638. Pontos de Vista - Madeira: Desenvolvimento socioeconómico
Perante o desafio de escrever sobre um tema tão vasto como este corro o risco de abordar vários temas e não concretizar nenhum. Por isso em vez de falar na evolução dos indicadores económicos e sociais, dos bairros sociais, da sempre polémica Zona Franca ou da pobreza (camuflada ou não) na Região, vou simplesmente concentrar a minha análise no desenvolvimento de infra-estruturas e no seu modelo de financiamento.
Convém, perante este tema, fazer uma importante nota introdutória. Quando troco impressões com pessoas que moram no Porto e que visitam com regularidade a Madeira – ou que pelo menos já o fizeram mais do que uma vez – fico sempre com a impressão que ficam espantadas com a quantidade de obras que o Governo Regional é capaz de fazer em meia dúzia de anos. E isso é consensual, ou seja, a Região Autónoma da Madeira (RAM) é um verdadeiro estaleiro de obras públicas que muda a mobilidade na Madeira com profundidade de poucos em poucos anos (agora geralmente com os ciclos eleitorais, ou seja, de quatro em quatro anos). O desenvolvimento pode ser ou não sustentado – segue a minha opinião mais abaixo – mas a qualidade de vida deu um salto inquestionável nas últimas três décadas com a multiplicação de espaços de lazer, com a renovação dos espaços públicos e das cidades e com as distâncias a diminuírem de forma abrupta com os túneis, as pontes e as vias rápidas a crescerem como cogumelos.
Posto isto vamos ao que interessa, ou seja, como explicar este aparente sucesso? Ou melhor, como é financiado?
1. Apesar das minhas dúvidas quanto ao modelo de desenvolvimento adoptado pelo Governo Regional há uma vantagem que é inquestionável, ou seja, o aproveitamento dos Fundos Comunitários! A Madeira é a região do país com a maior taxa de execução dos Fundos Comunitários e para o período 2000-2006 o valor dos projectos aprovados já é superior às ajudas que o terceiro quadro comunitário de apoio (QCAIII) tinha disponibilizado para a Região. A taxa de execução foi de 101,5% aproveitando fundos que outras regiões não aproveitaram;
2. Os problemas começam a surgir quando analisamos com mais pormenor o modo como a RAM arranja o financiamento para suportar o que a UE não comparticipa. Em 2002, por exemplo, a dívida pública regional, directa e indirecta, atingiu, respectivamente, 443,2 milhões de euros e 198,3 milhões de euros. Só nesse ano as responsabilidades assumidas e não pagas pela Região aumentaram cerca de 59,5 milhões de euros. O saldo primário – sem juros da dívida pública – foi negativo em 41,6 milhões de euros o que representou um agravamento de 327,1% face ao ano anterior. Convém perceber um pouco melhor o que se passa. O endividamento na Madeira cresce a este ritmo assustador não porque tem aumentado a sua margem de contraír dívidas mas porque o Governo Regional, assim como muitas das autarquias no país, arranjaram uma forma original de financiar as suas despesas, ou seja, a criação de empresas municipais e sociedades de desenvolvimento (SDM). Grande parte das dívidas indirectas aparecem através destas sociedades que garantem que as obras sejam feitas com menos burocracia e com uma maior capacidade de endividamento. As Câmaras Municipais na Madeira têm uma intervenção cada vez mais limitada perante o poder decisório destas Sociedades. A situação torna-se mais dramática uma vez que novo empréstimo directo foi inscrito no Orçamento Regional para 2006 mas as novas regras exigem que este seja autorizado pelo Ministro das Finanças e este parece pouco disposto a isso. É curioso como a verba foi inscrita sem a prévia autorização e suspeito que este “caso” ainda vai ter um desfecho curioso;
3. Outra das formas encontrada para financiar este ritmo de construção foi o contrato de concessão das portagens virtuais das vias rápidas entre o Governo Regional e a Vialitoral, SA. A prática trata-se de mais um empréstimo camuflado, ou seja, uma empresa privada empresta a juros galácticos dinheiro fresco ao Governo Regional. Na duração do contrato está previsto que o GR pague pelo menos quatro vezes o que recebeu. O mais curioso é que o GR é accionista da Vialitoral, SA o que torna o negócio algo surrealista. Note-se que o cálculo da manutenção das estradas é de 10% das portagens cobradas. No fundo estamos perante mais uma forma camuflada de endividar a região. As consequências destas políticas vou aprofundar mais no último post desta iniciativa, Perspectivas para o futuro;
4. Outra questão que posso levantar é se o dinheiro dispendido nas infra-estruturas é gasto ou não de forma eficiente. A lei nacional só permite desvios nos custos das obras encomendadas pelo Estado de 25%. Na Madeira há um viaduto que atingiu 2800% do valor orçamentado e acima dos 300% ainda houve mais três casos denunciados pelo Tribunal de Contas.
