Filho do 25 de Abril

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quinta-feira, março 10, 2005

(354) Quadratura do Círculo




A Quadratura do Círculo apaixonou durante séculos os matemáticos. Construir um quadrado com a mesma área de um círculo dado não era tarefa fácil. No século XIX Von Lindemann provou que π (pi - razão entre o perímetro e o diâmetro do círculo) é transcendente, pelo que é impossível efectuar a quadratura do círculo apenas com régua e compasso como os Gregos tentavam. A Quadratura do Círculo passou a designar algo impossível de obter...

Mas não é de matemática que quero falar hoje mas sim do programa de debate com o mesmo nome que passa na SIC Notícias. Só por ser um dos programas mais antigos de debate político na realidade portuguesa já merece umas palavras de apreço. Mas também não estou aqui para lançar elogios fáceis ao programa. É que o painel de comentadores no programa é uma imagem nua e crua do que representam os partidos hoje em dia, no seu melhor e pior. Já não é a primeira vez que defendo que o verdadeiro problema da nossa democracia não é o sistema eleitoral nem a Constituição mas sim o funcionamento interno dos partidos. Cabe-me agora tentar provar que Pacheco Pereira, Lobo Xavier e José Magalhães também são parte do problema apesar da imagem de desprendimento que (uns) gostam de publicitar.

José Magalhães, sem discutir as suas qualidades profissionais, representa o homem leal do partido que é cego na sua defesa. Não há nenhuma matéria em que tenha a coragem de atacar o seu partido. Não diria que é o verdadeiro homem do aparelho pois o verdadeiro homem do aparelho tem a inteligência de estar sempre de acordo com o partido numa solidariedade amoral mas também sabe quando deve criticar algumas trivialidades internas que nunca atingem ninguém em particular. Nesta óptica José Magalhães é aquele que não esconde o que os partidos, enquanto entidades com inteligência artificial, querem verdadeiramente dos seus militantes, ou seja, obediência cega. José Magalhães é, assim, o último dos românticos ingénuos porque não sabe disfarçar o que, na realidade, todos fazem.

Lobo Xavier gosta de estar dentro e fora ao mesmo tempo. Voa sobre a estrutura do partido, nunca pousa mas também nunca se afasta. Adora virar-se para José Magalhães e colocar aquela expressão digna dum sangue azul e dizer: “Eu sou independente!”. Mas estes anti-heróis dos partidos têm uma particularidade curiosa já que conhecem e respeitam as regras dos partidos. Não é o país que os move mas uma noção de serviço (mascarado de classe e rigor) aos partidos que pertencem. Ainda há pouco tempo Lobo Xavier virava-se para Pacheco Pereira e enunciava a longa lista de regras que um militante deve ter com o seu partido. Uma delas é não criticar o partido em vésperas de eleições e que esse desrespeito se paga caro. Por isso o seu constante distanciamento virtual não existiu em vésperas de eleições. Mais um serviço prestado ao partido ao invés de defender quem o partido verdadeiramente representa.

Pacheco Pereira é o caso mais paradigmático. Eu admiro a sua coragem e quanto a isso faço a minha devida vénia. Mas ninguém pense que o seu distanciamento é levado às últimas consequências porque Pacheco Pereira também é um homem pragmático. Durante meses criticou abertamente Santana Lopes em termos que vão muito além da crítica interna (que verdade seja dita é muito inconsequente nos partidos) à liderança ideológica do partido que é militante. Falou em termos de desgraça nacional, do que Portugal sofria às mãos deste populista. Mas, no fim, votou Santana Lopes explicando que elegia deputados e que acreditava na regeneração do seu partido. Nem é preciso desmontar este raciocínio porque o próprio raciocínio faz esse trabalho sozinho e sem ajuda. Afinal não era Portugal que estava em jogo. Depois das eleições falou dos seus sacrifícios pessoais, os do passado e os do futuro, porque, segundo o próprio, a única coisa que fez foi defender Portugal mas agora é natural que o partido castigue quem não foi solidário com a desgraça. Depois do mea culpa esquece-se de toda a sua independência e volta ao seu desporto favorito que é criticar de forma agressiva e paternalista José Magalhães. Mas desta vez nota-se o desespero de quem precisa criticar agressivamente tudo o que o PS vai fazer porque, no fundo, com a sua oposição a Santana também ele perdeu a sua independência. Veja-se que elogiar o PS nos próximos meses destrói definitivamente a esperança que o PSD o perdoe e, sobre esta perspectiva, o seu ensaio de independência retirou-lhe a própria independência para avaliar racionalmente as decisões dos vários partidos.

Desengane-se quem pensa que eu critiquei algum destes comentadores. Só os mais distraídos não notam que eu fiz um largo elogio à capacidade pragmática de cada um deles se posicionar na realidade em que vivemos, com as regras que nós próprios resolvemos construír ao longo da nossa curta permanência na Terra (também temos culpa ao permitir que os partidos funcionem de forma anti democrática). Nenhum de nós tem independência porque queremos sobreviver e precisamos da liberdade que nos oferecem, da comida que conquistamos e do respeito que impomos. No fundo é a Quadratura do Círculo.

