754. Reflexão das Presidenciais 2006 (4 de 4): Cenários Político-Partidários
O que vai mudar nos partidos com assento parlamentar com estas eleições presidenciais? E como vai ser a luta partidária num cenário inédito de ausência de eleições por três anos e meio? É isso que vou tentar descodificar de seguida!
PS
É óbvio que a candidatura de Manuel Alegre vai agitar o PS. Talvez não pelas razões que tenho lido – criação dum partido, oposição interna, movimento de cidadania – mas sobretudo porque há um reforço claro da ala mais à esquerda do PS. É preciso entender que o Governo não está a governar duma forma tradicional ao PS e que só o Congresso clarificador em que José Sócrates saiu legitimado e a maioria absoluta que conquistou recentemente tem calado as vozes dissonantes. É óbvio que o mundo mudou e que a esquerda mais tradicional tem tido dificuldade em adaptar-se aos novos tempos mas também não vou ser precipitado e dizer que está ultrapassada, porque há tendências neste “mundo novo” que me desagradam profundamente.
Voltando atrás é preciso dar conta que José Sócrates desagrada duplamente o partido porque tem, como já referi, uma governação não tradicional na área socialista e porque essa mesma governação negligenciou a vontade do partido em ter bons resultados nestas duas últimas eleições. José Sócrates tem claramente privilegiado o seu papel de Primeiro Ministro em detrimento do seu papel de Secretário Geral do Partido. Porventura percebeu desde muito cedo que o país não está em condições de ver algumas medidas e reformas adiadas – a maioria impopulares – porque chegou a uma situação paralisada e paralisante. Mas o que ainda irrita mais o “aparelho” socialista é a intransigência de José Sócrates nas questões eleitoralistas. Não nos podemos esquecer que este recusou-se a fazer inaugurações antes das autárquicas chegando à situação inédita de inaugurar a auto estrada que está a substituir a IP5 na semana seguinte às eleições. A gota de água foi a subida do imposto petrolífero na última semana de campanha para as Presidenciais, que transbordou um copo já cheio com os recentes (modestos) aumentos na função pública ou a subida dos transportes públicos. Prevejo tempos difíceis no equilíbrio interno das várias sensibilidades do PS.
PSD
Marques Mendes deve estar a desejar, no seu íntimo, que Cavaco Silva não cumpra a sua promessa de ter uma “cooperação estratégica” com o Governo, o que aliás nem faz muito sentido. No limite uma cooperação deste tipo abafa o papel da oposição que é o de propor alternativas. Marques Mendes também deve estar a pensar se Cavaco Silva vai seguir à letra uma das suas frases de campanha que aqui volto a reproduzir de seguida, "Duas pessoas sérias com a mesma informação, têm de concordar"! Esta frase, que também não tem nenhum sentido, revela um tique recorrente de Cavaco Silva que tornou-se particularmente evidente na sua última maioria absoluta. Com esta previsível diminuição do apoio do Presidente ao contraditório não se auguram tempos fáceis para a oposição.
Mas Marques Mendes vive outro problema que já foi visível no último Orçamento de Estado. É complicado apresentar alternativas a uma governação socialista que abdicou das suas políticas mais à esquerda. Pode, porventura, criticar o método, como tem feito, mas dificilmente o conteúdo. Aliás os últimos discursos de Marques Mendes parecem vindos da esquerda! Para tornar este quadro ainda mais interessante relembro que Cavaco Silva fala em centros de decisão ou em Secretarias de Estado para o investimento estrangeiro, claramente medidas que vão no sentido dum Estado interventor na economia. O futuro imediato do PSD, para não regressar à sua face mais populista, pode passar por tornar-se mais liberal. Marcava a diferença, numa visão muito dissonante com a do Presidente da República! Mas talvez seja muito cedo para fazer estes cenários!
