537. Questões do passado? Ou ... questões do presente, segundo George Orwell (3)
“Dito isto, cabe perguntar: mas então o socialismo? Será escusado salientar que, neste momento, estamos num impasse perigoso, tão perigoso que até as pessoas mais insensíveis dificilmente o podem ignorar. Vivemos num mundo em que ninguém é livre, em que quase ninguém está seguro, em que é quase impossível ser honesto e continuar vivo. Para vastos sectores da classe operária, as condições de vida são como as que descrevi nos primeiros capítulos deste livro, e não há hipótese de essas condições sofrerem qualquer melhoria fundamental. O melhor que pode acontecer à classe operária inglesa é uma diminuição ocasional e temporária do desemprego quando esta ou aquela indústria for estimulada artificialmente – pelo rearmamento, por exemplo. Mesmo as classes médias, pela primeira vez na história, sentem-se afectadas. Ainda não passam realmente fome, mas são cada vez em maior número os que se vêem envolvidos numa espécie de rede mortal de frustrações em que se torna mais e mais difícil convencerem-se de que são felizes, activos e úteis. Até os felizardos lá de cima, a verdadeira burguesia, tomam periodicamente consciência das misérias cá de baixo e sentem ainda makis receio de um futuro ameaçador. E estamos apenas na fase preliminar, num país ainda enriquecido por saques de séculos. Hoje perfilam-se no horizonte horrores desconhecidos – horrores dos quais, nesta ilha bem abrigada, sempre temos estado afastados.
E entretanto, qualquer pessoa que use a cabeça sabe que o socialismo, como sistema mundial e de aplicação plena, é uma via de saída. Pelo menos garantir-nos-ia o suficiente para comer, mesmo que nos privasse de tudo o resto. Em certo sentido, o socialismo é de um bom senso tão elementar que por vezes me surpreende ainda não ter sido estabelecido. O mundo é uma jangada à deriva no espaço, com provisões bastantes para todos, em princípio; a ideia de que devemos cooperar e velar para que cada um dê a sua quota-parte de trabalho e receba a justa parte das provisões parece tão claramente óbvia que quase se pode dizer que ninguém se lembraria de não a a ceitar, a não ser que haja algum motivo corrupto para se apegar ao sistema actual. Porém, o facto que temos de encarar de frente é que o socialismo não está a afirmar-se. Em vez de progredir, a causa do socialismo sofre visivelmente um retrocesso. Neste momento, os socialistas de quase todo o mundo retiram perante a ofensiva do fascismo e os acontecimentos sucedem-se a uma velocidade terrível.”
O Caminho para Wigan Pier – George Orwell
15 Comments:
At 5:24 da tarde, Anónimo said…
1-Quando escreveu este texto parecia verdade.
2-Entranto viu-se que não era verdade.
3-Hoje, parece outra vez que é verdade.
4-Tem que haver gente que não acredita nesta verdade.
5-Eu, por exemplo.
6- Após o 25 de Abril, a bandalheira geral, as nacionalizações, a economia paralizada, a inflação galopante, ouvi miles declarações, que até me abalavam algumas vezes, "que Portugal estava perdido", porque era IMPOSSÍVEL resistir simutaneamente com a fraqueza do país, 500.000 novos habitantes, o 1º choque petrolífero, a opcção Kissinger,a força do PCP,jornais fechados, informação controlada,etc,etc,etc,
Chegámos aqui, hoje, num razoável desenvolvimento, porque houve quem não acreditou.Na Fonte Luminosa, com Mário Soares, meio milhão de Portugueses puseram Portugal a caminhar.E não só cá.Foi a 1ª ditadura comunista a ser abatida na História.E a seguir foi necessário barrar os que queriam fuzilar os comunistas !!!
Cá estamos, sempre resmungões, e apesar dos governos,vai melhorando.
At 5:29 da tarde, sem medo said…
Aristóteles acreditava em vias de se alcançar uma vida feliz: a primeira forma de vida tem a ver com o desejo e o prazer do corpo. A segunda como cidadão livre e responsável. A terceira como pesquisador ou filósofo.
