658. Portugal Crispado
O episódio da agressão a Soares em Barcelos esconde uma realidade muito mais grave que o incidente em si. É que passados mais de 30 anos da Revolução e da descolonização ainda há fortes divisões no país. Isso é particularmente visível na blogosfera que entre críticas mais moderadas e outras mais acesas fala-se da “esquerdalha” que entregou as colónias, dos que ficaram sem nada por causa da esquerda portuguesa e até de que retiraram o sentido de quem combateu pela Pátria no ultra mar. Afinal Portugal ainda não ultrapassou certos fantasmas...
O contexto
Na minha opinião pessoal procurar culpados para o que aconteceu não é útil para o futuro. Mas, mesmo assim, sei a importância da memória. Por isso não convém discutir o que aconteceu sem o seu devido contexto. E a dura realidade é que a guerra colonial arrastava-se já por muito tempo – e a partir do momento que começou é que perdemos verdadeiramente o nosso peso futuro em África – e estava perdida na Guiné, circunscrita ao Norte em Moçambique e amortecida em Angola. As resoluções das Nações Unidas eram claras, ou seja, apontavam para a independência das colónias forçando a negociação com os Movimentos de Libertação Africanos. Adicionalmente houve erros, sem dúvida, na nossa capacidade em conduzir este processo mas vivíamos tempos difíceis em que a estabilização interna era a prioridade.
O processo
É aqui que muitos não perdoam Soares. Por ter afirmado, em vários jornais internacionais, a inevitabilidade da independência. Muitos afirmam que antes de sequer falar nessa palavra era necessário negociar. Porventura têm razão mas, no íntimo, também sabem que o resultado final não ia ser muito diferente. Aliás na Guiné a independência até já tinha sido proclamada unilateralmente. Como a prioridade da diplomacia portuguesa era chegar ao cessar fogo e à paz admito que tenham sido cometidos erros na descolonização porque essa mesma diplomacia já dava por adquirida a independência. Não vou entediar ninguém com os pormenores da descolonização na Guiné ou em Moçambique ou em Angola, nem sobre os interlocutores escolhidos em cada um dos países (também é polémico), nem sobre o papel do general Spínola no processo, nem sobre o papel da China e da URSS, nem sobre a instabilidade política em Portugal mas vou deixar umas notas sobre a Conferência de Alvor.
Conferência de Alvor
“...nessa altura, não tinha uma visão clara do que se poderia fazer de diferente, e a minha capacidade de intervenção era reduzida. Não havia grandes saídas ou outras opções a tomar, com êxito.”
Mário Soares
Os negociadores do lado português em Alvor foram Almeida Santos e Melo Antunes (em menor escala Mário Soares, Rosa Coutinho, Silva Cardoso, entre outros). É nesta conferência que reside grande parte da discórdia actual. Note-se que esta conferência foi precedida por outras reuniões entre o general Spínola – acompanhado por Sá Carneiro – nos Açores com o Presidente Nixon e outra entre o general e o Presidente do Zaire. A questão central era agora Angola. Mário Soares teve responsabilidade directa na preparação da conferência com os três movimentos africanos mas a sua responsabilidade directa na negociação não é clara pois os responsáveis do MFA já tinham as negociações adiantadas, com clara preferência para o MPLA. O compromisso em Alvor não foi o ideal e é claro que era frágil e pouco duradouro. A posteriori é fácil dizer que não foi um bom acordo como também é fácil dizer hoje que o processo de Bicesse conduzido por Cavaco Silva e Durão Barroso também não foi feliz. O acordo foi feito mas não cumprido acabando por enterrar Angola num banho de sangue. Mas após o que aconteceu durante a ditadura e na anarquia que se vivia em Portugal, não sei se era possível evitar que as divisões internas em Angola e as intervenções estrangeiras agravassem ainda mais a situação.
O futuro
Acabo como comecei. É preciso enterrar os fantasmas do passado. A vida democrática é feita de pontos de vista divergentes e não há soluções óptimas. O que se passou foi o resultado dum contexto difícil e se Mário Soares teve um papel importante na Democracia Portuguesa também cometeu erros. Mas não podemos continuar agarrados ao passado desta forma doentia nem ceder à tentação de revivalismos coloniais porque não conheço um único processo de descolonização pacífico (veja-se ainda recentemente o Zimbabwe). Está mais do que na hora de enterrar os fantasmas do passado que só servem para crispar Portugal e dividi-lo ainda mais...