P.S. Parece que José Magalhães vai ser substituído por Jorge Coelho. Respira o PS de alívio e, na minha opinião, também o PSD (acredito que a presença de José Magalhães proporcionava o ambiente certo para Pacheco Pereira criticar o seu próprio partido, por não existirem verdadeiros antagonistas no programa e por Pacheco Pereira fazer questão de sublinhar que é muito diferente no tipo de militância que pratica). Espero que José Magalhães consiga colocar a sua competência técnica ao serviço do país.

5 Comments:

  • At 10:59 da tarde, Blogger Pedro F. Ferreira said…

    Mais uma vez, um excelente post.

     
  • At 11:50 da tarde, Blogger Ruvasa said…

    Viva, Ricardo!

    Pois, no meu ponto de vista, se não criticaste, a simulação é genial; se elogiaste, saíste-te menos certeiramente.

    É que acertaste mesmo onde devias. Quando dizes que “a capacidade pragmática de cada um deles se posicionar na realidade em que vivemos, com as regras que nós próprios resolvemos construír ao longo da nossa curta permanência na Terra (também temos culpa ao permitir que os partidos funcionem de forma anti-democrática)” estás, mesmo que disso não te tenhas apercebido, por força da velocidade adquirida no acto da escrita, a dizer tudo, sim, mas “a contrario sensu”.

    É que, Ricardo, essa capacidade pragmática de cada um deles se posicionar, etc., na verdade não existe. Porque só poderia existir se eles tivessem que se “pragmatizar” perante “status quo” para o qual não tivessem contribuído decisivamente, mas, isso sim, a que tivessem de se adaptar, por força de circunstâncias que lhes fossem alheias.

    Ora, sabes bem, todos sabemos perfeitamente que não foi isso que aconteceu. Porque o “status” a que chegámos resulta exclusivamente da actuação deles e de outros como eles, não da nossa. Porque eles é que tinham os meios, dispunham das ferramentas para a construção de algo. É à sua incapacidade de se subtrairem à pequena política da intriga palaciana, buscando realização em obra de maior fôlego e utilidade, que terá que se atribuir a quase totalidade da responsabilidade da sociedade política - de que resulta tudo o mais - que vivemos.

    A nossa responsabilidade no assunto mora apenas na circunstância - gravosa, é certo - de não termos sabido elevá-los ao "podium" que lhes cabe por "direito" próprio, substituindo-os por outros mais adequados. Mas ainda estamos a tempo. Espero.

    Bastará que te entregues ao ensaio de uma resposta adequada – ou seja, com a enumeração de factos concretos que autorizem a que, sem receio de desmentido, se afirme pela positiva – a esta simples e ingénua pergunta:

    - Que é que qualquer destes senhores – uns menos outros mais, outros ainda nem mais nem menos, evidentemente – realizou de concreto na grande política (que não na pateguice de páteo de aldeia, nem no “wiseguyismo” de engana tolos, menos ainda na política de bastidores e definitivamente que não nas florentinices bacocas) em utilidade real para a construção da sociedade democrática que há trinta anos se tenta erigir no país?

    “Ubi” encontrares a resposta a esta pergunta concreta a pedir resposta concreta ela também, sem tibiezas e tergiversações, “ibi” terás perante ti o que, na verdade, fizeram por Portugal.

    Ensaia lá isso e logo verás a conclusão a que chegas.

    É que, sabes?, não é só o círculo que não se compagina com o quadrado e vice-versa...

     
  • At 12:11 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Caro Ruvasa,

    Por vezes a ironia esconde a opinião que temos. Terá sido uma crítica? Um elogio?

    Há perguntas que também não precisam ser respondidas porque nós sabemos que a resposta é simples demais!

    Um abraço e obrigado pelo comentário,

     
  • At 2:17 da manhã, Blogger Unknown said…

    Para começar π é um número irracional. Não sei onde foste buscar essa do transcendente.
    Depois o Magalhães é a perfeita definição da fidelidade canina.
    Ainda me lembro dele na Assembleia e defender energicamente o PC, pouco tempo antes de passar a defender energicamente o PS.
    Creio que o Magalhães não traz nenhum valor acrescentado ao Ps e nunca percebi a importância que o PS lhe dá.

     
  • At 5:06 da tarde, Blogger Ricardo said…

    “Para começar π é um número irracional. Não sei onde foste buscar essa do transcendente.”

    Esclarecimento:

    O número é definido como sendo a razão entre a circunferência de um círculo e o seu diâmetro. Mas este número tem outras personalidades. É também um número irracional e um número transcendente.

    Como é um número transcendente, não pode ser expresso por meio de um número finito de operações racionais e raízes reais. Daqui resulta a impossibilidade da quadratura do círculo recorrendo apenas ao compasso e à régua não graduada.

    Pode-se provar que o número pi é irracional e transcendente.

    Um número diz-se irracional quando não pode ser representado por uma fracção de dois inteiros e transcendente se não anular nenhuma função polinomial de coeficientes inteiros.

     

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