535. Luta de classes, Intelectuais e ... Revoluções, segundo George Orwell (2)
"Para onde quer que nos viremos, esbarramos nessa maldita diferença de classes como numa parede de pedra. Talvez não seja bem uma parede de pedra, antes o painel de vidro de um aquário; é fácil fingir que não damos por ele, mas é impossível atravessá-lo.
Infelizmente, hoje é moda fingir que se pode atravessar o vidro. Claro que todos sabem que existem preconceitos de classe, mas, ao mesmo tempo, cada um proclama estar imune a eles, não se sabe bem como. O snobismo é um daqueles vícios que todos detectam nos outros, nunca em si próprios. Não apenas o socialista crente e praticante, mas todos os 'intelectuais' se consideram fora dos parâmetros de classe; ao contrário do vizinho do lado, cada um deles entende perfeitamente o absurdo da riqueza, das posições, dos títulos, etc., etc. 'Não sou um snobe' é hoje uma espécie de credo universal. Quem não troçou da Câmara dos Lordes, das patentes militares, da Família Real, das escolas finas, dos aristocratas que vão à caça, das velhinhas das residenciais de Cheltenham, dos horrores da sociedade 'de província' e da hierarquia social em geral? Tornou-se um gesto automático. Nota-se em particular nos romances. Qualquer romancista de pretensões sérias adopta uma atitude irónica em relação às suas personagens de classe superior. Quando tem de colocar uma pessoa claramente de classe superior - um duque, um barão ou coisa do género - numa das suas histórias, ridiculariza-o de forma mais ou menos instintiva. Uma causa a contribuir bastante para esse facto é a actual pobreza do discurso da classe superior. A maneira como as pessoas 'bem educadas' falam é tão destituída de vida e incaracterística que os romancistas nada podem fazer a esse respeito. A forma mais fácil de a tornar divertida é dar-lhe uma aparência grotesca, o que equivale a partir do princípio de que qualquer pessoa que pertença a essa classe é uma perfeita cavalgadura. Todos os romancistas recorrem a este truque, que por fim se torna quase um acto reflexo.
Entretanto, todos sabemos, bem lá no fundo, que estamos perante uma falsidade. Todos nos indignamos com as distinções de classe, mas são muito poucos os que de facto querem acabar com elas. Aqui chegamos a um facto importante: muitas das opiniões revolucionárias retiram a sua força da convicção secreta de que nada pode ser mudado."
O Caminho para Wigan Pier – George Orwell
18 Comments:
At 10:36 da manhã, Anónimo said…
Após a independência de Moçambique eram Todos Camaradas.
Passados 2 anos :
-O CAMARADA PRESIDENTE;
-O CAMARADA Governador;
-O Camarada secretário do Grupo Dinamizador.
- E os outros todos: camaradas, com um humilde c pequenino.
É verdade que as "vanguardas revolucionárias" autoconstituem-se de imediato em classe "direngente".
Contudo não partilho da ideia que não vale a pena empurrar esforçadamente este calhau aparentemente inerte.Está á vista de todos, que cm a cm , já se andou muito.
Se não tivesse havido a Revolução Francesa provávelmente eu era uma analfabeto a guardar cabras.
O George OrWell devia estar num dia de muito desespero.
Como diz o Lutz do Quase em Português, hoje em dia, ser optimista é um imperativo moral.
At 2:36 da tarde, bravo said…
A Revolução Francesa foi muito importante, mas não esquecer a (r)evolução inglesa (que aos poucos foi criando uma democracia) e a Revolução Americana (muito sólida ideologicamente, ao contrário da francesa).
Quanto às diferenças sociais, acho mais importante falar em igualdade de oportunidade e de condições do que em igualdade absoluta (que é difícil).
A propósito de snobismo, o L'Express incluiu a Casa da Música num roteiro snob europeu... É espreitar o meu blog, está lá a história.
At 3:32 da tarde, VFS said…
Pessoa definia como "estúpidos" todos os revolucionários. Talvez consciente da máxima de Lampedusa, segundo a qual alteramos para deixar tudo na mesma. A ânsisa de poder transforma, amiúde, os pudicos e benignos opositores em ferozes algozes, quando no poder. Na democracia portuguesa, o rotativismo estéril entre o PSD e o PS faz-me recordar um semelhante sistema - mas imposto - a anteceder o estertor da monarquia.
At 7:02 da tarde, Anónimo said…
Fernando,
disses-te bem as outras 2, mas são antepassadas de outras e numca mais saimos de aqui: a revolução Helénica, a Cristã,a Comunista...
Quanto á igualdade absoluta é impossível (não quase, é) porque somos todos diferentes.Mas as igualdades e oportunidades também NUMCA serão iguais pela mesma razão.
Não quero ofender-te, mas este novo preconceito social é perígosissimo porque tende a esquecer "os passageiros que aguardam o comboio são todos máquinas iguais,intelectual e fisicamente.Não. Uns são mais lentos e fracos , outros mais gordos,cegos,grávidas,inferioridade intelectual,cabrões que levam tudo á frente, uns que vêem a pé,outros....."
