695. O definhar do Semi Presidencialismo
O título deste texto parece algo dramático! Talvez seja mas considero que não é exagerado! O que eu pretendo com este texto é transmitir a minha opinião de que Jorge Sampaio contribuíu - e muito - para que o cargo que exerce tenha esvaziado em influência. O cargo de Presidente da República (PR) tem vindo progressivamente a perder influência formal - desde que os deputados da nação tentaram evitar que fosse possível voltar a haver uma deriva presidencialista como a que Ramalho Eanes protagonizou - e depende cada vez mais do perfil e do estilo do titular do cargo para ter real influência nos destinos do país.
Convém relembrar que Mário Soares, devido à sua personalidade e forma de actuação, foi um PR (para o bem e para o mal) influente. Mesmo sem poderes formais as suas "Presidências Abertas" e intervenções temáticas "obrigaram" inúmeras vezes o executivo a passar dias a lançar legislação para resolver os problemas concretos que o PR apontava. Isso nunca aconteceu a Jorge Sampaio. Verdade seja dita que o nosso actual PR é um homem sério e sinceramente preocupado com o país - as suas emoções à flor da pele só o confirmam - mas foi um PR que raramente foi ouvido e que nunca conseguiu mobilizar o país para nenhum tipo de desígnio.
Do seu primeiro mandato só consigo lembrar-me, assim de repente, da sua "Presidência Aberta" contra a lamúria e acho que é um bom exemplo do seu mandato. Mas se na primeira parte do seu mandato nada de relevante aconteceu o mesmo não podemos dizer do seu segundo mandato. Quero destacar quatro episódios!
1. A saída de Guterres: Perante um cenário de demissão do Primeiro Ministro e consequente não recandidatura do mesmo, Jorge Sampaio foi prudente e quis ouvir os partidos. Como não havia uma maioria política estável no Parlamento - a situação era pantanosa - e como o partido com maior número de deputados - o PS - também queria eleições acho que o PR fez bem em convocar eleições;
2. O "caso Barrancos": Pode parecer uma questão menor mas, para mim, foi das piores decisões políticas do nosso PR. Apesar de este ter sido pragmático e ajudado o Governo de Durão Barroso a resolver uma situação que se arrastava há anos (note-se que o Governo utilizou o PR como escudo e deu destaque às suas palavras mas que nas alturas de crítica simplesmente ignorou os seus discursos) eu acho que estava em jogo uma questão de princípio. Não podemos, num Estado de Direito, lançar mensagens confusas para a opinião pública quando está em jogo a legalidade. Independentemente de eu não aprovar as touradas de morte o que interessava é que o Estado fizesse a lei ser cumprida e em nenhuma circunstância o PR podia vir a público defender que os que desrespeitaram a lei conseguiram o que queriam ao desafiar o Estado, ou seja, que a lei fosse alterada. Nem quero qualificar o exemplo que foi dado a outros cidadãos;
3. A saída de Durão: Apesar do PR não poder impedir que Durão Barroso saísse do Governo, Sampaio podia e devia ter agido de outra forma. Ao deparar-se com uma solução que oferecia pouca credibilidade ao país - Santana Lopes - devia simplesmente ter recusado o nome proposto pela coligação. E o PR tem legitimidade para exigir a proposta de outro nome - por exemplo o número dois do Governo, Manuela Ferreira Leite - ou então simplesmente convocava eleições. Hoje em dia podemos dizer que pelo menos agora confirmamos que Santana Lopes não tem perfil para um cargo deste género - e que ainda por cima não tinha legitimidade popular - mas Portugal não pode ser um tubo de ensaio e o PR cometeu um erro que teve custos incálculáveis para o país;
4. A dissolução da Assembleia: Parece impossível que Jorge Sampaio tenha conseguido fazer da dissolução da Assembleia da República mais óbvia de sempre uma tremenda confusão. Nunca saberemos se Sampaio perdeu a cabeça no dia em que teve a reunião com Santana Lopes ou se a dissolução foi um acto pensado mas a confusão que gerou-se nos dias seguintes era desnecessária. Refugiou-se nas formalidades da Constituição mas a decisão foi anunciada antes da opinião (obrigatória apesar de não vinculativa) do Conselho de Estado e, ainda por cima, deixou aprovar um Orçamento de Estado que foi uma das bases da sua decisão (e que convenhamos era mau demais para ser verdade em que o objectivo do défice era conseguido pela simples manipulação das previsões e não por reformas de fundo). A dissolução foi aceite com naturalidade pelos portugueses tal era a confusão instalada no país e no executivo - que o PR ajudou a promover - mas instalou-se uma desnecessária instabilidade extra pelas hesitações processuais e políticas do Presidente.