18 Comments:
At 5:21 da tarde, a.castro said…
Não... desta vez fechei o Canto Aberto e resolvi fazer-te uma visita para ler o "Portugal Crispado" na tua casa.
É bem verdade o que dizes, o teu relato é completo. Eu estive 26 meses em Angola (no auge da guerra), sei bem do que falas não apenas nessa faceta mas também do inevitável e célebre abandono precipitado (como acontece quando as colónias têm que "descolonizar" à força) dos portugueses que lá tinham a sua vida - os RETORNADOS - acontecimento que fez correr muita tinta e suscitou ódios pelo 25 de abril e seus filhos.
E, 31 anos depois, o caso não está "arquivado" e alguns factos ou políticos fazem arrancar da memória dos retornados a mudança (necessária, histórica), que tiveram de enfrentar nas suas vidas.
Abraço
At 6:35 da tarde, H. Sousa said…
Há indícios de tempestade no ar. Eu acho bem que estas coisas sejam esclarecidas. Lembro-me perfeitamente da barafunda que era, não se pode determinar culpas de chefia porque a chefia era confusa. As personalidades envolvidas fariam melhor serviço ao país retirando-se da vida política. Digam que fizeram o que fizeram convencidos de estar a fazer o melhor, peçam perdão àqueles que foram prejudicados, e reformem-se. Alguém se importaria com o Mário Soares se ele se retirasse, em vez de pretender continuar a mandar na "cosa nostra"? E, em abono da verdade, há muito revolucionário da época que se aproveitou à grande e à francesa em negociatas de diamantes (eles andam por aí) enquanto pessoas honestas que deram o coiro ao manifesto a trabalhar nas suas roças, RETORNARAM com uma mão à frente e outra nas costas. Como não se hão-de sentir revoltadas contra aqueles a quem atribuem culpas disso, e que vivem que nem nababos armados em donos da democracia?
At 7:18 da tarde, Ricardo said…
A. Castro,
Quanto ao Canto Aberto acho uma boa ideia como um blogue resumo do que se passa nos blogues aderentes. Ainda por cima defendemos todos algumas ideias bastante díspares.
O que sublinho no teu comentário é o "descolonizar à força", o que não está muito longe da verdade. É óbvio que podia ter sido melhor mas não sei até que ponto podia ter acabado de forma diferente.
Quanto à memória esta deve servir para não cometer os mesmos erros no futuro e não para crispar ainda mais um país que quer-se virado para o futuro.
Abraço,
At 7:26 da tarde, Ricardo said…
TNT,
Discordo em geral com o teu comentário. A barafunda, como a chamaste, não excluí ninguém. O país estava à deriva e ninguém sai ileso de responsabilidades. Ninguém nem nenhum quadrante político, da esquerda á direita. Mas daí a ter-se feito só asneiras discordo até porque não podemos esquecer o contexto e provavelmente tínhamos que recuar á ditadura para explicar o ponto em que chegamos.
E retirarem-se porquê? Defendes o mesmo para Manuel Alegre? Como sabes ele só não participou no Alvor porque teve um grave acidente de carro no trajecto até lá...
Ninguém é dono da Democracia mas o balanço político de Soares é largamente positivo. Pode ser só uma opinião mas, entre tudo o que meteu a pata na poça e tudo o que fez bem, o balanço é positivo. Ou a memória também é selectiva? Até porque a descolonização foi um processo colectivo e, na altura, não era Mário Soares nem Primeiro Ministro, nem do MFA, nem Presidente da República... era o MNE dum Governo provisório.
Quanto aos diamantes... eu não nego a sua veracidade nem a apoio... mas sei que rumores há muitos... uns verdadeiros, outros falsos... até prova em contrário - em tribunais porque era crime - digo o mesmo em relação a Soares ou Cavaco terem terrenos na OTA: não acredito!
Abraço,
At 7:35 da tarde, H. Sousa said…
Acho excelente ideia, a do canto aberto. As pessoas têm que dialogar. É do diálogo que pode nascer algo, por isso se chama di-algo, que é o mesmo que "diz algo"! Acho que já estou a meter o pé na poça!!! E acho bem que o Ricardo diga frontalmente a sua opinião. Vamos tentar reconciliar-nos? Todos?
