais, biográficos e rumores. Passo a explicar. Imaginem uma obra de ficção cujas personagens são pessoas - reais, ou seja, que realmente existiram no "mundo real" - que duma forma ou de outra marcaram o rumo da psicanálise e imaginem ainda que estas interagem e, num longo processo de conhecimento mútuo, que envolve não só o desafio intelectual mas também a criação de laços de amizade, discutem a sua obra e descobrem a génese das ideias que ainda vão fazer nascer outras obras. Estas personagens são Josef Breuer, Friederich Nietzsche e Sigmund Freud, em diferentes fases da vida biológica e também em diferentes fases das suas carreiras. O cenário é Viena do século XIX (1882).

A história é simples mas não deixa de ser singular. O doutor Breuer, pai da psicanálise, atrai um promissor filósofo ao seu gabinete (Friederich Nietzsche) no sentido de evitar que este caia numa espiral de desespero que o conduza ao suicídio. Na tentativa de entrar na cabeça de Nietzsche os papeis invertem-se e acaba por ser o filósofo que conforta o desespero de Breuer. Na realidade estes homens nunca interagiram e o que Irvin D. Yalom faz é aproveitar uma história sobre amizade e psicologia para explicar a génese e o fio de pensamento destas individualidades históricas. No fim lemos um bom romance e, ao mesmo tempo, como bónus, ficamos a conhecer melhor a obra destas pessoas que marcaram a visão sobre a vida das gerações vindouras.

Como seria de esperar, sempre que uma história envolve Nietzsche, há uma extensa discussão filosófica. É aqui que reside a força deste livro porque compila opiniões e reflexões importantes sobre a mais inútil, porque infrutífera, das discussões, concretizando, o sentido da vida. A filosofia é talvez a mais essencial e, ao mesmo tempo, a mais abstracta das ciências porque dela nenhuma certeza germina mas, simultaneamente, porque é a ciência que mais próxima está da razão do nosso ser. Filosofia significa amor ao saber (do grego philia - amor com sophia - sabedoria). Em textos futuros vou colocar algumas citações do "Anti-Cristo" Nietzsche para reflexão.

A obra de Irvin D. Yalom está, porém, longe da perfeição. Há passagens que carecem de naturalidade e autenticidade porque forçam a génese de ideias que futuramente vão ser atribuídas às figuras históricas (que são simultaneamente personagens). No fundo parece que há um esforço não dissimulado para forçar o futuro. Adicionalmente esse "erro" é agravado com a sensação que a análise dos envolvidos é feita sobre a luz dos conhecimentos e moldes actuais, ou seja, mesmo que se tratem de homens à frente do seu tempo parecem pensar demasiado como homens ocidentais contemporâneos. Por fim, no meio de tanta introspecção e intelectualidade, há partes do livro que parecem ceder à emoção grátis e à literatura ligeira (no mau sentido da palavra). No global, apesar de tudo, é uma obra que recomendo, principalmente a quem tem amor ao saber.


Memórias do Filho do 25 de Abril: Literatura (todos os textos deste blogue sobre literatura); Religião (todos os textos deste blogue sobre Religião e Filosofia)

Technorati Tags: , , ,