973. Ana Gomes e os "voos da CIA"
Há muita polémica na nossa "pequenina" vida política por causa do comportamento da deputada do Parlamento Europeu Ana Gomes enquanto membro integrante da comissão que investiga os alegados voos da CIA. Quanto às acusações de vários elementos do Partido Socialista - veladas ou públicas - de desconforto ou de falta de solidariedade desta perante o partido aproveito para esvaziar por completo a sua importância. O que é preocupante, e isso é uma dúvida válida, é até que ponto é que Ana Gomes credibiliza a investigação. O seu frenesim, a sua obsessão, as suas declarações bombásticas fora de tempo e a ligeireza como produz afirmações ainda não documentadas fragiliza, e muito, a comissão de que faz parte.
Dito isto é fundamental relembrar que não podemos ignorar o quadro global. Há o triste hábito de criticar uma medida que é consensual e importante porque alguém - por exemplo um ministro - fez uma declaração infeliz. De repente, por causa dum fait diver, parece que já é aceitável colocar o todo em questão. Quantos de nós não assistem a essa triste realidade todos os dias? Esta táctica política é, infelizmente, comum em Portugal e o que se defendia ontem já não é válido hoje porque há um pormenor algures que não nos agradou e que em nada afecta a essência da medida.
Aqui posso aplicar esta máxima. A questão de fundo não são os "sound bytes" de Ana Gomes mas a importância de não deitar para o lixo o que demorou séculos a conquistar, à custa de muitas vidas e abnegação. Quando ignoramos o direito internacional (note-se que não se tenta mudá-lo, apenas fazemos de conta que não existe), quando transportamos homens sem acusação, advogado ou destino estamos a regredir como civilização. Mas o cenário é ainda mais negro, ou seja, para além de um homem estar privado da sua defesa, na prática, ele deixa de existir porque a sua identidade e o seu contacto com o mundo desaparecem. Não há possibilidade de sequer verificar se determinado homem está preso e onde está detido, se a sua integridade física é respeitada e, no limite, se continua vivo. Simplesmente desapareceu do mundo. Este é o quadro global e é importante que ninguém esqueça isso.
Tópico Relacionado: Sequestros sem consequências
Technorati Tags: Terrorismo, Guantanamo, Ana Gomes
2 Comments:
At 6:44 da tarde, Anónimo said…
Parece-me uma no cravo e outra na ferradura, Ricardo. Desvalorizas as acusações de alguns elementos do Partido Socialista, sobre o comportamento de Ana Gomes (desconforto, falta de solidariedade) mas criticas Ana Gomes, pelo frenesim, obsessão, declarações bombásticas, ligeireza, etc que fragilizará a comissão de que faz parte. Ora, em minha opinião as tuas criticas, são precisamente as mesmas que as feitas por esses elementos do Partido Socialista para criticar Ana Gomes. O "desconforto e a falta de solidariedade" são, diria, mais um "estado de alma", um "sentimento" de defesa do aparelho partidário, perante as afirmações de Ana Gomes. Não estou a ver em que sentido as declarações de Ana Gomes, podem prejudicar as investigações ou as conclusões ou a credibilidade da comissão. Ana Gomes tem um estilo mais emotivo, mais fogoso, menos "diplomático" mas não faz afirmações levianas, não inventa. O problema todo é que as acusações de Ana Gomes são fortes, consistentes e face ao que está em causa, apurar as eventuais responsabilidades dos governos nos voos da CIA, em desrespeito dos direitos humanos, criam impacto público e causa perturbação e nervosismo, em muita gente do poder (deste mas fundamentalmente do governo anterior) e também em alguns dos nossos comentadores neoliberais que apoiaram a guerra e são uns intrépidos defensores da política de Bush. E para isso nada melhor que tentar ridicularizar Ana Gomes. Acho mesmo que o que é preciso são muitas Anas Gomes,frenesins, obsessões, declarações bombásticas à Ana Gomes. Estamos muito sossegados perante uma possibilidade real, já parcialmente assumida pelo Ministro Luís Amado, mas sem retirar as consequências devidas (pudera!..)quando, como sabes, a primeira vez que este tema dos voos da CIA veio a público, foi alvo de "chacota" pelos do costume.
At 7:54 da tarde, Ricardo said…
Fernando,
Obrigado pelo comentário.
É fácil explicar. O meu "desconforto" com Ana Gomes não tem nada a ver com o "desconforto" do PS. Quem pertence a uma comissão não deve toldar a sua participação por causa da solidariedade partidária. E, por isso, elogio Ana Gomes.
Onde estamos em completo desacordo é em achar que esta forma de denúncia "esquizofrénica" tem utilidade para a comissão em si. Uma comissão tem que ter consistência e credibilidade e não pode estar sujeita a catadupas de declarações ainda não fundamentadas dos seus membros. Numa averiguação como esta só pode haver conclusões e não rumores.
No resto, que é o mais importante, estamos de acordo. Esta investigação é importante e diria que é até fundamental.
Abraço,
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