At 8:18 da tarde, Anónimo said…
Meu caro Ricardo.
Como se costuma dizer no Brazil, falar da descolonização e dos seus fautores é como "mexer em ninho de marinbondo".
Sabe, é que começamos com jeitinho de forma a não incomodar ninguém, mas quando recuamos à consciência do que se passou na época, o sangue começa a ferver e a revolta e indignação falam mais alto.
Penso saber que a essa altura você seria uma criança sem grande consciência para o que se passava à sua volta, como é próprio das crianças.
Devo dizer-lhe que admiro o conhecimento histórico que você denota sobre muitos assuntos, inclusivé os acontecimentos passados nessa época, mas lhe garanto com toda a honestidade, que uma coisa é saber-se o que se passou, outra bem diferente, é vivê-lo na carne.
E digo-lhe que quando vejo o PR condecorar bombistas e terroristas com a Ordem da Liberdade, quando olho à minha volta e vejo os actores (não sei com que protagonismo) dessa descolonização a viverem de previlégios que foram furtados, por muito que queira, não consigo enterrar "fantasmas".
E sabe porquê? Porque não são "fantasmas", mas sim uns gajos de carne e osso que lixaram a vida a um milhão de pessoas sem qualquer rebate de consciencia, apenas para defender as suas curtas e miseráveis visões geo-estrtágicas.
No outro dia, no "Prós & Contras", o Major Souisa e Castro disse "preto no branco", que todo o PREC teve apenas como finalidade a entrega de Angola aos Russos.
Você duvida disso? Duvida que enquanto se negociava no Alvor já havia "conselheiros" cubanos a entrar no território com total conhecimento do Governo Português?
Infelizmente fui de um tempo em que a História que estudávamos, sempre nos era apresentada pela visão "portuguesa" de acontecimentos que se calhar não nos honraram tanto como me fizeram crer nessas alturas, só que os protagonistas já estavam todos mortos e enterrados.
Temo, aliás tenho a certeza, de que a história da descolonização vai ter um branqueamento parecido, só que neste caso sou obrigado a "levar" com os protagonistas ainda vivos e a ufanarem-se de factos tristíssimos.
Olhe que ainda na campanha de 1986 (é fácil consultar artigos), Soares gabava-se de ter conduzido uma "descolonização exemplar", lembra-se disso?
Como já lhe disse noutra altura, se enterrassemos os "fantasmas" ainda Timor Lorosae seria a 27ª provincia Indonésia. Não esqueça de que Soares em várias intervenções públicas em diversas publicações, considerou que Timor era um assunto encerrado: Era Indonésia e acabou-se!
Desculpe esta longa prosa, mas de facto não consigo enterrar o que você chama de "fantasmas", pois para isso eles teriam primeiro de morrer para ganharem o estatuto de "fantasmas" que não são.
Um grande abraço.
At 8:27 da tarde, Anónimo said…
Acho interessante, que aqueles que se sentem espoliados das colónias, nunca se tenham lembrado que os nativos dessas “colónias”, eram eles mesmos espoliados e desprovidos de direitos; carne para toda a obra, bastava um pratito de comer ao almocinho, outro ao jantar e o pretinho ou o mulatinho era muito bem tratado, nunca saía das fazendas ou quintas, porque não tinham roupa, nem dinheiro, porque simplesmente não tinham nada que de lá sair. E as pretas, f…, era como coelhos.
Tinham tudo!
Ai como era tão belo os Pôr do Sol na Baía de Luanda, acompanhada de uma cerveja e travessas de camarão nas esplanadas, ou que linda era a cidade de Lourenço Marques, das mais modernas e bem planeadas cidades de África, obra de engenho e engenharia Lusitana.
Eram belíssimas e um sonho viver a “vida” nestas cidades, pois o “ irmão bastardo preto”, fazia a sua manutenção e todas as mordomias ao irmão branco tolerante e amigável.
Eu só gostaria de perguntar a um “retornado”, se nunca pensou que abusava de terra alheia, que para viver bem, os tais pretitos viviam quase na merda, mais ou menos a situação que vieram encontrar na Metrópole.