Não há um limite de palavras combinado com o Bruno para tratar cada tema sobre a Madeira mas sinto que é a altura certa para concluír o meu raciocínio. Em primeiro lugar concordei que há obra feita, depois analisei alguns dos aspectos preocupantes do seu financiamento e da eficiência ao nível dos seus custos de construção mas fica uma pergunta por responder, talvez a mais importante, ou seja, qual é a real utilidade destes investimentos?
Numa primeira fase a prioridade na construção de infra-estruturas foi na mobilidade rodoviária e muitos perguntam se há massa crítica para sustentar este tipo de investimentos. Será que há condições para estas infra-estruturas gerarem receita que permita compensar os seus custos de construção e manutenção? Apesar de não ter resposta para esta questão – suspeito que sei mas não tenho números – aceito como prioritário a construção desta rede de estradas (que agora vai-se estender a toda a zona Norte da ilha). Numa segunda fase, mais recente, a aposta foi em zonas de lazer – marinas, praias artificiais, zonas balneares, parques temáticos, entre outros – e pode-se dizer que são equipamentos fundamentais ao turismo. Novamente não tenho números mas aqui já arrisco defender que a qualidade da construção, o laxismo no planeamento das obras e o abandono dos estaleiros no pós eleições trouxeram muito pouco valor acrescentado à Região.
Em jeito de conclusão diria que a Madeira deu um salto gigantesco nas últimas três décadas mas não posso deixar de sublinhar que as opções de financiamento limitam excessivamente o seu futuro. Adicionalmente suspeito que os contratos de manutenção lesam excessivamente as contas da região e que é preciso ter em atenção que há um certo laxismo na construção na Madeira que se reflecte também em obras mal planeadas e executadas que, ainda por cima, têm graves desvios nos custos. Por fim preocupa-me a falta de preocupação em que muito do investimento efectuado na Madeira gere retorno e se baseie na criação de riqueza uma vez que o modelo revela-se pouco sustentável – julgo mesmo que os estudos de vialbilidade económica não foram feitos em muitas destas obras – e onera cada vez mais o Orçamento Regional em juros da dívida e manutenção o que não é compensado pela geração de riqueza. Sem deixar de compreender que é difícil haver um modelo de crescimento económico sustentável na Madeira não deixa de ser visível que o modelo actual já está esgotado há muito tempo mas continua a obsessão em fazer investimentos, sejam eles quais forem, em nome dum modelo de utilidade bastante duvidosa.
Nota Final: Sobre um problema paralelo a este, as expropriações, aconselho a visita ao blogue Estranho Estrangeiro (1) (2) (3)
Adenda: Este post insere-se numa iniciativa conjunta entre este blogue e o blogue Bodegas. Para consultar o post com o mesmo tema no blogue do Bruno pode clicar aqui!
13 Comments:
At 3:36 da tarde, Platero said…
Concordo totalmente com o teu post sobre a Madeira, e fazes uma análise séria do estado das contas públicas na RAM.
