Filho do 25 de Abril

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quarta-feira, dezembro 15, 2004

(269) Dissecando a Dissolução

“Logo no primeiro dia, Santana mostou a sua essencial instabilidade e dali em diante, de episódio em episódio, o caos cresceu.”
Vasco Pulido Valente

Há alguns dias anunciei o meu Basta às Politiquices mas noto uma vaga de fundo que critica a dissolução. Falam em perigoso precedente constitucional, falam em falta de razões concretas para a dissolução, enfim, levantam-se as vozes outrora envergonhadas em defesa dum país atolado na lama. Em Portugal nunca se sabe o que se quer, e quando sabemos nunca ficamos satisfeitos enquanto não criticamos o que, em tempos, defendíamos. Não vou discutir os prazos do Presidente, nem a aprovação do Orçamento mas vou sistematizar, na medida do possível, as razões da dissolução para que não restem dúvidas que Portugal não podia continuar a viver nesta sucessão de surrealismo.

“Santana é um demagogo e demagogia vive do movimento, não se instala em São Bento a reformar discretamente a pátria. Precisa de inimigos, de escândalo, de aventura.”
Vasco Pulido Valente

1. Não tenhamos medo dos precedentes constitucionais. A situação tinha nuances que são importantes. Em Portugal as campanhas eleitorais centram-se nos líderes, e isso é inegável. Não basta pensar assim para dissolver uma Assembleia mas não podemos esquecer que quem escolheu Santana não representa a vontade popular, mas interesse partidários comprometidos com o poder;

2. O próprio partido que escolheu o sucessor de Durão teve, desde a primeira hora, um processo em crescendo de rejeição da escolha efectuada. O partido que suporta a maioria na Assembleia desagregava-se a olhos vistos perante a escolha da cúpula do partido;

3. Desde o início, o novo Primeiro Ministro dava provas que não tinha perfil para o cargo. Apresentou-se impreparado, sem noção do sentido de Estado e sucediam-se os episódios de degradação das instituições portuguesas. Não houve uma posse que não tivesse um episódio de puro desnorte e ligeireza na condução do Estado. Não houve um dia em que não houvesse confusões, desmentidos ou contradições em matérias importantes para o país;

4. A postura face à Comunicação Social era, no mínimo original. Por um lado, uma clara reordenação de tudo o que o Estado podia influenciar como se a imagem fosse o essencial, e o trabalho algo secundário. Por outro lado o Primeiro Ministro mostrava uma incontinência inimaginável de declarações, preocupado com coisas menores, respondendo a tudo e a todos. Um estilo que não podia trazer nenhuma serenidade ou rumo ao país;

5. Santana ia perdendo a credibilidade, essencial ao cargo, em cada proposta que fazia. Importava mostrar trabalho, mesmo antes de estudar o problema. As taxas diferenciadoras nos hospitais, os professores a assessores jurídicos, as baixas de impostos diárias eram cada vez mais motivo de chacota e desrespeito generalizado. Quem é que ainda o levava a sério? Se juntarmos a isso o estilo quezilento de quem parece estar a lutar com o mundo e só tem inimigos em todo o lado chegamos à triste conclusão que o clima era de guerra, e na guerra tudo valia;

6. Fala-se de reformas corajosas e que havia um rumo para Portugal. Nada mais falso! A Reforma das SCUT era um logro envenenada pelas indemnizações e pela interminável lista de excepções a moradores, empresas e afins. A Lei das Rendas não era mais que uma proposta menos corajosa do que a que Guterres chegou a aprovar e que nunca foi aplicada por Durão ter prometido subida de rendas sem obras dos senhorios, ainda por cima feita sem prever uma almofada Estatal suficiente para evitar um drama social. A grande Reforma Fiscal era o que se via, com recuos como na Zona Franca da Madeira e constantes desvirtuações à proposta original. A baixa do IRS era uma incongruência total até porque não tinha resultados nem para os contribuintes nem para o Estado, limitava-se a lançar sinais contraditórios na economia. Todos os dias havia a necessidade de Santana falar em baixa de impostos, em ser popular e admirado, e daí resultou até uma Conversa em Família Marcelista onde prometia tudo a todos. O impacto real dessa descida era prontamente desmentido pelo próprio Ministro das Finanças só servindo para lançar a confusão na já desorientada sociedade civil;