CDU, BE e CDS
Um período de três anos e meio sem eleições é uma novidade no nosso país! Num cenário de Maioria Absoluta dum só partido e com um Presidente da República em início de mandato não vai ser fácil cada um destes partidos ter uma voz activa e audível. No caso da CDU não prevejo grandes dificuldades uma vez que a contestação social tende-se a agravar e, nessa área, o PCP está à vontade para capitalizar esse descontentamento. No caso do BE – algo fragilizado com estas eleições – prevejo que se agarre a bandeiras sociais fracturantes como o aborto, o casamento homossexual, a imigração, a toxicodependência entre outras questões civilizacionais. Desde que não o faça com demagogia e rupturas gratuitas tem todo o meu apoio porque considero que estamos muito atrasados nestes campos ao nível legal e social. Por fim, o CDS, ex-PP! Nem sei o que diga uma vez que vai ser deveras complicado um partido que voltou para a sua postura mais conservadora ter voz no cenário actual. Outro partido que vai ser obrigado a encostar mais à direita nas políticas económicas? Talvez mas dificilmente com este líder!
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6 Comments:
At 3:03 da manhã, Unknown said…
Caro Ricardo,
É curioso como passastes por cima de um pormenor que a meu ver vai ter muita importância, a União Europeia.
Portugal assume a presidência da UE em Julho de 2007 (ou Janeiro?) e até lá não vai acontecer nada de especial. O Anibal Sócrates, perdão são dois, o Aníbal e o Sócrates vão-se unir para nos convencer que o paraíso europeu está ao virar da esquina mas para o atingirmos vamos ter de morrer á fome antes.
Depois, quando Portugal assumir a presidência vai-se dar um acontecimento muito importante que eu já vi referido em muito lado, o arranque da ratificação da Constituição Europeia.
Os outros países estão a apostar nisso pois consideram-nos a todos europeistas fanáticos.
E aí vão ter uma surpresa. O Alegre (e o Jerónimo e o Louçã) já disseram que discordavam da Constituição e aí o Alegre vê uma hipótese de ouro de mobilizar o milhão que votou nele com um movimento cívico contra a Constituição Europeia.
E, last but not least, com um Parlamento em que se os deputados do PS que estão do lado do Alegre o seguirem coloca os federastas, perdão os euro-constitucionalistas em minoria!
Nem imagino as consequências de uma ruptura destas. Só imagino que o Sócrates e o Aníbal não se atreverão a fazer um Referendo num ambiente destes. Mas também não a conseguirão ratificar na Assembleia!
O próximo ano vai ser animado.
Um abraço
At 8:01 da tarde, Politikus said…
Uma boa análise.Apenas acrescento, nas próximas eleições o PS perde e muito nas urnas,m esmo a esta distância é essa a minha convicção, ou ão estamos num sistema denominado Rotativista... coisa de 4 anos um, 4 anos o outro????
At 9:56 da tarde, armando s. sousa said…
Olá Ricardo,
Gostei da tua análise politico-partidária, no entanto, é preciso considerar um ponto: Se não houver recuperação da economia portuguesa, não estaremos três anos e meio sem eleições.
Podes anotar este pensamento.
Um abraço.
At 10:22 da tarde, Ricardo said…
Raio,
Já sabes que sou a favor da Constituição Europeia mas também já sabes que defendo que, após os referendos, esta devia ser devidamente enterrada e o ideal, do meu ponto de vista, seria fazer uma agilização do funcionamento e método de voto nas instituições europeias.
Mas também acredito que o teu cenário é razoável e que vai haver "muita animação"!
Abraço,
At 10:24 da tarde, Ricardo said…
Polittikus,
Se fizer uma boa governação não me importa que o PS perca as próximas eleições. Sei que, neste contexto, uma boa governação pode não ser suficiente poara a economia ter uma grande recuperação mas há reformas inadiáveis.
Abraço,
At 10:25 da tarde, Ricardo said…
Armando,
Por isso mesmo, ou seja, por Sócrates ter-se apercebido que a situação do paíos não permitia compassos de espera, é que, dizia, teve uma governação impopular mesmo na véspera de importantes eleições para po seu partido.
Abraço,
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