Sentem-se revoltados?! Também eu me sentiria e pensaria nos séculos de ódio acumulado ao longo dos vários períodos da sua História, pelos Angolanos, Moçambicanos e a outra “cambada de pretalhada” dos outros nossos paraísos coloniais.
Não se poderá cair na asneira de condenar os Portugueses pelo tráfico de escravos, pois a mentalidade desses séculos, não ilibava nenhum povo. Isto era um procedimento normal, fruto de uma época, onde a dignidade humana não era referência e preto não era humano, era mercadoria.
Nos nossos dias isto é deplorável e choca-nos, pois a nossa mentalidade é outra (?!), evoluímos (?!), a História é uma grande Mestra e conselheira (?!).
Nos alvores do Sec. XX, a escravatura já era largamente condenável, quanto mais na década de sessenta.
Dir-se-á que não havia escravatura nas nossas “colónias”, verdade, mas liberdade para o “preto”, é mentira.
Como poderia Portugal manter um Império, contra a vontade dos nativos Africanos?
Acharia Salazar que Portugal do Minho a Timor era uma realidade? Por ventura sim, pois quem governou este país como ele, amordaçando o povo e cingindo-o à ignorância, tal gonorreia mental seria perfeitamente possível.
Mas há sempre alguém que resiste, que é inconformado e não se deixa levar pelo vento caduco e apercebe-se que somos o país que somos, graças à nossa tenacidade contra os “Apetites Espanhóis”, ao nosso inconformismo contra os Franceses e à nossa saturação dos Ingleses, que quando começaram a mandar mais do que deviam, levaram com os pés.
Seremos nós diferentes dos outros povos?
Então os Africanos, dominados, mesmo que “carinhosamente” por nós, não se lembrariam disto? Não tinham o direito a ter a sua Pátria?
As coisas correram mal. Correram sim senhor, muito bem explicado pelo Ricardo no seu post, mas deixem-se de envergonhar-se a si próprios acusando este ou aquele de ter entregue as “colónias aos pretos”.
Tenham VERGONHA, não branqueemos a nossa História, assumamo-la tal como ela é e nos tornaremos MAIORES.
At 9:31 da tarde, Anónimo said…
Sr. "Anonymous".
A si não lhe vou responder, já que demonstra um total desconhecimento da História, do que se passou nessa altura e do contexto social e político em que as coisas se passaram.
O tipo de comentário que faz é igual aos que eram feitos por aqueles gajos de 74, de patilhas e calça à boca de sino, apenas para ficarem bem-vistos pelo regime da altura.
Com isto de facto não vale a perder tempo.
At 1:16 da manhã, Ricardo said…
TNT,
Quanto ao Canto Aberto estamos conversados! Espero que seja uma iniciativa com um balanço positivo, hehe
Eu estou reconciliado mas parece que a geração anterior nunca vai estar! É pena...
Abraço,
At 1:44 da manhã, Ricardo said…
Caro Velho,
Antes de comentar o teu interessante comentário queria agradecer a disponibilidade em dizeres o que te vem na alma aqui! Mais uma vez não estamos (totalmente) de acordo, mas que venha outro mal ao mundo...
Eu percebo a revolta e a indignação mas, da mesma forma que ao responderes (ou não responderes) a um comentário anónimo, tudo tem um "contexto social e político" (usando as mesmas palavras). E esse contexto faz-me afirmar que a situação estava inquinada à partida e há muito tempo que assim estava. Também é natural que com Portugal no estado que estava a atenção dos políticos estivesse dividida entre estabilizar um país em caos e fazer uma "boa" (será que existe?) descolonização.
Esses "gajos de carne e osso que lixaram a vida a um milhão de pessoas sem qualquer rebate de consciencia, apenas para defender as suas curtas e miseráveis visões geo-estrtágicas" têm diferentes graus de responsabilidade. Não é o meu objectivo fazer-te gostar de Soares mas é preciso relembrar que este nem era primeiro ministro, nem controlava o MFA, nem era Presidente da República. Era um MNE dum Governo provisório e nem detinha total liberdade de acção. Fez cagada? Mas concerteza, quem não faria? Aliás, fizeram todos! Mesmo assim não avalio negativamente o seu papel na história (pelo contrário), mas isso é só uma opinião e, por isso, vale o que vale!
