Filho do 25 de Abril

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segunda-feira, janeiro 10, 2005

(288) As Listas

O nosso sistema eleitoral é, no mínimo, burlesco. As eleições legislativas servem para eleger os deputados que vão ocupar o seu lugar na Assembleia da República. São eleitos por distrito mas, logo após as eleições, representam a nação. Na prática pretendia-se que os deputados fossem naturais de todos os pontos do país mas que não colocassem os interesses da região à frente dos interesses nacionais. A prática tem sido bem diferente da ideia original, num sistema já por si pouco claro na forma como os deputados representam o distrito por onde são eleitos.

Há, estruturalmente, três grandes desvirtuações neste sistema e na forma como este interage com os partidos:

1. Os partidos elaboram um perfil do deputado e fazem as suas declarações de princípio e comprometem os eleitos a regras rigorosas. Isto não é mais que um exercício para limitar o poder dos seus futuros deputados. O Deputado tem liberdade para votar conforme o que está estipulado por lei mas os partidos acham que isso é demais e prendem os futuros deputados às regras dos partidos e não às regras do sistema eleitoral. Queres ser eleito, tens que ser carneiro. Veja-se, por exemplo, a obrigação dos membros das listas do PSD que tiveram que comprometerem-se a não votar contra as decisões da direcção do partido na Assembleia.

2. Na elaboração das listas os partidos não se preocupam com a ligação dos deputados a cada distrito confiando que os cidadãos só estão preocupados em eleger um Primeiro Ministro e não um deputado que os represente. Aqui surgem as quotas da direcção dos partidos que espalham os seus amigos pelo país, as quotas das federações distritais para dar uma ilusão de cumprimento do espírito da lei e outras quotas, como as das juventudes. Nesta elaboração surgem os mais estranhos casos de para-quedismo distrital.

3. Após sujeitarem-se à vontade popular os deputados devem esquecer a sua origem e tornarem-se deputados da nação. Aí vai imperar a disciplina de voto que mata com o conceito de deputado da nação e transforma os deputados num conjunto uniforme e homogéneo de pensamento, isto é, dos pensamentos da direcção do partido.

Os deputados comportam-se como carneiros disciplinados e tomam sempre "partido" das posições da direcção, concordem ou não. Isto provoca dificuldades acrescidas de entendimento já que não há flexibilidade nas opiniões internas nos partidos impossibilitando a formação de coligações. A esquerda portuguesa é um bom exemplo disso. Os desalinhados não têm espaço nos partidos pois estes não são plurais.

No meio desta sopa os deputados nem representam os interesses regionais nem os nacionais, na maior parte das vezes são os representantes dos partidos. Se retirarmos as descredibilizadas comissões e grupos de trabalho atreveria-me a dizer que bastava ter um deputado por partido a representar os deputados eleitos por cada partido.

No próximo post vou falar dos problemas das actuais listas, esquecendo os problemas estruturais.

*Tópicos Relacionados: Enviei um comentário a um post do Deputado Vital Moreira no blogue colectivo Causa Nossa. Esse comentário foi publicado no blogue e transcrevo-o aqui:
«O grande problema do nosso regime não está, a meu ver, com a obtenção de maiorias (43% ou menos é suficiente) nem com a duração dos mandatos. A meu ver o problema está nos partidos quando exigem pouca diversidade de pensamento aos seus deputados com uma estúpida disciplina de voto! Agrava-se com a distorção entre a eleição de deputados por distrito (com listas formadas por quotas) e a sua utilidade após a eleição, acantonados a uma obscuridade permanente!»
(Ricardo V. R.)

9 Comments:

  • At 3:23 da tarde, Blogger armando s. sousa said…

    Exactamente!
    A realidade é esta, só que causa um dos maiores problemas nacionais,(estes deputados, mais nomeados que eleitos, porque de antemão uma esmagadora maioria sabe que vai ser eleito, por isso é que há uma guerra na elaboração das listas de candidatos a Deputados) que é desprestigiar a Assembleia da República,a instituição que deveria merecer o maior respeito de quem se dedica à causa Pública.

     
  • At 4:28 da tarde, Blogger Unknown said…

    Cada dia mais a política interna portuguesa é vista como um circo... E as coisas para lá caminham.

     
  • At 7:36 da tarde, Blogger Pedro F. Ferreira said…

    Eu gostava mesmo era de ver os votos em branco a poderem contar para lugares parlamentares por preencher. Nesse momento, sim! Nesse momento, o meu voto seria uma arma.

     
  • At 8:01 da tarde, Blogger Ricardo said…

    A.S. ... De facto a Assembleia da República padece um ciclo vicioso de descredibilização. Só uma maior abertura dos partidos na elaboração das listas com nomes competentes e o fim da disciplina de voto em questões não ideológicas poderia permitir que este orgão ganhasse credibilidade!

     
  • At 8:05 da tarde, Blogger Ricardo said…

    João (Diário de um Pintelho) ... O problema é que o circo que mergulhou a nossa política tem problemas estruturais que ninguém combate. Ficamos, assim, dependentes do perfil dos políticos escolhidos num processo nada claro, isto é, dependentes da sorte!

     
  • At 8:09 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Pedro... Antes de mais obrigado pela visita. É uma ideia radical muito na linha do Saramago. Eu preferia um compromisso sério de reestruturação do sistema eleitoral com a contribuição de políticos e da sociedade em geral. Aproveitar o melhor que o nosso regime tem e adaptando novas regras que poderiam ser importadas doutros sistemas eleitorais que o mundo já experimentou com sucesso!

     
  • At 1:06 da manhã, Blogger BlueShell said…

    Passei aqui muito à pressa para desejar boa noite...pois eu estou MORTA de sono... JINHO; BS

     
  • At 1:03 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Micróbio... a disciplina de voto, que é contrária ao espírito do que é um deputado, acontece em todos os partidos. Mas este ano aconteceu uma originalidade. Os deputados do PSD, como foi noticiado pela imprensa e não desmentido, não podem passar à condição de independentes ou votar contra uma decisão como já aconteceu em tempos com, por exemplo, o aborto. Se o desacordo fôr inultrapassável o deputado é obrigado, pelo compromisso, a renunciar o seu lugar. Neste aspecto é uma originalidade, o fim definitivo do papel do deputado com direito a ter as suas opiniões.

     
  • At 7:08 da tarde, Blogger mfc said…

    O sistema não serve... mude-se o sistema!
    É fácil.... e cai bem na opinião pública.
    Faz-me lembrar a arbitragem...
    Há suspeição! Qual a solução? Mudar o sistema... passa-se para o sorteio!
    Em vez de se mudarem os árbitros que é onde está o problema.
    Aqui é a mesma coisa... não há sistema que resista se os eleitores não os mudarem de lá.

     

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