Quanto ao gajo do´jornaleco é um snob fatela.Um snob sério vai á CdM por ser snob, vai porque quer ver um trabalho do melhor que há na Europa e arredores.
Aliás a CdM está a ser apreciada por ser para a musica, mas também com Obra que só por si vale a pena lá ir, mesmo sem ouvir musica.Ora, isto é raro, como a Ópera de Sidney( que também custou umas 10 vezes mais do que calculado, até tiveram que criar uma lotaria para a pagar)e em Portugal não é promovida!Pela parte que me tocou ao meu bolso, apesar de ter sido pela surra,dou-o por bem empregado.
Victor,
Optimismo, homem.O Pessoa, como com todos intelectuais estratoféricos,a sua vida pessoal é uma miséria, não são exemplo para ninguém, e menos para nós: os do dia a dia.
At 7:05 da tarde, Anónimo said…
Correção:...vai á CdM não por ser snob...
At 9:50 da tarde, Ricardo said…
C. Índico,
É notável ler a obra de Orwell. Eu que comecei a ler há relativamente pouco tempo (desde Dezembro) já vou no quarto livro e com vontade de ler o resto rapidamente. O pior da sua auto crítica é encontrar nos seus desabafos sobre o que está mal no mundo características que também possuo.
Acho que ele era exigente consigo porque também era um reflexo de todos os males que enunciava!
Abraço,
At 9:57 da tarde, Ricardo said…
Fernando,
Eu também defendo a igualdade de oportunidades. Sei que, conforme defendeu e bem o C. Índico, que se trata de mais uma utopia. Mas o sonho comanda a vida...
Quanto à Casa da Música vou publicar umas modestas fotos do seu interior amanhã e confesso que também estou apaixonado por esta obra, com ou sem snobismo da minha parte.
Afinal também sou um ser humano educado por uma classe que me ensinou a gostar de tudo o que é vanguardista e bem idealizado. Como diria Orwell, "O snobismo é um daqueles vícios que todos detectam nos outros, nunca em si próprios." Por isso não sou snob (hehehe)!
Abraço,
At 10:00 da tarde, Ricardo said…
Vítor,
Falas de civilização...
Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
Alberto Caeiro
Abraço,
At 11:13 da tarde, Anónimo said…
Ricardo:
Não foi o Orwell o primeiro.Antes disse o Pessoa.Estou a repetir-me.Disse isso na tasca do Terreiro do Paço onde ele pedia 1;2;3, dizia que "excepto nós que estamos na mesa, todos são idiotas".E também, já agora, a propósito das Presidenciais "não me consta que Cristo sabia de Finanças e tivesse uma encicliopédia".
Atenção: nasceu em Durbam, começou a escrever em inglês, sonetos, foi "retornado", nunca se adaptou a Portugal.Era um etilizado.
Nada disto faz dele um menor, assim como o Orwell.Não é por acaso que foi o 1º profissional português de publicidade comercial.
Fernando,
A Revolução Francesa foi ideológicamente eterna (até hoje): Igualdade,Liberdade,Fraternidade.
A Revolução Americana?(não foi, foi a independêcia da modernidade,mas: "In God we trust", foi a libertação da tirania religiosa da Europa!
Hoje estão a ser tiranizados pelo sectarismo religioso. Já há empresas tipo "Desentop Cristã"!
Este blogue está cada vez mais a ser um lugar DECENTE.Parabéns á perspircácia e tenacidade do Ricardo!
Cabem cá todos.
At 11:18 da tarde, Anónimo said…
AVISO GERAL:
O CARLOS INDICO SÓ SE RESPONSABILIZA POR COMENTÁRIOS ESCRISTOS ATÉ ÁS 22H30!
POSTERIORES SÓ APÓS APROVAÇÃO NAS HORAS DIURNAS SEGUINTES!
PEDE DEFERIMENTO AO BLOGUEIRO.
(frase obrigatória da Salazarismo no fim de qualquer papel azul)
At 1:56 da manhã, VFS said…
"Victor,
Optimismo, homem.O Pessoa, como com todos intelectuais estratoféricos,a sua vida pessoal é uma miséria, não são exemplo para ninguém, e menos para nós: os do dia a dia."
C. Índico,
A busca da imortalidade acarreta, tendencialmente, a subjugação ao calvário. Pensar é penoso, e, não por acaso, Caeiro, citado pelo Ricardo, ostenta o ceptro de maior pensador no "teatro do Ser", que foi e é Pessoa. A vertente esotérica de Pessoa não me agrada - porque me afasto do abstruso fantasmagórico ou espiritual -, mas a percepção de que existia para erigir algo de Grande acompanhava-o. Por isso, abdicou de Ofélia. A Obra, com "o" maiúsculo, detinha a primazia, e a ela Pessoa dedicou a sua vida. Miserável? Acha miserável a vida de Bernardo Soares? Sim, definitivamente, para quem suspira pela fruição do prazer sensitivo. Então a vida de Diógenes, o cínico mendicante, é miserável? Pessoa, numa carta a Ofélia, confessou alguns dilemas, entre os quais a impossibilidade de Ofélia se harmonizar com um homem que, subitamente, se evade ao torpor noturno para desenhar letras numa folha alva e impoluta. Ou amarela e suja. Pouco interessa. A pulsão quase demencial não exigia um papel requintado.