Quanto ao papel russo e cubano em Alvor não tenho dúvidas que houve. Num período ideologicamente conturbado todos tentavam dar uma dentada nas colónias. Sá Carneiro e Spínola também andavam a ter encontros com o Nixon, é natural. Mas isso ainda mais veio trazer confusão a um país sem norte onde todos (repito, TODOS) fizeram asneira. Foi o legado duma guerra colonial que nos vai marcar para sempre. Mais recentemente, em Bicesse, tentou-se corrigir alguns erros do passado e veja-se que, mesmo com a diplomacia portuguesa estabilizada, não foi possível fazer quase nada. Os acordos só valem se as partes estiverem dispostas a cumpri-los. No Zimbabwe com a super potência inglesa metida ao barulho será que era possível evitar a expulsão dos ex-colonizadores, por melhor que estes tivessem feito?
Aproveito a tua dica da forma como a história era-nos ensinada para fazer um desafio: da mesma forma que eu sou da geração que branqueia a descolonização provavelmente o caro Velho (como todos os portugueses que viveram esse período) também não estava preparado para "desaprender" muito do que foi claramente manipulado na visão do mundo pelo Antigo Regime. Admito que não vivi os acontecimentos e estou condicionado a certas "verdades" mas isso também é válido para a percepção que houve da descolonização daqueles que também viveram com meias "verdades" tanto tempo. A mudança de mentalidades não é instantânea. Se hoje é consensual que não tínhamos o direito de manter colónias provavelmente na altura não era (hoje em dia aceitamos as resoluções da ONU com normalidade, na altura duvido que tenha sido assim). Espero ter-me feito entender sem mácula.
Quanto a Timor a história está mal contada. Hoje é líquido que o próprio Xanana planeava fazer o mesmo tipo de guerrilha que fez aos indonésios contra Portugal. Também hoje é conhecida a cobertura que os EUA fizeram à invasão (não podemos acusar Soares de estar do lado dos russos e depois dizer que afinal estava do lado americano). Se Soares achou, mais recentemente, que Timor era um dossier fechado enganou-se! Mas foram comentários do mesmo peso que eu comentar que o Tibete já é um dossier fechado. Ninguém adivinhava que era possível libertar Timor (não confundir com recuperar).
Caro Velho, as minhas palavras iniciais encaixam que nem uma luva para terminar este comentário: "É que passados mais de 30 anos da Revolução e da descolonização ainda há fortes divisões no país."
Gostava que assim não fosse!
Abraço,
At 1:55 da manhã, Ricardo said…
Caro anónimo e caro Velho,
O que o "anónimo" introduziu na discussão ainda é mais polémico, ou seja, que tipo de colonização foi empreendida pelos portugueses. E ainda mais polémico é resvalar a discussão para o racismo! E eu acho que o racismo é algo a combater nos seus moldes actuais, não valendo a pena entrar no masoquismo de avaliar o racismo dos portugueses há 30, 40 ou 50 anos atrás.
Temo que discutir este tema ainda traga mais divisões. Pessoalmente não estou habilitado para argumentar o dia a dia em África porque isso não se aprende com datas históricas. Mas é consensual que essa colonização esteve longe de ser exemplar. Não vou culpar quem para lá foi, somos todos filhos de um contexto! A visão de África pelo Antigo Regime não era uma visão de desenvolvimento equilibrado entre a metrópole e as colónias (nem há muitos exemplos históricos disso) e pouco mais adianta dizer.
O que já condeno e digo-o sem reservas são todos os que, hoje em dia, têm uma mentalidade racista. E isso existe em Portugal actualmente independentemente de ter ou não existido no passado. E contra isso já não tomo posições dúbias. Sou contra qualquer forma de racismo e digo-o sem reservas!
Abraço(s),
At 3:16 da manhã, Anónimo said…
Caro Ricardo:
sabe porque é que eu não suporto (o Rosa Coutinho já sabe porquê...) o Mário Soares? Porque um mês depois de Alvor o nosso Portugal teve, pela primeira vez, um vice-presidente da Internacional Socialista - à época essencialmente marxista-leninista. Soares sabia que o Alvor era areia para os olhos e uma promessa de paz que. embora não servisse para nada porque já tudo estava definido, caía bem no público em geral e dava-lhe imenso jeito em particular. E a ONU calava-se, talvez à espera do inevitável estoiro. Não gosto de falsos. É tudo e para mim chega perfeitamente.
