962. A execução de Saddam Hussein (2)
Sempre tive imensa dificuldade em digerir que seja o Estado, o "nós", que, sem face, coloque uma corda num pescoço de um homem. Como nada é preto ou branco tenho que, neste caso em concreto, subalternizar a minha posição quanto à pena de morte em relação às consequências políticas - mediáticas? - da execução.
Independentemente de concordarmos com a pena de morte e de como a classificamos (retrocesso civilizacional, bárbaro, justo, aceitável) o grande problema político e social desta execução acaba por ser, como seria de esperar numa sociedade cada vez mais mediática, a divulgação dum vídeo de baixa qualidade da execução. Em vez de discutir o acto em si a preocupação das administrações - principalmente a iraquiana e americana - é discutir como é possível, como se o acto só passe a ser horrendo quando é transmitido sem edição, que alguém tenha colocado à disposição do mundo o vídeo da execução.
Ninguém se pergunta porque é que o vídeo mexe com as entranhas? Porque não tem nenhum filtro nem nenhuma edição política ou jornalística e porque, afinal, mostra a execução tal como é, concretizando, crua. E sem esses filtros até parece algo bárbaro, não é? Não! Não parece, é. Mas o que é irónico é que não é a execução que está a criar esta ebulição - o acto per si é um retrocesso social mas de impacto controlado - mas sim o vídeo com direito a som que cria este frenesim que molesta as nossas consciências. Estaremos numa nova era em que a difusão rápida e simples da informação por parte de qualquer pessoa vai acabar com as notícias esterilizadas? E qual a consequência disso? Vamos ficar ainda mais indiferentes ou vamos finalmente controlar o que até agora só era revelado quando os arquivos eram abertos passadas umas décadas?
O "espectáculo" degradante a que todos assistimos - parece uma cena da Idade Média a que todos temos acesso com todos os detalhes - incomoda e criou um momento histórico lamentável: o desumano Saddam Hussein a ser executado duma forma tão desumana que parece que é o próprio o mandante da execução. Este momento histórico não é o acontecimento - infelizmente mais banal do que pensamos - mas as imagens do acontecimento que balançam, tal como Saddam no vídeo, entre o mau gosto e o grotesco.
Quando George W. Bush enviou uma mensagem épica para a imprensa - a informação é cada vez mais feita de imagens e palavras chave - a elogiar o acontecimento (segundo este, um marco em direcção à democracia) não estava à espera das imagens. De facto a execução de Saddam Hussein foi um marco mas discordo que em direcção à democracia. É um marco porque muitos, eu incluído, sentem vergonha de serem contemporâneos deste acontecimento. Ou em vez de acontecimento devia ter dito imagens? E interessa a distinção?
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5 Comments:
At 11:30 da tarde, H. Sousa said…
Caro amigo, só me ocorre uma única coisa: Bardamerda para a barbárie!
At 1:39 da manhã, Ricardo said…
Caro Henrique,
Nada a acrescentar. O comentário fala por si e assino por baixo.
Abraço e feliz ano de 2007
At 11:55 da manhã, Unknown said…
Acho o problema do video secundário.
O video só vem mostrar a realidade da saddamização da nossa sociedade.
Depois disto é difícil criticarmos o Saddam sem envolvermos na crítica os dirigentes americanos e a maior parte dos dirigentes europeus.
Estes fizeram uma declaração de circunstância para mostrar discordância e, em privado, foram ter com os americanos para abrirem uma garrafa de Champagne.
É que o importante era calar Saddam pois ele sabia coisas a mais.
O Saddam já foi um gajo porreiro apoiado por americanos, alemães, franceses, etc., principalmente quando metia o Khomeini do Irão na ordem e quando comprava tecnologia, letal ou não aos americanos, franceses, alemães, etc.
O erro do Saddam foi só um, foi não ter imitado os dirigentes sauditas e, embora protestando contra a existência de Israel, não importunar este país.
Não foi o que o Saddam fez, Saddam mostrou ser um perigo real para Israel e isso não se perdoa...
At 1:32 da tarde, Ricardo said…
Raio,
O vídeo é obviamente secundário mas, neste momento, as imagens preocupam mais do que o acontecimento. Também é secundário quem está - ou não - a festejar esta morte.
O grande problema actual é que o acontecimento e a ilustração deste através do vídeo dão uma machadada na reconciliação entre facções que vai perpetuar-se no tempo. As imagens e o som mostram claramente uma ausência, na execução, de qualquer intenção de justiça mas unicamente de vingança.
Espero que o vídeo sirva para ajudar a demonstrar a inutilidade da pena de morte per si e que demonstre duma vez por todas que é um acto bárbaro.
Abraço,
At 10:48 da tarde, Anónimo said…
Penso que mesmo com as imagens mostradas, não foi a barbárie que incomodou os senhores ocidentais e particularmente os americanos, o que os incomodou foi perceberem que os mesmos que executaram Saddam e rejubilaram com isso, são os mesmos que andam nas ruas de Bagdad e Bassorá a estropiar os americanos, ingleses e mais quem lhe apareça na frente, foi perceberem que quem esfrega as mãos com este chorrilho de asneiras americano é o Irão a quem o Iraque há-de cair nas mãos de bandeja se os Americanos não inverterem a sua politica. algo mais no blog "vermelho vivo"
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