Acredito que todos podemos ser felizes, mas também acredito que o que me faz feliz não é igual ao que fazia George Orwell feliz, acredito na desigualdade de capacidades e igualdade da condição humana e também no mérito;
Todos os sistemas enfermam de múltiplas falhas, é uma questão do bom-senso que provém da liberdade de cada qual e da sua diferença, devemos então nos munir dos mecanismos que possam suprir essas falhas e não brotar idealismos inconsequentes!
Bom blog, em bem-haja;
At 5:48 da tarde, Ricardo said…
Micróbio,
Falta-me ainda ler esse livro que retiraste essa citação. Uma das suas lutas era mesmo uma sociedade sem classes mas também era um homem realista, com o estranho hábito de contradizer-se logo depois e achar que isso não era desejável.
Abraço,
At 5:53 da tarde, Ricardo said…
C. Índico,
Um dos objectivos quando reproduzi este excerto era mesmo esse. A situação actual é má e parece que caminhamos para um poço sem fundo mas a verdade é que, ciclicamente, estamos nesse impasse. E sempre o ultrapassamos, duma maneira ou doutra, e, na realidade, lá vamos avançando.
Todos nós olhamos para Portugal com desilusão nos dias de hoje e com alguma razão mas de vez em quando convém olhar para o passado e analisar o que já conquistamos.
Ser português é, muitas vezes, não gostar de ser português. Mas, no fundo, isso é apenas uma maneira de exorcizar os nossos próprios defeitos. Vamos ser optimistas, mesmo quando a conjuntura empurra-nos para outros lados. Não quer isto dizer que eu também não seja afectado, pontualmente, por uma revolta porque sei que podíamos estar muito melhores como sociedade...
Abraço,
At 6:01 da tarde, Ricardo said…
Sem Medo,
Obrigado pela visita!
A vantagem de ler Orwell é que não interessa só o conteúdo das suas ideias. Porque o que Orwell ensina-nos é a ter uma atitude crítica perante o que nos é apresentado. Logo após este rasgado elogio ao Socialismo ele escreve, no papel de advogado do diabo:
"Creio que a motivação secreta de muitos socialistas é simplesmente um sentido hipertrofiado da ordem. O actual estado de coisas ofende-os não por causar miséria, e ainda menos por impossibilitar a liberdade, mas por ser caótico; o que querem, basicamente, é reduzir o mundo a algo parecido com um tabuleiro de xadrez."
E remata:
"A verdade é que, para muitas pessoas que se auto-intitulam socialistas, revolução não significa um movimento das massas ao qual esperam associar-se; significa um conjunto de reformas que 'nós', os espertos, vamos impor às Castas Inferiores."
Os idealismos são importantes mas sempre com uma visão crítica sobre o que nós próprios defendemos.
Abraço,
At 6:28 da tarde, Anónimo said…
Foi uma pena Orwell não ter tido a ideia de Pessoa.
Talvez por ter sido policia não conseguiu desdobrar-se.
Isto é,não colocar as 2 personalidades alternadas em parágrafos, mas cada uma em textos diferentes.
Para mim é claro que sempre travou uma luta feroz entre 2 dentro de si mesmo.
Quantas ás denuncias que fez é irrelevante.Pois não foi ELE, mas o OUTRO( será que me expliquei?....)
Ele exigia a Ordem, e tinha pavor á ORDEM.
Um homem magnífico.
At 6:38 da tarde, Anónimo said…
Ora aqui está um orgulho para Portugal:
-Ouvido há minutos: Prtugal é o 13º pais na contribuição para o Desenvolvimento Internacional, á frente da Bélgica, França....
Não somos assim tão mesquinhos.
At 6:48 da tarde, bravo said…
Um erro de Orwell: o nível de vida das classes operárias tem melhorado. Quanto ao socialismo, depende do que se entende por ele - tem muito de positivo, mas houve tantos erros...
At 8:36 da tarde, dinah said…
Orwell tinha razão: é uma ideia tão clara, um bom senso tão básico, que não se percebe como não se optou por ele. Mas claro, todos sabemos que a verdadeira igualdade é uma utopia, que todos os instintos humanos se rebelam contra ela e que, desgraçadamente para a utopia, as vezes que foi posta em prática deu asneira. Mas recuso-me a acreditar que é uma ideologia que deva ir parar ao caixote do lixo da história: a sociedade tem se se esforçar por ser melhor, por tratar decentemente, com dignidade todos os seus elementos e de os valorizar pelo trabalho que fazem,por insignificante que seja, de os proteger quando adoecem ou envelhecem, de lhes garantir tratamento igual e justo perante a lei.
