Filho do 25 de Abril

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quarta-feira, janeiro 25, 2006

753. Reflexão das Presidenciais 2006 (3 de 4): A derrota de Mário Soares



Antes de começar a analisar o siginificado do resultado de Mário Soares nestas eleições é necessário dizer, com toda a clareza, que este sofreu uma estrondosa derrota, sem atenuantes de qualquer género, porque a culpa mora nas suas opções de campanha e na sua má leitura da oportunidade política da candidatura! Mário Soares foi conhecido por ser o político que sempre esteve no lugar certo na hora certa mas, definitivamente, esteve no lugar errado na hora errada desta vez!

Posto isto convém perceber que a sua candidatura não veio “roubar” o lugar a ninguém. Não só porque as presidenciais são um acto livre de cidadania mas também porque os candidatos naturais da esquerda – António Guterres e António Vitorino – não quiseram disputar estas eleições e porque os candidatos de “reserva” não quiseram ou concorrer – Jaime Gama – ou estavam eternamente indecisos porque não queriam esse título de “última escolha” – Manuel Alegre. Convém relembrar que Jorge Sampaio avançou mesmo sem o apoio do partido e que Manuel Alegre não quis fazer o mesmo, hesitou e até tornou pública essa hesitação. Mário Soares apareceu num cenário em que a esquerda socialista não tinha ninguém credível para apoiar. Por isso a responsabilidade de não ter havido regeneração nestas eleições é, em primeiro lugar, dos cidadãos próximos da social democracia e do socialismo que optaram por não concorrer.

Discordo completamente das tentativas de “assassinato histórico” que tentam fazer a Mário Soares. Não percebo porque é que alguém que tem uma história que não envergonha ninguém deve ser colocado numa prateleira a “ganhar pó” porque, segundo alguns, paradoxalmente, ao concorrer, coloca a sua própria história em risco! Devíamos estar numa sociedade que valoriza a noção de risco e, mais importante, que não limite os homens ao seu passado. Mas é exactamente por isso que Mário Soares é criticado, ou seja, por já ter passado o seu tempo e porque, afinal, dizem alguns, nunca teve tanta importância ou influência quanto isso. É aliás comum criticar quem quer continuar a ter voz activa – e não um mero comentador dos acontecimentos – só porque tem idade para estar a apanhar sol. Não podia estar mais em desacordo com isso! Se me disserem que este teve uma má leitura política do seu papel neste momento preciso do país eu sou obrigado a aceitar as evidências mas se me disserem que é um político ultrapassado, sem ideias novas, sem influência, radical ou incoerente contesto com impetuosidade essas afirmações.

É preciso não esquecer que o lugar na história de Mário Soares foi conquistado por mérito próprio e não é uma derrota eleitoral - que nem é a primeira - no fim da sua carreira política que mancha o tempo que passou. Concerteza não é uma saída da vida política com chave de ouro mas não é nada que o deva envergonhar. Note-se que Mário Soares foi um homem que lutou contra o antigo regime, que fundou o partido socialista no estrangeiro, que foi um dos responsáveis pelo pluralismo partidário e ideológico, que evitou – com Sá Carneiro – a subida duma esquerda radical ao poder, que sempre foi duma esquerda moderada que chefiou Governos importantes para o nosso futuro colectivo como o do Bloco Central (num contexto de ruptura das nossas contas públicas), que negociou a nossa adesão à UE (então CEE pressionando a Espanha, que estava mais atrasada na negociação, e vários países europeus a aceitarem um país saído duma ditadura e duma descolonização difícil), que foi o nosso primeiro Presidente da República civil. Quantos podem dizer que têm um currículo – que inora muitos outros cargos e causas – tão extenso e rico?

Termino como comecei! A derrota de Mário Soares foi clara, explica-se na oportunidade e no contexto da sua candidatura, mas sublinho com veemência que a história não se escreve com precipitação. Churchill saíu de cena com uma derrota clara - nunca humilhante - mas é hoje lembrado não por isso mas pelo que soube, com os erros próprios de quem com coragem nunca deixa de arriscar só porque quer ser politicamente correcto, construír por mérito próprio.

