Filho do 25 de Abril

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quinta-feira, setembro 08, 2005

548. Presidenciais (2) – O “caso” Alegre



Na sequência do que escrevi no último post acerca da incapacidade do regime democrático em promover a regeneração da classe política, convém analisar a candidatura a candidato que Manuel Alegre protagonizou.

Convém ter memória. E, em primeiro lugar, não posso deixar de prestar a minha homenagem ao percurso político de Manuel Alegre, sem prejuízo para o que eu vou escrever depois. Mas convém também relembrar o passado recente. O PS, com dificuldade em encontrar um nome credível para defrontar o putativo candidato Cavaco Silva, começou a “sondar” alguns nomes, testando-os na opinião pública. O primeiro a ser “testado” perante a opinião pública foi Sousa Franco. A reacção do público e imprensa nem foi calorosa nem fria. Era uma hipótese. Repito, era...

Depois começou a ser ventilada a hipótese Manuel Alegre porque nem Guterres nem Vitorino pareciam querer avançar. Convém não esquecer que quem começou a construir a candidatura de Alegre foi o partido e não a sociedade civil. Não vou analisar se a candidatura foi ou não bem recebida pela Comunicação Social porque quando se lançam nomes desta forma é porque não acreditamos realmente no candidato. Na altura Alegre foi categórico, leia-se, não estava disposto a assumir uma candidatura perdedora. Durante infindáveis semanas foi dizendo que "não", "estou a pensar", "o poeta está tentado, o político não". Este candidato a candidato foi adiando indefinidamente o anúncio das suas intenções e em política isso é fatal. Foi ultrapassado pelas intenções do seu “compagnon de route” Mário Soares. Não foi um acto pessoal brilhante de Soares mas a política não se faz de amizades e muito menos estas devem influenciar o destino do país.

Eu considero que a candidatura Alegre era muito fraca. E passo a explicar porquê.

1. Porque também era uma candidatura lançada pelo aparelho partidário, por muito mais que Alegre agora diga que não;

2. Porque também não é, como Soares, uma cara “nova” que represente esperança com a agravante de ser um candidato que já estava conotado como o “último recurso”, “o homem a queimar” (lembram-se de Ferreira do Amaral?);

3. Porque, ideologicamente, pertence à ala esquerda do PS e é considerado como menos moderado que Soares logo uma péssima escolha para conquistar o centro. Recordo que a esquerda tradicional já está representada nestas eleições por outros candidatos mas o centro é quase todo ocupado pelo mais que presumível candidato Cavaco Silva.

Perante um discurso agressivo e com um toque de vingança que produziu aquando do seu recuo presidencial exigia-se que avançasse. Não se pode dizer que Portugal vive nas mãos de interesses partidários mal explicados e preferir defender o partido em vez do país. Mais uma vez demonstrou que estava longe de conseguir preconizar uma batalha descolado do partido. As acusações que fez a Soares foram injustas e emocionais porque os seus argumentos não são válidos. Porque ele também era o candidato que o partido “empurrou” e só não avançou porque andou a contar as espingardas no partido (não na sociedade civil). Porque também representa a “velha” geração de políticos. Porque não pode falar que é republicano e não aceitar as suas regras, leia-se, a limitação de mandatos serve para evitar a perpetuação no poder através do impacto que as funções têm na popularidade de quem os exerce. Por isso, havendo um interregno, esse problema já não se coloca. O seu discurso foi incoerente porque foi motivado pelo rancor, não por um sonho.

Para terminar não deixa de ser interessante rever o retrato de Mário Soares por Manuel Alegre no livro Retrato, da Livraria Clássica Editora, 1990:

"E talvez seja a grande revolução que ele fez num país cansado de crispação: trazer a afectividade para a política. É, a par da coragem, a sua arma mais eficaz. E por isso ele é de facto, irresistível. E também imprevisto. Com o Mário, o inesperado pode sempre acontecer. Desenganem-se os que o julgam sentado sobre uma por vezes aparente lassidão. De repente ele salta. Para sacudir o marasmo e de novo forçar o destino. Sempre que tal acontece, o telefone toca em casa de alguns amigos. Fica-se então a saber que há uma nova caravela e uma nova partida. Às vezes um combate. Às vezes um desígnio, um sonho, uma inquietação, o que é também uma forma de poesia."

"Retrato de Mário enquanto Mário", via Pedro Souto, via Abrupto

11 Comments:

  • At 9:49 da manhã, Blogger Senador said…

    Deixa-me só discordar com a classificação de Mário Soares ao centro porque pelo seu discurso nos últimos anos podemos deduzir que hoje está bem mais próximo da ala esquerda do partido do que do centro como muita gente quer fazer crer.

     
  • At 10:23 da manhã, Blogger Didas said…

    Eu continuo a achar que um gajo que escreveu um poema ao Figo é porque já se passou da carola.

     
  • At 3:21 da tarde, Blogger bravo said…

    Concordo em parte com o Senador. Apenas em parte porque acho que o discurso recente mais à esquerda de Soares foi sobretudo estratégico, para captar o eleitorado dessas bandas. Soares é muito pragmático (dizem que foi ele que meteu o socialismo na gaveta, lembram-se?) e penso que se for eleito (visão aterradora;) voltará ao centrão.