7. Na economia tanto falava-se de rigor como de fim do rigor. A credibilidade externa diminuia tornando Portugal num país com taxas de juro menos favoráveis na concessão de crédito, tal era o risco associado ao desnorte das políticas económicas. A economia voltava a cair no terceiro trimestre não havendo nem uma política de emprego nem planos para a retoma industrial. Em 2005 já se previa um défice de 4 a 5% (sem medidas extraordinárias) e que Portugal vai ser das 20 economias do mundo que menos vai crescer. Já ninguém percebia se o consumo era a aposta para o crescimento da economia, se eram as exportações ou se simplesmente o crescimento ia ser importado do exterior através de generosas ofertas de mecenas rendidos ao visionário e carismático Santana;

8. O próprio Santana, como depois se veio a descobrir, ponderou várias vezes a demissão sentindo que já não tinha margem de manobra. O seu derradeiro suicídio deu-se quando desesperado, em pleno acto oficial, comparou-se a um bébe numa incubadora que só recebia estaladas e pontapés dos irmãos mais velhos. A sua continuidade ia revelar um animal ferido, sedento de sangue e guerra, que se alimenta dos inimigos que faz questão de criar em todo o lado! Santana Lopes é quezilento, demagógico e populista! É a sua natureza que aliada à falta de legitimidade não criou um perigoso precedente mas uma situação perfeitamente irrepetível na nossa Democracia.

Despreocupem-se aqueles que pensam que depois disto qualquer Presidente pode dissolver maiorias. O contexto era tão grave que só pessoas de memória curta e má fé podem defender o contrário. Não tentem reescrever o passado pintando-o das cores do arco íris porque é hora de revoltarmo-nos contra a pobreza de ideias, a falta de seriedade e a incompetência galopante. Se Santana voltar a ganhar aí sim terá toda a legitimidade para ser o que é, para ser populista, demagógico e incompetente, porque essa será a decisão soberana dos portugueses. Até lá ninguém autorizou seja quem fôr a brincar às vaidades pessoais nos cargos que gerem os nossos destinos, por isso nada mais simples que defender esta dissolução como algo natural, que não cria nenhum perigo ao nosso Semi Presidencialismo, só o reforça....

Estou farto do compadrio à mediocridade neste país que tem que, pelo menos, respeitar todos aqueles que, ao longo de séculos, construíram a nossa identidade. Considero-me uma pessoa tolerante, dentro da minha intolerância, mas como posso defender uma noção romântica de estabilidade, envenenada de tal forma por um Primeiro Ministro que tem o mesmo comportamento dum animal ferido, que vê por detrás de cada câmara de televisão um potencial inimigo, que leva a cabo uma guerra sem fim nem propósito porque só assim é que sabe sobreviver? Qual é o problema de dissolver uma Assembleia para expulsar ou legitimar um ego desmesurado e descontrolado do leme do país?

E agora sim que venham as propostas para o país porque estou desejoso de ir votar!

5 Comments:

  • At 1:31 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Carlos (Micróbio) ... eu não apelei ao voto em ninguém, simplesmente defendi a dissolução. Quando um Governo perde a legitimidade e a credibilidade, só esbraceja e não governa. Era o que tinha acontecido. Se a Coligação voltar a ganhar aí terá oxigénio para trabalhar!

     
  • At 6:00 da tarde, Blogger Politikus said…

    Hum complicada a questão que colocas, não dá para comentar por aqui. Ps-Como a opção do meu partido não me agrada, vou votar em branco...

     
  • At 7:13 da tarde, Blogger Politikus said…

    Acabou de me passar pelas mãos uma sondagem quase pronta sobre a popularidade partidária... nem imaginas como o PSD subiu nas sondagens. Até mete medo.

     
  • At 7:26 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Caro Polittikus... já calculava que isso estava a contecer. A minha sondagem estava já a ser feita junto às pessoas que conheço e, para espanto meu, a vitimização é uma arma poderosa porque só importa o que acontece no dia, não o que aconteceu ontem. Eu já escrevi aqui que não basta um candidato ser mau, o outro também tem que ser mobilizador! Eu acho que Santana Lopes, se for reeleito, vai ter mais espaço para respirar e não vai ser tão apocalíptico, mas continua a ser uma má solução para este país que está a precisar de reformas sérias e seguras, não de reformas erráticas ao sabor da imagem. Mas é o povo que mais ordena...

     
  • At 11:46 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Quim... obrigado pelo contributo à discussão do tema! E parabéns pela beleza do teu blogue que não tive o prazer de conhecer!

     

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