Filho do 25 de Abril

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domingo, novembro 20, 2005

631. Em DVD: Ganhar a Vida



Realizador: João Canijo
Elenco: Rita Blanco, Adriano Luz, Teresa Madruga

“Eu queria só dizer uma coisa! A gente tá aqui no que é nosso. É isto que eu queria dizer! Meu filho foi morto mas parece que ninguém se importa. Ninguém quer saber. É como se não tivesse acontecido nada. Mas eu acho que vocês deviam de importar e deviam querer saber. Deviam querer fazer qualquer coisa. A gente vive aqui, a gente não vive noutro lado. A gente tá aqui no que é nosso. E os nossos filhos nasceram na França, falam francês, esta é a terra onde eles nasceram e é a terra que a gente escolheu para eles crescerem. É isto que eu queria dizer!”
Cidália (Rita Blanco) no filme Ganhar a Vida




“Ganhar a Vida” é um filme mais actual que nunca! O filme estreou em 2001 mas ajuda, e muito, a levantar o véu sobre o que se passa actualmente nos arredores de Paris. Não estou a exagerar ao afirmar que João Canijo consegue fazer-nos compreender não o como mas o porquê da actual tensão nas comunidades emigrantes nos subúrbios de Paris apesar deste filme já ter alguns anos. É a revolta das segundas gerações perante uma falsa integração, uma ausência dum sentimento de pertença. O resultado é uma comunidade isolada, fechada dentro de inúmeras pequenas associações, resignada aos factos até aparecer... Cidália (Rita Blanco).

Após o assassinato do filho – e a história do assassinato é o que menos importa neste filme e até é a sua parte menos conseguida – e perante a indiferença das autoridades, Cidália resolve questionar tudo. Mas pouco a pouco começa a aperceber-se que ninguém a quer ajudar. Os seus compatriotas não se sentem à vontade para exteriorizar a sua revolta e utilizar os seus direitos reivindicativos. No fundo não se sentem em casa nem têm um sentimento de pertença. Apenas sobra um mecanismo de sobrevivência que os obriga a tentarem passar despercebidos. Encontra-se, neste filme, uma comunidade resignada mas com um sentimento crescente de revolta nas segundas gerações de emigrantes porque não se sentem cidadãos de primeira, com ou sem razão em terem esse ressentimento (o meu objectivo não é analisar isso neste texto).

Será que os nossos emigrantes são quem melhor definem a nossa identidade? Eu acho que sim! A música popular (a sequência com a participação de Romana é excelente), os trajes e costumes, o futebol, o bacalhau, a resignação a trabalhos dignos mas subservientes parecem encaixar que nem uma luva na nossa alma. Mas são essas mesmas pessoas que já não têm nação porque nunca vão ser cidadãos plenos do país para onde emigraram nem nunca mais vão conseguir estar plenamente integrados no país de onde vieram. E aqui é que começa o verdadeiro problema, ou seja, a segunda geração. Como Cidália disse “os nossos filhos nasceram na França, falam francês, esta é a terra onde eles nasceram e é a terra que a gente escolheu para eles crescerem”. A segunda geração já não se resigna porque não entende porque é que têm que ser cidadãos de segunda. Todo este contexto é retratado de forma singular e realista neste filme.

Só quero acrescentar duas notas finais. Comprei este filme porque gostei da última obra de João CanijoNoite Escura – e porque aprecio o trabalho de Rita Blanco, uma actriz com muito potencial - sub aproveitado – e que, infelizmente, não tem tido ou criado as oportunidades condizentes a esse enorme potencial. Considero, a posteriori, que a minha decisão de comprar este filme por estas razões foi correcta e não saí defraudado apesar das elevadas expectativas.

Síntese da opinião: Este filme é melhor que o somatário das notícias dos telejornais para compreender o que se passa em Paris nos dias de hoje. Uma obra ímpar que só peca por não ter gerido tão bem o rumo das investigações do assassinato em comparação à forma como soube documentar a vida dos emigrantes portugueses na França.

1 Comments:

  • At 3:36 da tarde, Blogger gonn1000 said…

    Do Canijo só vi "Noite Escura", que considero o melhor filme nacional dos últimos anos, e "Sapatos Pretos", que acho dispensável. Este desperta-me curiosidade, espero vê-lo um dia destes.

     

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