A minha empresa deixou há alguns (2 ou 3)anos de trabalhar na RAM, devido a outro componente muito importante da Economia da Madeira, que é financiada pelo OGE e pelo Orçamento Regional, mas que não produz riqueza para a Região, mas enriquece uns quantos, bem posicionados na estrutura da RAM, e que é a "economia paralela".
Por ser absolutamente contra este tipo de economia, que lesa o conjunto dos cidadãos contribuintes, deixámos de ter negócios com algumas empresas da Madeira, pois parece ser "normal" existirem umas quantas verbas que deverão passar ao lado dos canais normais e oficiais.
Um abraço e boa semana
At 4:11 da tarde, Anónimo said…
Não digo que concordo nem que discordo com a forma da RAM conseguir arranjar os dinheiros para o seu desenvolvimento.Costuma-se dizer no aproveitar é que está o ganho e a RAM sabe muito bem como o fazer.Existe tantas formas de conseguir esses dinheiros que nada me admira.Se é para melhorar a qualidade de vida da população, então estou de acordo mas se é para uns quantos se aproveitarem, discordo totalmente.Um abraço.
At 6:06 da tarde, Unknown said…
Ricardo,
Mais um poste como este e torno-me fã incondicional do Jardim...
Um abraço
At 8:24 da tarde, Ricardo said…
Platero,
Obrigado pela participação!
Conheço vários casos de "economia paralela" na Madeira a falar com amigos. Como não posso concretizar nem sei a real veracidade não posso acrescentar nada.
O que é "normal" é que passa a ser preocupante, porque deixa de ser a "excepção"!
Abraço,
At 8:27 da tarde, Ricardo said…
Arte por um Canudo,
A minha exposição sobre o desenvolvimento da Madeira deixa liberdade suficiente para haver quem concorde ou quem discorde do modelo de desenvolvimento.
Confesso que não é fácil ter um modelo de desenvolvimento numa ilha que seja reprodutivo, ou seja, que gere retorno e riqueza suficiente para pagar o investimento. Mas tenho algumas discordâncias de fundo quanto às opções tomadas.
Abraço,
At 8:31 da tarde, Ricardo said…
Raio,
O meu objectivo não é formatar opiniões!
Aqui dá-se pontos de vista (título da iniciativa com o blogue Bodegas). Por isso é normal que concordes ou não com a exposição que fiz e com o modelo de desenvolvimento que foi implementado na Madeira.
Abraço,
At 9:27 da tarde, Unknown said…
a madeira...não é uma republica????
se não é por vezes parece....
At 10:43 da tarde, H. Sousa said…
A Madeira desenvolveu? Sem dúvida!
Mas à custa da chantagem que AJJ faz com a independência. Legítima a chantagem? Talvez...
At 10:56 da tarde, José Raposo said…
A madeira é uma realidade que não conheço bem... a monopolização que o Alberto João faz das noticias que chegam da maneira, tb não ajuda muito. De qualquer forma parece-me que a vossa iniciativa é uma excelente ideia.
At 11:02 da tarde, Ricardo said…
Carlos,
Não, felizmente não é. Nem é esse o desejo dos madeirenses ;)
Abraço,
At 11:05 da tarde, Ricardo said…
TNT,
Como está bem descrito no blogue do Bruno a Madeira já é a segunda região mais rica de Portugal. O desenvolvimento é um facto.
A chantagem é um bluff porque acredito sinceramente que ninguém - ou pelo menos não num número significativo - quer a independência. Somos todos portugueses e com orgulho.
Abraço e obrigado pela visita,
At 11:06 da tarde, Ricardo said…
José Raposo,
Esta é uma oportunidade para, nos dois blogues, ficares a perceber um pouco melhor a realidade madeirense.
Concordo que o estilo de AJJ prejudica a imagem do madeirense mas sobre isso vamos falar mais para meio da semana.
Abraço,
At 2:01 da manhã, Anónimo said…
Dor de olecrânio é triste!
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