Filho do 25 de Abril

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segunda-feira, janeiro 23, 2006

751. Reflexão das Presidenciais 2006 (1 de 4): A vitória de Cavaco Silva




O que está em jogo nas Presidenciais é o perfil e o contexto (ver aqui)! E o perfil de Cavaco Silva encaixou que nem uma luva no actual contexto português! E quando falo em contexto refiro-me essencialmente a dois contextos, o político e o sócio-económico!

Contexto Político

É um exercício de pura especulação mas não está desprovido de lógica se eu disser que, voluntaria ou involuntariamente (eu acho que involuntariamente), a impopularidade de José Sócrates ajudou Cavaco Silva a conquistar o centro.

A popularidade de António Guterres foi alta até quase ao fim do seu mandato - era o constante estado de graça - e vivíamos na ilusão de que tudo estava a correr bem no país. As reformas - algumas importantes - ocorreram no campo social e, no primeiro mandato, ainda houve bons sinais de reformas económicas. No segundo mandato, aos primeiros sinais de dificuldades económicas e políticas, este cometeu um enorme erro político em vésperas duma inversão do ciclo económico. Em coordenação com o seu mega ministro Pina Moura baixou os impostos sem atacar devidamente as despesas. A economia tremeu e os profetas da desgraça surgiram a avisar do óbvio.

José Sócrates, pelo contrário, não é um governante com boas taxas de popularidade. Desde cedo começou a aplicar medidas impopulares e não é, neste momento, uma mais valia eleitoral. É o contexto certo para surgir uma candidatura que sempre falou dos perigos do futuro e que surge duma área política que não é a do Primeiro Ministro. Se juntarmos a isso a constatação que José Sócrates está mais preocupado em ser Primeiro Ministro do que Secretário Geral do PS - e bem, na minha opinião, neste contexto - e aumenta o imposto petrolífero em plena campanha eleitoral o contexto ainda fica mais favorável. É por isso que o perfil de Cavaco Silva encaixou que nem uma luva neste contexto e seria interessante imaginar se o mesmo tería acontecido com Durão Barroso no poder. É um perigoso exercício de especulação. Em Portugal todos os Presidentes da República foram eleitos quando a população acha que o seu perfil é o mais indicado não para o cargo - como numa monarquia - mas para o contexto.

Contexto Sócio-Económico

As dificuldades que o país vive já há quase seis anos vieram renascer algo muito típico nos portugueses, ou seja, a necessidade de salvadores, de quem lhes dê esperança. Pertence à nossa cultura como povo - tanto do lado dos trabalhadores como dos empresários - que o Estado é que nos vai salvar. Mesmo que involuntariamente a candidatura de Cavaco Silva aceitou e alimentou essa imagem messiânica, a imagem de um salvador, gerindo o silêncio para gerir a imagem.

Por isso Cavaco Silva também depende do Governo - e da melhoria do ciclo económico - para não perder essa aura. Só o desenvolvimento provocado por outros pode dar a sensação que foi este que a provocou porque, como sabemos, não tem competências para isso. Se isso não acontecer Cavaco Silva vai ter que baixar as expectativas ou encontrar culpados para que a sua aura não se torne num logro. Também por isso o PSD vai ter muitas dificuldades em encontrar espaço num contexto em que Primeiro Ministro e Presidente da República vão querer passar a imagem que são responsáveis pelo crescimento económico.

Espero que a estratégia do Presidente da República e a necessidade do Primeiro Ministro em conseguirem resultados traga vantagens no funcionamento do Estado, independentemente desta combinação ser sempre arriscada e inédita em Portugal!

Aconselho a leitura deste texto do El Pais, que descobri via o blogue Fotografia e Xadrês

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19 Comments:

  • At 4:38 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    Embora nao conheca os comentarios que se vao seguir (este assinala-se o primeiro de quatro) acho que nao se deve racionalizar demasiado esta vitoria. E' convidativo apos o facto consumado procurar razoes profundas que justifiquem o que se passou: a conjuntura economica, o caracter cultural nacional... Mas estas sao assercoes relativamente faceis de se desenhar.