Por tudo isto defendo que se Ramalho Eanes matou o verdadeiro semi presidencialismo que existia no país então é justo dizer que Jorge Sampaio deu a machadada final para que o cargo de PR fosse aceite como algo decorativo que apenas resolve umas crises de vez em quando. Mário Soares chamou ao actual regime como "parlamentar com correcção presidencial" e foi o que, de facto, aconteceu no seu mandato. Aproveitando esta definição eu diria que Jorge Sampaio interpretou o regime como "parlamentar com presidente irrelevante*"! Disse!
*Definição de "parlamentar com presidente irrelevante" - regime político assente na legitimidade da representação dos deputados em que o PR fala muito mas que só é aproveitado o que interessa ao Governo e que, quando é chamado a intervir, decide de forma confusa e hesitante!
17 Comments:
At 12:38 da tarde, Unknown said…
Caro Ricardo,
De uma forma geral concordo contigo.
Coloco só algumas reservas ao caso de Barrancos.
Temos de recordar que durante os governos de Guterres o PSD/Durão e o PP/Paulo Portas utilizaram o caso de Barrancos de uma forma extremamente demagógica sabendo que não eram governo e que o PS acabaria por resolver o problema mas, ficando mais ou menos mal vistos.
Ora durante os governos de Guterres o Sampaio não tugiu nem mugiu e só depois é que foi dar uma mãozinha ao Durão para ele se desenvencilhar do problema.
Sinceramente achei que tinha sido uma optima ocasião para o Sampaio ficar calado.
Um abraço
At 1:46 da tarde, Politikus said…
No geral concordo com o teu ponto de vista. A figura do Presidente da Republica estácada vez mais apagada. Caminhamos para uma figura de simples representação...
At 2:16 da tarde, Politikus said…
Voltei para retificar o meu comentário anterior:
Acabei de ver na SIC Noticias que Jorge Sampaio pediu um parecer sobre o detenção accionosta da Iberdrola na EDP. Ouseja afinal ele faz alguma coisa, mas faz mal. Pois sendo a EDP uma empresa semi privada, o Presidente não deve pedir pareceres sobre empresas cotadas na bolsa...
At 2:47 da tarde, Ricardo said…
Raio,
Colocaste algumas reservas ao meu pensamento sobre o "caso Barrancos" mas não me apercebi de nenhuma discordância com o que penso!
Abraço,
At 2:50 da tarde, Ricardo said…
Polittikus,
Folgo em constatar o teu regresso à blogosfera!
Eu acho que o "caso EDP" está muito mal explicado mas eu defendo a acção dos mecanismos de regulação do Estado e da Autoridade da Concorrência. A intervenção do PR parece-me uma forma algo doentia de Jorge Sampaio dizer "Presente"!
Quanto ao caso em si não me choca o capital espanhol mas sim a possível diminuição de concorrência energética em Portugal.
Abraço,
At 3:59 da tarde, a.castro said…
Caro Ricardo,
Concordo genericamente com a súmula histórica recente sobre o papel do Presidente da República.
O perfil do Presidente pode ajudar ou dificultar o normal funcionamento das Instituições, nomeadamente o Governo. Mas nunca poderá ir muito longe, a não ser em casos especiais como os que enumeraste. Temos o recente exemplo de Jorge Sampaio (assunto EDP/Iberdola): meteu-se onde não era chamado! É por isso que, de todos os actuais candidatos a PR, Cavaco é o mais demagogo, para não dizer outra coisa...
Abraço
At 6:15 da tarde, Unknown said…
Caro Ricardo,
Tens razão. Confesso ter lido em diagonal o teu texto e interpretei incorrectamente o que escrevestes sobre o caso Barrancos.
Acho curioso os comentários que apareceram criticando o sampaio por se meter no caso EDP.
Para já é muito pouco provável que se fosse ao contrário, a EDP a entrar para a Iberdrola, o governo espanhol ficasse mudo e quedo.
Depois o Presidente é o garante da independência nacional e este caso pode colocar grandes problemas caso surjam problemas, por exemplo, de abastecimento de energia eléctrica na península ibérica.
E, mesmo que não surjam, a EDP ficará sempre subordinada à estratégia da Iberdrola. É grave e dá ao Presidente todo o direito de intervir.
Um abraço
At 6:31 da tarde, Ricardo said…
Raio,
Discordo com o negócio mas não pelas razões que apontaste e, por isso, não defendo a intervenção do PR.
O problema que se coloca é que a participação da Iberdrola na EDP pode causar distorções na regulação do mercado e na concorrência. Por isso defendo a intervenção do Estado regulador (não o interventivo) e da Autoridade para concorrência.
A entrada de capital estrangeiro privado em empresas privadas (ou semi privadas) portuguesas não me choca nem preocupa-me! A partir do momento que retiramos do Estado para o sector privado as empresas não devemos limitar a entrada de capital estrangeiro. Se o Estado achasse que há sectores estratégicos então não os devia era ter privatizado.
