Filho do 25 de Abril

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terça-feira, fevereiro 08, 2005

(320) Páginas Soltas (12): O Dragão de Fumo, de João Aguiar




“É tão fácil, tão horrivelmente fácil despertar os dragões adormecidos e perder os caminhos das nossas várias santidades. É tão fácil. Basta um insignifante estímulo.”

Há muito tempo que não lia um livro tão bem escrito dum escritor português. Digo isto porque a linguagem é moderna e simples, sem abusar de adjectivos inúteis! Adicionalmente não tem o filtro das traduções, o que torna o livro ainda mais aliciante.

“Macau, explica então, macau é um pequeno universo difícil de aprisionar dentro de modelos que não sejam o seu próprio. Dificilmente cabe nos nossos preconceitos lusitanos e não cabe de todo nos outros preconceitos, orientais ou ocidentais. Esse universo, podemos ignorá-lo, desprezá-lo, mascará-lo, podemos fazer tudo excepto capturá-lo dentro dos limites estreitos da lógica comum. E até mesmo fisicamente, ninguém lhe pode reter a memória certa. É um dragão, porque a China é terra de dragões. E é feito de fumo porque basta-lhe um momento ou um sopro para que a sua forma se altere e o que ontem foi deixe hoje de ser.”

O pano de fundo da história é Lisboa e Macau, antes da transição para a China. As personagens são introduzidas em diferentes fases da história mas essa sequência não significa obrigatoriamente que as personagens centrais sejam as que aparecem primeiro. O autor consegue dar a impressão que todas as personagens são importantes, mesmo antes de terem aparecido na narrativa.

“Porque ele, contra a sua vontade e contra a sua racionalidade, não consegue libertar-se da ideia de uma Rita demasiado jovem, demasiado inexperiente e indefesa. Quem instalou em nós o sistema do instinto paternal não lhe programou a desactivação automática, o que só confirma as minhas ideias sobre as deficiências da Criação.”

Cada acontecimento é narrado conforme as várias perspectivas e mesmo o estilo de escrita adapta-se à personagem. Adriano, o escritor, é mais filosófico, sempre com uma reflexão na manga. Já Rita, a professora, filha do primeiro, é mais pragmática e é sempre curiosa em relação ao mundo. Cada um deles tem uma história comum e separada e, por vezes, nem parece que estou a ler o mesmo livro nas suas diferentes fases.

“Fala-se tanto em liberdade mas é ridículo, uma vez que não dispomos da única liberdade fundamental, que é a de nascer ou não nascer.”

“Afinal de contas, não se pode andar sempre com a cabeça cheia de grandes desígnios, aliás isso não faz bem á saúde. Uma cabeça permanentemente ocupada com grandes desígnios ou pertence a um santo ou a um fanático e o mundo, que parece ter esgotado a sua capacidade para produzir santos, anda a parir fanáticos em excesso.”

O livro não é perfeito. A sua faceta de livro policial é eficaz mas tem dificuldade em concretizar a sua utilidade para o livro e parece haver uma discrepância entre a sua real importãncia para a cidade de Macau e a importância que o autor lhe quer dar. As relações pessoais estão bem construídas mas são, muitas vezes, inconsequentes. Há uma certa nostalgia presente nas personagens e no autor que afecta os dois, porque parece que só o passado altera significativamente as vidas...

“Com um gesto de rendição irónica, declara: não quero engalfinhar-me filosoficamente ou teologicamente consigo, só acrescento uma coisa. Houve tempo em que eu pensei: muito bem, aceitemos que o mundo parece absurdo, mas há a considerar a procura da transcendência, que é também a procura de um sentido, e essa é uma constante, é uma obssessão do Homem, e só isso tem já um significado, talvez andemos todos, por vias diversas, à procura da matriz, ou da origem, ou da pátria inicial e invisível, e portanto essa obssessão faz parte da nossa natureza, foi inscrita no ADN de toda a gente, o que prova que ela encerra um objectivo e uma verdade qualquer. Mas basta olhar à nossa volta para entender que a tal obssessão desapareceu. A transcendência, quando muito, é agora um efeito especial em certos filmes que misturam sabiamente, porque bilhiteira obriga, a mística, o kung fu e a queca, salvo o devido respeito.”

Recomendo a leitura!

1 Comments:

  • At 9:23 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Olá
    Estou fazendo um trabalho sore «o dragão de fumo» e o seu autor e gostaria de mais comentários se alguém se disponibilizar a dar a sua valiosa opinião...
    Francisco
    mooncelts@hotmail.co.uk

     

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