    Ao inves, acho que a resposta esta no superficial e nao no profundo. Como se metamorfoseou o Cavaco em messias? Como se investiu dessas propriedades tao propicias ao contexto? O homem e uma tabua rasa em que alguem inscreveu algo. O que foi inscrito? Por quem e como? Nesta esta a analise de forcas politicas do pais.

     
  • At 5:02 da tarde, Blogger Ricardo said…

    A. Cabral,

    Mesmo no superficial estás a racionalizar! Todos nós gostamos de pelo menos pensar que há uma lógica por detrás de tudo! Sentimo-nos menos perdidos!

    A "metamorfose" de Cavaco Silva ou foi ignorada ou nem foi apercebida. A realidade é que, neste contexto, ele apareceu como o salvador! E nunca recusou esse título, alimentando-o com silêncios comprometidos.

    Há outras razões que fui obtendo na leitura das pessoas com quem fui falando. O desgaste com a governação Sócrates, a questão da(s) idade(s), a alergia em aceitar um candidato que já lá esteve, a desilusão com os partidos (aproveitada com mestria por alguns candidatos), e por aí fora!

    Eu escrevi este post por razões de memória. Porque o que interessa é que Cavaco Silva ganhou! Parabéns ao vencedor!

    Abraço,

     
  • At 7:10 da tarde, Blogger armando s. sousa said…

    Olá Ricardo,

    Para toda a Esquerda, onde me incluo, esta vitória de Cavaco Silva é a pior coisa que podia acontecer.
    Custa-me a engolir, que o povo português tenha compreendido a ausência de mensagem nas intervenções de Cavaco, mas o sinal de voto foi claro.
    Resta-nos, que Cavaco se transcenda e seja um bom PR.
    Precisamos de ter um bom Presidente!
    Um abraço.

     
  • At 8:21 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Cavaco não vai ser nem bom nem mau prsidente, antes pelo contrário. Tudo fará para ser reeleito. Mas vai ser o primeiro que não será reeleito desde o 25 de Abril. Porque vai meter os pés pelas mãos em situações que se adivinham difíceis. Podem crer que vem aí o caos. Ponham as barbas de molho.

     
  • At 10:26 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Armando,

    Precisamos, acima de tudo, de esperar menos de outrém e mais de nós!

    Por exemplo não nos podemos queixar da abstenção ter permitido a vitória de Cavaco! Quem não participa dá a decisão a outro. E é esta mentalidade, em muitas outras coisas, que tem que mudar!

    Abraço,

     
  • At 10:29 da tarde, Blogger Ricardo said…

    TNT,

    Não sei se vem aí o caos! É óbvio que a situação que o país atravessa não é, de todo, famosa! Também é óbvio que sair da descrença que o país está não vai ser fácil e vai continuar a triturar políticos e cidadãos.

    Mas, como sabes, sou um eterno optimista e acredito que, independentemente de achar que a NOSSA escolha foi a menos adequada, que vamos saber "dar a volta" ao estado da nação!

    Abraço,

     
  • At 10:35 da tarde, Blogger rafapaim said…

    Eu diria que o Cavaco é o homem ideal para os proximos tempos... servira para dar cobertura a algumas medidas pouco populares que ainda faltam tomar! Entre os candidatos que se apresentaram (porque muitos da esquerda nao quiseram correr o risco de ficarem queimados!) era o perfil ideal... apesar da pouca influencia sobre certas politicas penso que pode originar um clima de confiança!

     
  • At 11:01 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    A certa altura em Portugal passou-se a ter orgulho em medidas "pouco populares." Com medidas anti-populares nao andamos nos ha anos? Dificeis, dificeis de tomar sao as medidas populares, como rever o sistema fiscal e penalizar as lides obscuras da banca e os negocios que fogem ao fisco.

     
  • At 11:09 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Rafapaim,

    Vou dar o benefício da dúvida e confiar que vai ser isso que vai acontecer! Mas não leves a mal se eu disser que desconfio da "cobertura"... até porque nem sei bem se é esse o papel que o PR deve ter...