Abraço,
At 8:27 da tarde, Joao Serpa said…
Concordo completamente com a "posta", mas creio que a situação é simplesmente consequência do nosso regime "chove-não-molha". Os presidentes da república (ou reis, ou oligarcas, ou o raio que os parta) só se justificam com dois tipos de poderes:
Tipo 1) Rainha de Inglaterra ou Presidente da Alemanha - não mandam nada e ficam bem em cerimónias oficiais como representantes de uma nação.
Tipo 2) Presidente dos EUA ou França - mandam mesmo e o Parlamento é apenas regulador enquanto o Governo é o braço executivo de suaexcelênciaosenhorpresidentedarepública.
Nós quisemos agradar a Gregos e Troianos e arranjámos um sistema perfeitamente disfuncional. Como sempre.
At 9:46 da tarde, Bruno Gouveia Gonçalves said…
Aproveitei este post, para também fazer um pequeno texto sobre semi-presidencialismo no meu blog.
Abraço
At 12:43 da manhã, Politikus said…
Creio então que estamos todos de acordo. O PR devia ter ficado quieto em relação há EDP...
At 1:13 da tarde, Ricardo said…
João,
Não considero o nosso sistema disfuncional mas simplesmente considero que o último titular do cargo não soube retirar o melhor proveito do mesmo!
Abraço,
At 9:55 da tarde, VFS said…
Ricardo, por agora, limito-me a contestar uma asserção tua. Afirmas que Santana Lopes não dispunha de legitimidade popular, mas cometes um erro, porquanto, segundo a nossa estrutura constitucional, a figura de candidato a primeiro-ministro não existe, sendo uma inveção espúria daqueles que, incluindo Vital, assumem-se como guardiães da lei fundamental.
O primeiro ministro é NOMEADO pelo Presidente, não sendo necessária a presença prévia do Primeiro em São Bento. Escrevi, recentemente, sobre esta problemática, devido à sugestão de Alegre, segundo o qual é possível demitir o primeiro-ministro sem que a maioria parlamentar entre em colapso. Deixo-te o endereço.
http://estrangeiros.blogspot.com/2005/12/alegre-e-exonerao-do-primeiro-ministro.html
At 12:54 da manhã, Ricardo said…
Vítor,
Obviamente não existe uma figura de candidato a Primeiro Ministro e, por isso mesmo, não referi que tinha algum défice de legitimidade que vou chamar de formal ou constitucional. Nem sequer precisa de ser um deputado, como muito bem referes.
Por isso mesmo utilizei a expressão "legitimidade popular" porque, esquecendo o aspecto formal da Constituição que sublinha que só estamos a votar nos nossos representantes sobre a forma de deputados, na prática a campanha está montada à volta da figura do candidato a Primeiro Ministro. Obviamente que é uma subversão da Constituição mas ninguém pode negar que é a prática.
Deste modo o passado de Santana Lopes acompanhado por esta falta de votação popular na sua candidatura a PM faziam dele uma escolha por demais arriscada. Diria mesmo inviável!
Mesmo que a CR permita que o PR exonere o PM não me parece uma boa prática. De repente lembrei-me do semi presidencialismo francês e, sem ser numa situação excepcional, dificilmente vou defender esta medida.
Espero que a minha linha de pensamento tenha ficado mais clara!
Abraço,
At 2:31 da manhã, VFS said…
Sim, claríssimo. Não sei se acompanhaste a minha actividade reflexiva durante o período que antecedeu as legislativas últimas. Redigi, então, uma profusão de textos em que aludia à inquinação constitucional, fomentada por todos - enfatizo todos! - os intervenientes. Nem o Presidente da República alertou para a obnubilação democrática promovida pelos alegados candidatos a primeiro-ministro e seus escudeiros.
Se nos ativermos à simpatia popular, Santana não ostentava, efectivamente, a legitimidade de Barroso. De resto, e em harmonia com a Constituição, detinha-a. O povo só se pronuncia uma vez. Escolhe, cego, deputados, pensando roçar o primeiro-ministro....
Um grande abraço e obrigado pelo comentário no meu espaço.
At 2:51 da manhã, Ricardo said…
Vítor,
"Não sei se acompanhaste a minha actividade reflexiva durante o período que antecedeu as legislativas últimas. Redigi, então, uma profusão de textos em que aludia à inquinação constitucional, fomentada por todos - enfatizo todos! - os intervenientes."
Eu acompanhei a tua reflexão e diria até que acompanho a tua perspectiva e pouco tenho a acrescentar. Há, de facto, uma inquinação constitucional...
Se tiveres paciência deixo aqui a ligação para um texto que escrevi em Julho de 2004 sobre o tema:
http://filhodo25deabril.blogspot.com/2004/07/121-refundao-da-democracia.html
Abraço,
At 8:42 da manhã, VFS said…
Grato pela indicação. Dissecarei e comentarei. Um grande abraço e bom dia!
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