598. A perversão dos cenários filosóficos
Há teorias que foram avançadas em diversos blogues em relação ao possível comportamento dos candidatos presidenciais no cargo que são, no mínimo, divertidas. Uma dessas teorias é que Cavaco Silva vai ser mais compreensivo com as medidas difíceis que o Governo está a implementar e que vai ser um factor de estabilidade para ajudar o Primeiro Ministro nessa tarefa. Por outro lado Soares é apresentado como alguém que não compreende esse rumo e vai ser um entrave ao Governo. Parece maquiavélico, não acham? Ainda por cima porque, ao mesmo tempo, reduzem Soares a um candidato do partido, mas que mais parece do PSD do que do PS.
Cuidado! Quem defender esta teoria tem que defender, por arrasto, algo que não sei se querem defender. Porque, implícitamente, ao defenderem esta tese para votar Cavaco também estão a dar a entender que estão satisfeitos com o trabalho deste Governo e que querem que este rumo seja aprofundado.
Como isto pode ser irónico! Sendo assim, baseado nesta teoria, vou fazer um pequeno exercício de lógica a todos os que se encontram nas seguintes situações:
- Quem quer votar Cavaco Silva tem que explicar porque concorda que este seja compreensivo com o Governo e, ao mesmo tempo, porque não concorda com as medidas do Governo!
- Quem quer votar Mário Soares tem que explicar porque concorda que este não seja compreensivo com o Governo e, ao mesmo tempo, porque concorda com as medidas do Governo!
Como estou inserido no segundo grupo vou fazer o meu papel apesar de achar esta teoria um verdadeiro disparate (como diria Carrilho)! Mário Soares nunca foi um homem de extremos mesmo quando não concordava com as políticas económicas de Cavaco, como aliás este último reconheceu quando saíu do cargo de Primeiro Ministro. Mesmo antes de ser Presidente Soares nunca se encostou a um dos extremos e foi sempre um político moderado como líder da oposição ou como Primeiro Ministro. É preciso não esquecer que foi capaz de implementar medidas bem mais difíceis do que as que estão actualmente em curso no Governo Sócrates quando o país estava perante a bancarrota. Por isso, mesmo num cenário de discordância com o Governo, o máximo que Soares fez foi tentar influenciar e contrabalançar socialmente algumas medidas. Eu concordo – com as reservas que tenho exposto ao longo do tempo neste espaço - com as medidas deste Governo mas não confundo Belém com a moradia dum segundo Ministro das Finanças nem quero que daí surjam as políticas económicas. Só quero alguém que, exactamente, contrabalance algumas das medidas mais penalizadoras e obrigue a existência de maiores consensos e diálogo (não estou a falar de inacção).
Por isso quem estiver a espalhar esta teoria pela Comunicação Social e pelos blogues devia responder ao desafio que coloquei: está ou não de acordo com as políticas do Governo? Se não estão então querem que Cavaco imponha outro rumo e este deixa, por definição, de ser um factor de estabilidade! E se defendem que Cavaco é o mais compreensivo com as políticas deste Governo então também não deviam utilizar simultaneamente a redutora teoria que Soares é o candidato do PS e, ao mesmo tempo, o candidato anti-Governo apoiado pelo PS. Estão confusos? Mas isto é só o resultado desta mirabolante teoria!
Mas ainda há mais uma ironia no meio disto tudo. Eu diria a ironia das ironias. Já repararam que as medidas que o Governo tem implementado - mudança nomeações políticas, política de reformas, combate aos regimes de excepção, congelamento das promoções automáticas, entre outras - não são mais que a desconstrução do Estado (gordo) que Cavaco criou?
Por isso cuidado com as teorias que constroem por aí pois as conclusões podem não ser bem as que desejavam...
4 Comments:
At 1:40 da manhã, Joao Serpa said…
Ao contrário da teoria... dos comentadores políticos, talvez a razão que leva(rá) os portugueses a escolher Cavaco seja a escolha de um personagem que se sabe rigoroso e que não permitirá facilmente fantasias populistas ao governo.
Soares em Belém foi talvez um bom opositor a Cavaco, por ser um liberal com um governo de cariz conservador. Talvez o contrário seja agora necessário.
Ainda fora da teoria, talvez os portugueses, povo de saudosistas incuráveis, escolham Cavaco por se lembrarem de dez anos de prosperidade e crescimento inigualáveis no país. Aquilo de que se esquecem é de que essa prosperidade foi fruto do trabalho de muitos - de Soares durante o bloco central, da adesão à Europa (arquitectada por Soares) e a chegada dos fundos comunitários, de um momento de crescimento económico mundial e por aí fora. Mas são inegáveis os méritos, também, de Cavaco Silva.
At 2:10 da manhã, Anónimo said…
A tal teoria de que se fala, não faz o mínimo sentido e torna-se, por si só, muito redutora. Soares, como Cavaco, opor-se-á às medidas do governo quando achar que o deve fazer e apoiá-las-á no caso contrário.
Bem ou mal, este governo está a desmontar muito daquilo que Cavaco começou (mas os jobs for the boys continuam aos olhos de todos, sem que se fale muito no assunto - é um aspecto que me parece importante). Tanto Cavaco como Mário Soares saberão entender a maior parte das medidas difíceis do Governo. Já não há espaço para o populismo e a demagogia e isso, já todos o sabem.
Por outro lado, hoje em dia, a importância do Presidente da República apenas se revela em ocasiões pontuais, pelo que não contemos que seja o Presidente a resolver os problemas do país. Lembremo-nos de que quem governa é o Governo e não o Presidente. Não querendo com esta observação desvalorizar o papel do Presidente que de facto é relevante sobretudo no seu papel de fiscalizador, moderador e eventualmente conselheiro.
At 12:02 da tarde, dinah said…
Não acredito nem por um minuto que Cavaco vá ser mais compreensivo ou mais moderado que Soares. O diabo, de velho, não se faz ermita, ou se se faz é um exercício de hipocrisia que não reflecte em nada as suas convicções e personalidade.
Durante o seu período no governo Cavaco foi pouco mais que um tiranete de opereta, demasiado convencido da sua própria importânca. Não ouvia a oposição nem sequer se incomodava a fingir que a ouvia: um homem que diz que nunca se engana nem tem dúvidas põe-se acima da natureza humana, um cyborg independente e intolerante. Não é aquilo que o país precisa. Claro que num país de memória curta, onde basta estar calado para parecer inteligente e sábio estas coisas são pequenos detalhes e pouco haverá que sirva de entrave à sebastiânica missão do homem... Infelizmente.
At 12:29 da manhã, Anónimo said…
Excelente texto.
De facto daria que pensar não fosse o caso de eu ser muito pragmático nestas questões.
Para mim tudo se resume ao velho e simples "o inimigo do meu inimigo, meu amigo é!".
Logo... tudo o que vá ao arrepio das políticas destrutivas deste (des)governo pseudo-socialista terá o meu apoio. Aqueles que eu sei que o fariam de certeza não vão conseguir lá chegar, por isso resta-me escolher o candidato que mais lixe o mentiroso Sócrates.
Enviar um comentário
<< Home