    Espero é que Cavaco Silva perceba a dimensão do seu cargo e actue como alguém que reforça o papel das instituições, que promova a cultura e a paz social. E que deixe a economia para o Governo e para as oposições intervindo só quando o equilíbrio social ou político esteja em causa.

    Abraço,

     
  • At 11:13 da tarde, Blogger Ricardo said…

    A. Cabral,

    As medidas não são boas ou más conforme a sua popularidade, estamos de acordo!

    Mas como a preocupação do Governo tem que ser com o bem estar geral do país e dos seus cidadãos há medidas que têm que ser feitas independentemente da sua popularidade!

    Um exemplo duma medida impopular que considero desadequada é o aumento do IVA. No campo oposto considero que era inevitável e positivo globalmente a subida da idade da reforma.

    Abraço,

     
  • At 12:13 da manhã, Blogger Politikus said…

    A tua análise ao panorama político e conjuntural das eleições está correcta. Deixo por isso apenas uma questão: E se Soares não se candidatasse e fosse Alegre candidato independente... como é que seria?

     
  • At 7:02 da manhã, Blogger Ricardo said…

    Polittikus,

    Só tens que esperar pelo próximo texto para a minha reflexão sobre Manuel Alegre!

    Abraço,

     
  • At 10:55 da manhã, Blogger A. Cabral said…

    Migdef,

    Se pelo teu ponto 2. nao cabe a Cavaco nenhum papel na melhoria da condicao nacional, entao ele e' competente em que (teu ponto 1)? Competente para que? E' competente genericamente?

     
  • At 11:15 da manhã, Blogger José Fernandes dos Santos said…

    Também acho, como o Rafapaim, que Cavaco Silva poderá ser o homem ideal para dar cobertura a algumas medidas pouco populares que ainda faltam tomar e terá todo o interesse em que o primeiro mandato do governo seja um sucesso para ambos. Caso tivessemos um homem de esquerda como PR, este tenderia a ser o porta-voz do descontentamento provocado pelas medidas antipopulares e isso poderia emsombrar a coabitação.
    Entretanto parece-me que o PSD vai ter de remeter-se a alguma contenção para não destoar da atitude "colaboradora" do PR e vai ficar à espera de qualquer desentendimento durante o 2º mandato do governo e a eventual ajuda do PR. Isto acreditando que até 2008 as medidas entretanto tomadas começarão a dar bons resultados.

     
  • At 11:47 da manhã, Blogger A. Cabral said…

    Pelos comentarios estou a ver que Portugal e' uma pais conformado com a sua sangria. A sonhar com o martirio anunciado, a deseja-lo devotamente.

     
  • At 4:39 da tarde, Blogger Ricardo said…

    MigDef,

    A imagem de homem que vem "salvar" o país passou, quer Cavaco Silva o tenha alimentado ou não. Aliás não foram inocentes, do meu ponto de vista, as sugestões inócuas que foi dando sobre competências orgânicas do Governo. Essa estratégia é arriscada mas também sabemos que dificilmente um PR tem um enorme desgaste! Quem viver verá...

    As valorações qualitativas dos candidatos são subjectivas e, se fossem iguais, votávamos todos no mesmo. Aliás duas pessoas sérias perante a mesma informação têm que chegar à mesma conclusão, não é?

    Abraço e obrigado pela participação,

     
  • At 4:43 da tarde, Blogger Ricardo said…

    jfs,

    Por isso eu disse que o contexto era o ideal para Cavaco Silva. A ideia de que ele é o homem certo para as medidas difíceis passou muito bem.

    E quando for preciso reequilibrar o aspecto social com o económico será Cavaco Silva a pessoa certa? E tudo o que não é economia como a defesa da língua e da cultura, a qualidade de vida, o reforço das instituições?

    É a grande incógnita...

    Abraço,

     
  • At 2:16 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Gostei do texto. A grande incógnita subsite e depende como sempre de pressões partidárias. E neste caso, Sócrates está mais sujeito a elas.

     
  • At 11:58 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Viva Cavaco, Viva Socrates, Viva Pina Moura

     

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