Disseram ali em cima que os trabalhadores vivem melhor. Vivem melhor onde? Nos países ricos, que são aí uns dez por cento da população mundial. E mesmo esses são ainda explorados, as empresas funcionam como pragas de gafanhotos globais, exaurindo uma àrea até à devastação e partindo em seguir para outra um rasto de desespero e desemprego. O estado previdência gasta as reformas dos trabalhadores de forma a já não terem pensão quando envelhecem. Nem doente se pode ficar, porque as companhias de seguro só gostam de receber e não de pagar...
Orwell tinha razão. O socialismo é uma ideia tão boa, tão simples, tão de bom senso que não percebo como não é uma verdade universal em vez de ser vista como um bicho papão.
At 11:02 da tarde, Anónimo said…
Viva,
Fernando Bravo:
Não,é verdade,não houveram tantos erros.Sim, sofrimento infindo e liquidação de tanta humanidade.
Os operários melhoraram?Aqui está sim um erro, que a direita se apropia, com toda a razão, da burrice dos socialistas actuais.
Quem produz um trabalho intelectual ou braçal?
O "operário" que está no piso 0 com uma máquina ultima geração a produzir uma peça técnica, ou a lapidar uma jarra de cristal?, ou os "escritorário(a)s" que repetem documentos num computador, ou um caixa de banco, no Piso 1?
Como disse o S.G. da Inter, fugiu-lhe da boca, em norma os sindicatos (de esquerda,escusado dizer, porque de direita nâo há, a não ser os Trabalhadores Social-Democratas, ih,ih,ih,ih,..)estão 10 anos atrasados á realidade social.
Já agora, porque é que há multinacionais empresariais, e não sindicais?
At 1:30 da manhã, Ricardo said…
C. Índico,
Explicaste-te perfeitamente! Só não partilho do teu lamento já que Orwell tinha o seu estilo e isso, só por si, já foi marcante. Pessoa tinha outra forma de passar a Mensagem e isso também o fez único.
Quanto aos "pecados" morais de Orwell... foi pena... é uma grande mancha na sua vida! Mas não lhe retira a imortalidade que merece... (sim, deve ter sido o Outro)!
Abraço,
At 1:34 da manhã, Ricardo said…
Fernando,
Não deve ser fácil para ti comentares neste antro de socialistas (hehe) e seus sucedâneos. Até por isso tens o meu respeito pela tua vontade de participares numa troca livre e tolerante de opiniões.
É necessário estarmos atentos até porque hoje (ou ontem) foi divulgado que o fosso entre pobres e ricos tem-se agravado! E, nesse aspecto, nem a direita nem a esquerda nem o mundo ficam a ganhar.
Abraço,
At 1:46 da manhã, Ricardo said…
Dinah,
Orwell foi categórico na defesa do socialismo mas, uns parágrafos depois, foi demolidor a criticar esta ideologia.
Já fui mais socialista que sou, tenho que confessar. Continuo a defender muitas das suas bandeiras mas, a reboque dos tempos, estou mais liberal (não confundir com liberalista). O mundo, ao contrário das previsões, está mais à direita que nunca. Eu estou mais à esquerda que essa direita mas, talvez por pragmatismo, tenho sido empurrado para a defesa dum Estado mais regulador que directamente interventivo.
Talvez seja a altura ideal para reinventarmos as políticas de esquerda uma vez que tudo tem ciclos e reequilíbrios. A direita apropriou-se da Globalização, precisamos de equilibrar os efeitos que isso provoca com políticas eficientes de esquerda. Esta nova forma de liberalismo sem regulação à escala global vai fazer ressurgir, em mim e no mundo, a necessidade de defender uma nova vaga de políticas de esquerda.
Um beijo,
At 2:04 da tarde, Anónimo said…
Ricardo,AGUENTA-TE!!!!!
At 6:00 da tarde, Anónimo said…
Fernando, falo por mim.
Eu sou da mãozinha,andam por aqui sinistros e canhotos, tu és da laranginha,ainda para mais dirigente.Comenta ,pá.Faz-me bem.
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