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6 Comments:

  • At 12:12 da tarde, Blogger José Raposo said…

    Concordo quase com a generalidade do que escreves, estou mesmo convencido e tive oportunidade de o escrever, que até o próprio Soares sabia que esta candidatura era uma loucura e que ele não estava em posição de as ganhar. No entanto julgo que Mário Soares e o PS julgavam mesmo que o peso eleitoral de Mário Soares era maior à partida e que isso acabaria por impedir uma vitória à primeira volta de Cavaco. contas que sairam furadas.
    Abraço

     
  • At 4:01 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    Nao percebo o que se deve entender por: "o lugar na história de Mário Soares foi conquistado por mérito próprio." A historia e uma redaccao sobre um passado, um texto. A historia nao e' feito pelas "figuras historicas" mas por quem vem depois, e sanciona com olhares no presente o passado. E para isso ha muitos Soares: ha o Soares resistente anti-fascista, ha o Soares do exilio dourado, ha o Soares do 25 de Novembro de 1975, ha o Soares da descolonizacao, ha o Soares do 1 de Janeiro de 1986, ha o Soares das Presidencias, e agora temos mais um para acrescentar ao elenco o Soares de um parricidio - oferecido em jeito de sacrificio a uma campanha eleitoral que ao partido que fundou nao importava ganhar. Para mim a historia nao e' para aqui chamada... fale-se antes de hoje e' de amanha.

     
  • At 7:23 da tarde, Blogger Ricardo said…

    José Raposo,

    Claro que Mário Soares e o PS pensavam que o peso do candidato era maior! Defendo a noção de risco, não de "suicídio"! Mas por isso mesmo, por acreditar nisso, não sinto que Mário Soares deva ser criticado por ter avançado!

    Aliás ninguém consegue, a posteriori, saber que percentagem teria se Manuel Alegre não tivesse avançado e que percentagem teria Manuel Alegre se fosse o candidato apoiado pelo PS.

    Abraço,

     
  • At 7:28 da tarde, Blogger Ricardo said…

    A. Cabral,

    A história, por definição, "estudo e narração sistemática do passado, dos factos (sociais, económicos, políticos, intelectuais, etc. ) considerados significativos"! E os "factos" de Mário Soares foram "significativos", não isentos de erros, mas "significativos"!

    O "hoje e o amanhã" terão sempre presente a influência de quem veio antes e, no caso de Mário Soares, há uma influência nítida, para o bem ou para o mal, no "hoje e no amanhã"!

    Abraço,

     
  • At 7:51 da tarde, Blogger Ricardo said…

    MigDef,

    1. Mário Soares sabia, que em 1976, não estava preparado para ser Primeiro Ministro. Aliás sempre disse que ia ser mais necessário na consolidação da Democracia e do pluralismo poartidário, como se confirmou. Como Primeiro Ministro foi essencial, com Mota Pinto e Ernãni Lopes, no período de 1983 e 1985. Com o país numa ruptura financeira foi obrigado a negoociar com o FMI e fazer uma governação muito impopular que foi, ironicamente, elogiada por Cavaco Silva (um dos responsáveis pela queda do Bloco Central), num discurso que fez muito mais tarde. Se a memória não me engana falou do esforço do Bloco Central como um esforço indispensável para a estabilização financeira do país;

    2. Entre 1991 e 1995 a governação de Cavaco Silva foi uma sombra do que foi principalmente no seu Governo minoritário e também na sua primeira maioria absoluta. O autismo que se instalou na maioria, os problemas sociais, o desrespeito pelas instituições, a arrogãncia com a opsição, a conquista do Estado pelo aparelho partidário exigiam uma intervenção claramente diferente. É por isso que eu sou um acérrimo defensor da alternância democrática porque após 2 ou 3 mandatos os Governos - mesmo os bons Governos - passam de mais valias para menos valias. Era preciso um contra peso e um reequilíbrio e é também para isso que o PR serve. Navegar com autismo leva a uma degradação dos equilíbrios institucinais. Da mesma forma que em 1987 ajudou o então Primeiro Ministro Cavaco Silva a potenciar um equilíbrio mais duradouro na governação;

    PS. Tens toda a razão! A "derrota clara" de Churchill foi logo após a guerra e, em 1951, voltou a ser Primeiro Ministro até pedir a demissão em 1955!

    Abraço,

     
  • At 2:09 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    Caro Ricardo,

    A definicao que ofereces de historia e um pouco de dicionario. Se conseguissemos concordar com os "factos" nao havia debates em historia. E' porque "factos" sem interpretacao, sem inducao, nao existem que a disciplina historica existe.

    Abraco

     

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