815. O Bloco Central e Cavaco Silva
Um dos maiores problemas políticos em Portugal é, em linguagem bem popular, a merda ser sempre a mesma e só mudarem as moscas. Neste país, infelizmente, esta frase faz algum sentido uma vez que a alternância democrática faz-se entre dois partidos – o chamado Bloco Central – que sem serem iguais são a mesma face da mesma moeda. Há razões históricas para que o PSD e o PS sejam partidos ideologicamente muito semelhantes – aversão no pós 25 de Abril a políticas de direita, hesitações ideológicas do PSD, consensos sobre políticas europeias – mas esta alternância entre partidos diferentes mas iguais já tem o odor fedegoso das águas estagnadas.
Nos últimos 30 anos a alternância entre PSD e PS, com a bengala ocasional do CDS, não fomentou qualquer tipo de ruptura e, mesmo assim, não se pode dizer que tenha havido uma estabilidade duradoura nos Governos. Em Portugal a instabilidade nasce não nas questões essenciais e/ou ideológicas mas sim da pequena intriga ou da táctica conjuntural. Passemos às ilustrações: ninguém duvida que o partido democrata e o republicano nos EUA são partidos com personalidade e políticas próprias; também é consensual que o partido trabalhista tem políticas bem demarcadas das do partido conservador no Reino Unido e nem preciso acrescentar, por força das evidências, que, na Espanha, o partido socialista rompeu com as políticas que o partido popular implementou. Parece um contra-senso mas não é, ou seja, nos países onde a ruptura de políticas é mais evidente houve uma maior estabilidade nos governos do que a que há em Portugal (onde a política e os políticos entram numa espiral de descredibilização por não conseguirem ser alternativa uns dos outros). É simples apercebermo-nos que em Portugal tenta-se alcançar a estabilidade através dos unanimismos. Actualmente esta situação é visível no PS e no PSD onde o primeiro aplica as medidas que criticou o segundo de implementar e o segundo critica as medidas que são iguais às que aplicou no passado recente, e no limite, há uma unanimidade na essência da governação e a guerrilha só acontece nas questões sem substância de forma a manter um status quo pútrido.
Nesta equação entra agora Cavaco Silva! O nosso recém empossado Presidente da República é o autor de frases lapidares como “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar”, “consensos alargados” e “cooperação estratégica”. Num país incapaz de fazer rupturas com o passado – parece que casamos com o ontem e que abraçar o amanhã é uma traição – este tipo de discurso é completamente desadequado. Se Portugal é um país adiado, se está atolado num pântano ideológico onde tudo tem o mesmo cheiro, se os seus cidadãos (sim, nós, eu e tu, caro leitor) agarram-se ao que está a apodrecer em vez de darem murros na mesa, repito, se tudo isto é verdade, então porque razão precisamos de suprimir a diversidade em busca de mais e mais consensos, cooperações entre visões que se querem diferentes e concordâncias sem sentido quando o Bloco Central já implementa constantemente as mesmas políticas e finge não o fazer?
Desejo a Cavaco Silva um trabalho profícuo mas, tantas vezes, lamento que o meu país esteja entregue a homens, sérios é certo, sem brilho ou noção de risco, agarrados a procedimentos que só visam que o futuro seja o mais parecido possível com o passado. O nosso recém empossado Presidente da República na recém inaugurada mesa austera de trabalho teve a sua primeira - e extensa - reunião de trabalho com José Sócrates e eu aproveito para lançar uma farpa, ou seja, para que é que são precisas reuniões quando duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar? Só se for para verificar se têm a mesma informação...
E que tal começar a assumir e valorizar a diferença, e que tal correr riscos políticos, e que tal saber quando devemos procurar os consensos e quando devemos fazer rupturas? E, acima de tudo, e que tal abandonar estas mensagens políticas que tresandam a mofo?
Nota Final: Só volto a colocar textos no próximo fim de semana. Mantém-se a moderação de comentários. Até já.
8 Comments:
At 6:08 da tarde, H. Sousa said…
Tendo também a concordar. Quando as pessoas votam no partido que está no lado contrário, querem que algo mude nesse sentido. Ninguém votou PS para que este seguisse a doutrina ultra-direita. Mas já sabemos como é que são os tios, não é?
At 6:18 da tarde, Rui Martins said…
receio q tenhamos que descer ainda mais para que possam vir á superfície as energias que portugal e os portugueses sempre souberam exprimir nos momentos de maior crise. a desumanidade e ineficácia de um sistema económico que se perpetua no poder através da alternância do bloco central a que aludes é a maneira que o sistema encontrou de parecer que "muda", quando permanece imutável na essência e indifirente à vontade popular.
At 8:48 da tarde, Fernando said…
Não podia estar mais de acordo com este post. Mas isso acontece porque ambos têm a mesma agenda governativa: A aplicação de politicas neoliberais. Porque são ambos conservadores na sua essência, agarrados aos costumes e e "molduras" sociais atávicas, não promovendo a participação cidadã. Porque este "modelo" está construído para o poder estar nas mãos do PSD e PS. Porque há uma crise do sistema politico, da representação parlamentar e existem e são estimulados "grupos tribais" que se coligam para partilhar o poder, para distribuir lugares e com a introdução dos circulos uninominais, se for para a frente, o que resta de credibilidade no sistema acaba definitivamente. Há um espaço para uma esquerda moderna em minha opinião, entre o PS e o PCP, ( os que não se acantonam a comodismos ou a sectarismos e rigidez ideológica) para criar uma nova cultura de esquerda, aberta, e plural que rompa com as politicas tradicionais e mobilize as convergências da esquerda social e politica. É triste verificar que países tradicionalmente mais conservadores, deram passos maiores que nós, em questões civilizacionais, como a Espanha por exemplo, na "liberalização" dos costumes. Nós estamos presos a medos e à agenda dos nossos conservadores e neo-conservadores, agarrados ao Deus, Pátria, Família e ... Bush.
At 12:02 da manhã, Pedro Morgado said…
Excelente texto! Agora difícil é saber de que rupturas precisamos?
At 5:35 da tarde, O Micróbio II said…
"E, acima de tudo, e que tal abandonar estas mensagens políticas que tresandam a mofo?"... ora nem mais... por isso me abstenho até de comentar!
At 10:58 da tarde, João Dias said…
"Em Portugal a instabilidade nasce não nas questões essenciais e/ou ideológicas mas sim da pequena intriga ou da táctica conjuntural."
Excelente análise, vou plagiá-la...
Certeiro mesmo...
Além disso queria avançar com uma explicação para estes consensos alargados. Lembrem-se que existem tentativas de mudar o sistema eleitoral, um sistema que permita garantir maiorias absolutas mas que não exprime um verdadeira representatividade da votação. Existe uma vontade de fazer com que o bloco central seja uma realidade ainda mais forte através do desprezo das minorias, nesse contexto e na óptica de quem fala nestes consensos é comprrensível o caminho que está a ser traçado.
At 9:20 da tarde, O Micróbio II said…
Hoje o Micróbio faz anos... :-)
At 3:14 da tarde, Politikus said…
Creio que desta vez, estamos em perfeita sintonia...
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