(398) O Laicismo da Constituição Europeia
Nota Prévia: Aconselho a leitura do artigo do Professor Vital Moreira no Público do dia 12 de Abril com o título “Constituição Europeia e Religião”. Este post inspira-se, com algumas nuances, nesse artigo. Como sabem agora a consulta do Público exige um pagamento e por isso não coloco uma ligação a este artigo de opinião.
Começo por saúdar o equilíbrio da proposta de Constituição Europeia (CE) no que se refere à religião. Depois de muitas pressões de grupos católicos e partidos de direita para vincar a “herança cristã” da União Europeia julgo que o resultado final é extremamente moderado e equilibrado.
No preâmbulo do Tratado da CE é invocado o “património cultural, religioso e humanista da Europa”. Esta declaração é completamente inócua e consegue o melhor de dois mundos, isto é, retratar o óbvio (a influência histórica da religião) e, ao mesmo tempo, não comprometer a União Europeia (UE) a uma ligação formal com nenhuma religião. Até porque o tema religioso deve ser tratado com cuidado no “Velho Continente” porque alguns dos períodos mais negros da história europeia estão relacionados com o fanatismo religioso.
Depois convém analisar o artigo 52 que estabelece a não interferência da UE no estatuto que os seus países membros negociaram com as diferentes Igrejas. Este artigo também estabelece como meta um “diálogo aberto, transparente e regular” com as Igrejas e organizações não confessionais. Fico satisfeito com o bom senso demonstrado. A UE não se compromete com uma ligação formal a qualquer igreja mas não interfere com os compromissos assumidos a priori pelos seus Estados Membros. A UE liberta a legislação europeia de moralismos que estejam associados às religiões (quando estiverem em discussão questões civilizacionais) e, ao mesmo tempo, não obriga a uma ruptura com o passado nos países com maior interferência das religiões nas suas legislações. Mesmo assim, se o Tratado da CE fôr aprovado, vai haver muitas dificuldades em legislar sobre questões civilizacionais. Não é o ideal mas é uma posição equilibrada.
Finalmente a Carta de Direitos Fundamentais. Esta carta defende a liberdade religiosa e as suas manifestações em público e em privado. Aqui há um problema com a lei que a França aprovou recentemente proibindo o uso de símbolos e vestuário de identificação religiosa nas escolas públicas em nome do laicismo. Eu sempre achei que a lei francesa confude o que é laicismo (não interferência do Estado nas escolhas religiosas e separação do Estado da Igreja) com esta forma quase totalitária de proibição. Mas, como escreve Vital Moreira, também não é aqui que os franceses podem acusar a CE de não ser laica já que a interpretação desta Carta é idêntica à da Convenção dos Direitos do Homem (1950) e não contraria o direito da França proibir os símbolos nas escolas públicas. Neste ponto concordo com a Carta mas não com a sua interpretação mas também considero que a UE faz bem em não interferir nas decisões domésticas da França porque estas foram aprovadas em sede do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como estando em conformidade com a referida Convenção. E, como devem imaginar, eu continuo a defender que o poder judicial deve ser respeitado mesmo que a minha interpretação seja outra.
Por todas estas razões estou bastante satisfeito com o resultado final do Tratado da CE no que se refere às relações da UE com a religião e com a Igreja Católica em particular. Há um respeito pelas opções dos países mas inserido num ambiente global que incentiva o laicismo.
1 Comments:
At 10:33 da tarde, Pedro F. Ferreira said…
Concordo...
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