    Quanto ao Manuel Alegre, tenho uma teoria um pouco mázinha, mas que não consigo deixar de pensar ser verdadeira: no fundo, no fundo, está a adorar toda esta atenção - até para reforçar a imagem de lutador idealista e solitário...

     
  • At 8:43 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Senador,

    Realmente Soares não tem andado muito pelo "centro", mas não deixa de ser um candidato mais moderado que Alegre.

    Abraço,

     
  • At 8:43 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Didas,

    Não conheço o poema! Tens que abrilhantar esta caixa de comentários com a sua reprodução!

    Um beijo,

     
  • At 8:48 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Fernando,

    Não partilho a tua visão aterradora quanto à eleição de Soares. É que pelo menos sei o que defende... e não posso dizer o mesmo do eterno candidato a candidato, porque não lhe conheço uma única posição não económica. É a favor da Globalização (esta ou outra?), que visão tem do cargo, que intervenção pretende fazer. É que já temos um Ministro das Finanças, não precisamos de dois.

    Eu respeito o percurso de Manuel Alegre mas considero que a sua acção recente tem sido desastrosa!

    Abraço,

     
  • At 11:48 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    não concordo nada com o Ricardo. Apenas duas notas: "A politica não se faz de amizades", diz o Ricardo. Sinceramente não consigo perceber esta afirmação. Estamos a falar de pessoas que têm um percurso comum e solidário, de amigos de longa data, de companheiros de partido! O Alegre tem razão para se sentir magoado.
    2ª nota. Um candidato sério reconhece-se pela defesa das suas posições e não por jogos de conquista de eleitorado à esquerda, direita ou centro. Esse é um jogo sujo. A mim interessam-me conhecer, verdadeiramente as suas posições e não os "deslocamentos" estratégicos que usa para conquistar eleitorado. É por isso que qualquer um destes candidatos, nunca poderia ser o meu. Naturalmente numa 2ª volta, votarei sempre no candidato da esquerda.

     
  • At 12:42 da manhã, Blogger Ricardo said…

    Charago,

    "Não concordo nada com o Ricardo" - Ainda bem que há várias opiniões, mas da próxima podes dizer "não concordo contigo". Pareces estar a teclar com um terceiro, hehe...

    A política obviamente faz-se com amigos mas não para amigos. Se um dia estiver convicto que há melhores opções para o país se optar pela "amizade" vou estar a contribuir para o que critico na política, isto é, tudo ser combinado não por ideias mas por compadrios.

    Quanto à minha análise política de centro e esquerda vale o que vale. Não é por estratégia, é uma realidade.

    Não percebi hoje a sondagem da Católica na análise da segunda volta que dizia que a maioria dos eleitores de Louçã e Jerónimo votariam Cavaco numapresumível segunda volta. Acho isso muito estranho, não achaste?

    Abraço,

     
  • At 11:56 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    desculpa a insistência Ricardo. Não se trata de fazer politica para favorecer os amigos, em prejuízo do interesse nacional,obviamente. É aceitar que na politica vale tudo até trair amizades e por aí não vou. O outro aspecto é tão-só o "jogo politico", a "estratégia politica" de não falar ou só falar de determinadas situações porque se perde ou ganha eleitorado, encobrindo as suas próprias posições. Não estou a falar de posicionamentos politicos dos candidatos, estou a criticar posições de mentira, para alcançar os fins. Quanto à sondagem espero que não se concretize e espero que o debate vá esclarecer muita coisa em especial, espero a desmontagem da falácia da bondade das politicas económicas de Cavaco. E aí só vejo o Louçã para lhe fazer frente. Soares de facto vai ter muita dificuldade em recolher os apoios de muita gente da esquerda, mesmo na 2ª volta, o que é pena, porque para mim, apesar de tudo, vejo muitas diferenças entre ele e Cavaco e até muito melhor que Sampaio que foi uma desilusão. Um abraço, Ricardo e desculpa o grande espaço que tomei.

     
  • At 12:12 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Charago,

    Nem tens que pedir desculpa nem tens que contar as palavras.

    Eu não partlho o teu ponto de vista, mas respeito-o. Em política o timing é tudo e Alegre, apesar de fragilizado de início, não soube ou não quis aproveitar o seu timing. Não te acompanho na observação em relação à mentira e confesso que nem a percebi.

    Quanto às posições políticas dos vários candidatos ainda não escrevi nada sobre isso e vou faze-lo, a seu tempo. Vai ser difícil fazê-lo com Cavaco porque desconheço a maioria das suas posições políticas.

    Eu não espero uma desmontagem das políticas económicas de Cavaco, só quero que o eleitorado perceba que o Presidente da República não pode ter políticas económicas. Nem precisa de mais um Ministro das Finanças...

    Soares, e também vou escrever sobre isso, tem uma interpretação da maneira como o Presidente deve actuar que é, na minha opinião, bastante mais útil para Portugal do que foi a visão de Sampaio.

    Abraço,

     
  • At 4:33 da tarde, Blogger Joao Augusto Aldeia said…

    É curioso que ninguém se recorde do papel de Manuel Alegre como ministro. Ele também deve agradecer muito que não se lembrem.

    Se a indignação desse credenciais para político e governante, todos estaríamos qualificados. Mas não chega.

    O homem é bom para alimentar sonhos - por isso lhe estou muito grato, e bastar-lhe-ia ter escrito os dois primeiros livros. A parte política (incluindo a mesquinhez do grupo de Argel) é para esquecer. Porque ele merece.

     

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