Cumprimentos do 'anjinho amnésico'
At 4:29 da manhã, Anónimo said…
As palavras "retornados" e "espoliados" estão eivadas de preconceitos ideológicos refletindo roturas, ou crispações, que em nada ajudam ao debate sobre o nosso passado recente.
"Colonos" é a palavra que verdadeiramente identifica aqueles portugueses que viviam em Àfrica. A busca de oportunidades e melhores condições de vida levaram muitos portugueses a abandonar o seu país natal para se aventurarem noutras paragens, quer fosse nas colónias ou em países estrangeiros...
Com o fim da 2ª guerra mundial, o mundo mudou bastante, com a criação da ONU, os direitos humanos e da autodeterminação dos povos, que levou os europeus a negociar as independencias das suas colónias, salvo neste pequeno canto em que a teimosia de Salazar e a ganância da sua côrte insistia no "Portugal do Minho a Timor".
Até 1960, era mais fácil emigrar para França ou Brasil que para as colónias portuguesas (em que era sempre precisa uma carta de chamada).
Quando os africanos começaram a ganhar consciência da exploração que sofriam e se organizaram em movimentos de libertação, Salazar impulsionou a colonização - tardia e apressada. Foi essa falta de visão estratégica que nos conduziu para uma guerra insana e perfeitamente evitável.
E foram precisamente os nossos militares que no terreno compreenderam a inconsequência da guerra e se revoltaram, para lhe pôr um termo. Como podia um pequeno país como o nosso estar em tantas frentes de batalha a tantos quilómetros de casa?
O sucesso da revolução de Abril que nos trouxe a democracia, a possibilidade do debate e da inclusão no seio da comunidade europeia e internacional é irrefutável... Só não vê quem não quer: Portugal desenvolveu-se mais nos últimos 30 anos do que nos 60 antecedentes, e sem colónias... Esse estafado slogan de culpabilizar o Soares e o MFA da descolonização precipitada é não querer entender a dinâmica dos acontecimentos... Não meus senhores, em 1974, o caldo já estava entornado, os militares cansados e os soldados não atendiam a ordens, mas se a descolonização tivesse sido feita a seu tempo, em 1960, aí sim, poderia ter sido tudo diferente, sem traumas, nem sangue, nem desperdicio de vidas e recursos que poderiam ter sido aproveitados em desenvolvimento mútuo de todos aqueles que falam português independentemente da cor da pele ou do local de nascimento...
Em 1974, era já tarde demais, e por isso eu afirmo que o grande culpado da descolonização foi esse senhor sombrio de Santa Comba Dão, apenas e simplesmente porque não a fez em devido tempo.
At 2:01 da tarde, Ricardo said…
Anjinho Amnésico,
Mesmo que a relação entre os acontecimentos seja verdadeira insisto que é passado, insisto que não é 30 anos depois que devemos desenterrar o "lixo" porque, sobretudo, vamos descobrir podres em todos os políticos da altura. Todos negociavam com todos, não era uma característica única da esquerda (por alguma razão quem tinha encontros diplomáticos com os norte americanos era Sá Carneiro, por exemplo).
Quanto ao papel de Soares no Alvor não nos esqueçamos de dois pontos: o jogo já estava definido e não sobre valorizemos o seu papel. Mesmo o papel de Rosa Coutinho era mais técnico que político nessa conferência. Mas, repito, não sei os meandros da diplomacia e não me cabe a mim fazer declarações categóricas.
Abraço,
At 2:05 da tarde, Anónimo said…
Caro Velho da Montanha
Em tempos áureos havia um Velho do Restelo.
Na República, parece haver um Velho da Montanha, que anseia que do meio do nevoeiro lhe aparece El Rey D. Sebastião, esse mártir da Cristandade.
Fazia-lhe bem, ser mais modesto, rebater as “asneiras” dos outros e não imperativamente e sumariamente decidir da “ignorância” dos outros, pois eu também se calhar apetecia-me chamar-lhe alguma coisa, por tratar um tal de Sr. Duarte Pio de Bragança por Dom.