Ricardo, julgo que as palavras de Caiero, que verteste acima, são impulsionadas pelo mesmo intuito que norteou Lampedusa. O poder adapta-se aos desejos pessoais de quem dele se apropria, pelo que não há poder puro. Optimismo, C Índico? Não sou optimista. Duvido que um racionalista seja optimista. É maior o perigo de resvalar para o niilismo, mas esse mal, julgo, exorcizei. Dir-me-á que um zombeteiro pode ser racionalista. No entanto, apesar de pensar, ri e gera o riso. A sátira é uma poderosa arma, com a qual flagelamos, além de constituir um primacial instrumento catártico. Não, não sou optimsta. Para quê ser optimista? Pensar é duvidar e questionar. Mas o desejo de sanidade impõe parcimónia, pelo que há barreiras que procuro não suplantar. Esses seres estratosféricos são, regularmente, estigmatizados pela sociedade, e apodados de "loucos". Os disseminadores de rótulos não sabem, contudo, que protagonizam análises acutilantes. O mesmo Pessoa estabeleceu uma distinção entre os loucos e os outros. "Loucos são os génios, loucos são os santos, tudo o resto são cadáveres adiados que procrim. Cito de memória, mas a mensagem é esta. "Nós", os "do dia a dia", somos cadáveres adiados que procriam? Se certeza tivesse de que o meu futuro é o olvido total, não escreveria estas linhas. De que serve existir, só para existir? Existimos, e pronto?! Responda cada qual por si. Eu tenho a minha resposta, e carrego-a, como um fardo. Um fardo decorrente da minha natureza pensante.
Indultem-me pelo cariz potencialmente macambúzio destas palavras. Fui estimulado. Não quero ser do dia-a-dia, como uma pedra que alguém resgata de um recesso e a oferece ao rebuliço citadino, antes de regressar à penumbra. Permite-me, C Índico, sonhar com a fuga ao determinismo.
At 2:38 da manhã, VFS said…
"Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.
Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.
Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,
Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!"
Antero de Quental
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Antero é um paradigma do racionalista com fim - físico - pungente. Depois de ter exortado Deus a fulminá-lo com um raio, numa noite tempestuosa, matou-se. Citei-o, contudo. Por isso, vive. Vale a pena, digo eu, apartar-se das turbas erráticas que submergem, inconscientes, no breu sufocante.
At 11:14 da manhã, dinah said…
A luta de classes não resulta num movimento para se tornarem todos iguais, porque os que estão por baixo da pirâmide apenas pretendem mudar de posição, e serem, como diz Kafka, não quem recebe as chicotadas, mas quem segura o chicote. É a natureza humana. E é muito, muito dificil vencer esse instinto, que leva muita gente a dizer o célebre "Estão verdes, não prestam" a respeito de todos os objectos e marcas de classe, ou snobismo, como quisermos chamar.E apesar disso, há sempre os idealistas que querem mudar o mundo. E ainda bem.
:)
d.
At 7:45 da tarde, Anónimo said…
Victor,
gostei de ler, embora neste meio sejam aconselhável textos mais concisos.
Ponho-te em cima do meu calhau que empurro.
At 9:15 da tarde, Ricardo said…
C. Índico,
Também não me consta que Cristo soubesse de Finanças (excelente poema, já que falaste nele). É interessante esse paralelismo que formas entre Pessoa e Orwell, nunca tinha pensado nisso!
Quanto à aprovação... o título do blogue acho que diz tudo, hehe
Abraço,
At 9:22 da tarde, Ricardo said…
Vítor,
O "determinismo" persegue-te! Não quero, nem quero ser, fatalista e, por isso, acredito que as soluções estão no homem, e só no homem. Isso não retira a minha convicção que, no fundo, a teoria evolucionista está correcta e que só os mais fortes sobreviveram. Na nossa essência a sobreviv~encia é o nosso instinto mais forte, não a cultura, as artes, a estética e muito menos a luta por outras formas de sociedade. Mas não "somos cadáveres adiados que procriam" porque lutamos sempre por utopias, e isso é uma forma de optimismo!
Abraço,
At 9:24 da tarde, Ricardo said…
Vítor,
P.S. Justa a homenagem a Antero de Quental! No fundo também quero fazer com que Orwell viva (não que ele precise do meu contributo) porque ele, como homem, deixou uma marca. Esse devia ser o nosso objectivo individual e global!
At 9:25 da tarde, Ricardo said…
Dinah,
Nada como sermos Dons Quixotes á procura do moinho. Nem que seja porque isso nos faz sentir bem... não achas?
Um beijo,
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