Filho do 25 de Abril

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quarta-feira, março 29, 2006

819. Escravos do Consumo



Cada homem é escravo do seu próprio consumo. Qual é a lógica de viver assim? Eu compreendo termos que ser escravos do tempo e que os afectos façam de nós escravos mas, ideologias políticas à parte, fará sentido sermos escravos de objectos inanimados?

É fácil reconhecer que o consumidor é o novo rei do mundo. Cada vez mais a hierarquia social do homem é medida através da quantidade de bens que este consome e que pode vir a consumir e também é verdade que – e a isso chamamos desenvolvimento – cada vez mais o consumidor tem produtos ou serviços de melhor qualidade a um preço mais acessível. E, claro, podemos sempre hipotecar o futuro para consumir mais hoje. Vivemos a era de ouro para o materialista!

O que é irónico é que o consumidor também é, quase sempre, um trabalhador. Assim o homem não só trabalha cada vez mais para poder consumir em maior quantidade e qualidade como compete cada vez mais para poder “oferecer” a terceiros produtos ou serviços mais baratos e com melhor qualidade. Ainda mais irónico é que o homem não só é escravo do consumo como trabalha para criar necessidades de consumo em terceiros pois o seu consumo depende da quantidade de necessidades - claro está de consumo - que consegue criar nos outros.

Mas afinal eu sou escravo de quê? É preciso tentar identificar quem me escraviza. Nada como olhar à minha volta e observar quem é que manda em mim: uns chinelos com o formato do pé, uma camisa com uns quadrados vermelhos, um móvel com um design diferente, uma cadeira que roda, uma capa para CD colorida, um objecto que me permite mudar de canal sem ter que sair do sítio, e vou ficar por aqui. Mas não pensem que quem manda em mim tem uma vida – neste caso uma não vida – fácil uma vez que o consumidor tem um direito especial na classe dos escravos, ou seja, pode escolher por quem – ou por que objecto – está sujeito. Deste modo o consumo é cada vez mais efémero e trabalhamos para constantemente substituir o que já temos. Que doce ilusão!

Qual será a real utilidade que eu retiro de possuir uma gravata de seda – aliás, qual é a utilidade duma gravata? – ou de possuir uma caneta que tem um banho de ouro? Deve ter alguma utilidade uma vez que trabalho para as poder ter.

Fico a pensar porque é que eu trabalho – num mundo que valoriza mais o consumo do que o trabalho e que o trabalho apenas existe para poder consumir – para ter um copo que tem uma tulipa gravada? Fico a pensar, perplexo, porque é que eu – e já não tenho a presunção de dizer você – após satisfazer as minhas necessidades básicas (alimentação necessária à sobrevivência, acesso a saúde, direito à educação, à justiça e à segurança) trabalho para poder possuir um despertador que indica a hora no tecto em plena noite.

Quase todo o nosso consumo torna-se, eventualmente, lixo. Seremos, no fundo, meros produtores de lixo?

7 Comments:

  • At 5:34 da manhã, Blogger pedro oliveira said…

    Trabalhamos cada vez mais para podermos adquirir o supérfluo.
    Ao olharmos à nossa volta a maior parte dos bens que possuímos são desnecessários, porque não contribuem em nada para a satisfação das nossas necessidades básicas.
    Terminas o "post" dizendo:
    «Quase todo o nosso consumo torna-se, eventualmente, lixo. Seremos, no fundo, meros produtores de lixo?»
    A questão poderá ser, ainda, mais profunda, pois, sendo, simultaneamente parte activa e passiva (enquanto produtores e consumidores)não nos estaremos a transformar, também, em lixo?

     
  • At 11:35 da manhã, Blogger MB said…

    Um economista com crises existencialistas?? ;) abraço!

     
  • At 3:37 da tarde, Blogger Out of Time said…

    Pera aí.....devem ter sido raciocinios destes que levaram a "economias" como o da Albania.
    O consumo com todos os seus defeitos tem aspectos positivos, o facto de se estar aqui a comentar é um reflexo disso mesmo. O "belo" nasce tambem de um consumo, ainda que não fundamental. Devemos separar o consumo do seu exibicionismo, o consumo em si próprio é um motor social e de desenvolvimento. Aliás, o próprio lixo neste momento é um motor de desenvolvimento. Clamo contra um consumo ostensivo e acima das posses de quem consome mas defendo o consumo dos bens que melhorem a nossa qualidade de vida e proporcionem bem estar intelectual.

     
  • At 5:32 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Um post que pode ficar na história da blogosfera como o despertar de uma nova consciência, fazer as pessoas parar para pensar no ridículo da sua lufa-lufa que não conduz a lado algum. Que uma existência simples é muito mais humana, que não precisamos da maior parte das coisas que pensamos que trazem a felicidade, até porque deixamos de ter tempo.
    Excelente!

     
  • At 11:58 da tarde, Blogger Alien David Sousa said…

    Gostei do texto e parafraseando uma senhora bastante inteligente:
    "We are living in a material world and im a material girl"
    Esta frase, pode fazer uns rir, outros olhar para ela com arrogância, no entanto, resume o teu texto.
    Fica bem

     
  • At 2:07 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    WE ARE SPIRITS IN A MATERIAL WORLD... Police

     
  • At 2:14 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    We are spirits in a material world! Police

     

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