Vivemos em República e em Democracia e o Presidente da Republica é “ Sua Excelência “ e não o Jorge Sampaio.
Mas há coisas que não valem mesmo que se perca tempo.
Patilhas e calças à boca de sino, são inestéticas, usa-as quem quiser e quem as quis usar, como você pode e deve acreditar naquele gajo a quem você chama D. Duarte.
Eu sou Republicano, você Monárquico. Qual dos dois o mais ignorante?
Os meus mais sinceros cumprimentos e fique sabendo que até gosto e visito o seu Blog, só não gosto é que rebatam as minhas ideias com a simplicidade arrogante de “Ignorância”. Desmonte-as e mostre a sua razão.
Quanto ao meu “desconhecimento da História, do que se passou nessa altura e do contexto social e político em que as coisas se passaram.” – olhe que não… e olhe que não sou comunista.
At 2:12 da tarde, Ricardo said…
JP Peixoto,
Não quero recuar ainda mais na análise à descolonização porque senão ainda vamos chegar ao ponto de culpar outros quetiveram influência no Antigo Regime. Até hoje acho exemplar a forma como integramos a maior parte dos ex-PIDE's na sociedade porque se não o tivésssemos feito teríamos tido uma muito maior convulsão social.
Num ponto concordo inteiramente contigo... a dinâmica desta confusão toda foi criada por Salazar e não nos podemos nem devemos esquecer disso. Era insustentável manter as colónias e após uma guerra era muito difícil fazer uma transição mais proveitosa para todos.
O que me agrada especialmente é conhecer guineenses e angolanos com quem tenho boas relações e sem notar nenhum tipo de mácula pelo que se passou. E isso é que é o ideal!
O MFA cometeu muitos erros mas, mesmo assim, estou satisfeito com a velocidade com que a transição foi feita para um pluripartidarismo, e os diversos secretários gerais do partido tiveram muita importância nisso.
Obrigado pelo contributo. Abraço,
At 12:25 da tarde, Senador said…
Viva,
Ricardo, nos comentários que li fala-se muito dos espoliados e dos retornados mas pouco dos combatentes da guerra colonial. Alguém fala da revolta das forças armadas pela situação e da consequente revolução mas não acredito ser tão simplista assim.
Falo por experiência familiar porque o meu pai foi combatente na Guiné num dos piores períodos 67-68, e eu que o acompanho a vários almoços de reunião de ex-combatentes sinto que eles se sentem injustiçados com a forma como Portugal se livrou de um problema que tinha criado ao entregar assim os territórios. Não se pode considerar que houve descolonização propriamente dita porque isso implica um processo de transferência planeado e isso não foi o que aconteceu. Voltando aos ex-combatentes, e não falo de altas patentes mas sim homens que estavam diariamente no terreno, existe neles uma mágoa porque tendo sido forçados a irem para um combate violento, sofrerem consequências fisicas e psicológicas irreversíveis nunca se sentiram devidamente uma expressão de gratidão porque mesmo combatendo uma guerra injusta eles estavam a prestar uma serviço à pátria e nunca foram recompensados desse facto. A maneira como se acabou a guerra e se fez a descolonização só trouxe mais mágoa porque houve pessoas que ficaram com os louros e foram considerados "heróis" e muitos dos que combateram foram apenas esquecidos.
Abraço
At 1:21 da tarde, Ricardo said…
Senador,
Não podemos esquecer que entre o envio das tropas e a descolonização houve uma revolução. E também não podemos esquecer que era uma guerra que nunca ia ter resultados positivos porque, a partir do momento que começou, muito dificilmente ia haver um programa faseado aceite. Já dei o exemplo do zimbabwe onde a descolonização foi negociada em período de paz e com a diplomacia inglesa estabilizada e, mesmo assim, não foi possível evitar que os brancos tivessem que sair de lá mal começaram a ser ameaçados. Não havia soluções perfeitas...
Apesar de achar que a guerra não teve sentido porque devíamos ter descolonizado mais cedo continuo a considerar que não podemos confundir a guerra em si com os combatentes. A estes toda a justiça porque combateram por Portugal, independentemente da justiça da guerra.
Abraço e obrigado pela contribuição,
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