640. Pontos de Vista - Madeira: Qualidade da Democracia e Estilo da Governação
Já apelidaram a Democracia Madeirense de sui generis, de deficitária, de podre e é melhor ficar por estes adjectivos. O que será que leva tantas pessoas, ilustres ou anónimas, a levantarem esta questão? Há eleições livres, há um sistema político fundamentado no princípio de que a autoridade emana do povo e há um governo da maioria. Então porque levantam-se tantas vozes a chamar à atenção que a Democracia na Madeira está asfixiada? Na minha modesta opinião é porque há mais um requisito para haver uma Democracia na sua plenitude, ou seja, a “sociedade que garante a liberdade de associação e de expressão e na qual não existem distinções ou privilégios de classe hereditários ou arbitrários” (Dicionário Priberam).
Não é fácil viver na Madeira quando se está desalinhado com o pensamento “oficioso”, com a mentalidade “vigente” e com os poderes “legítimos”. Porque para os “alinhados” – a maioria – não há limitações. Mas para os “restantes” – a minoria – há limitações de várias ordens de gravidade. E digo-o com mágoa! Concretizando...
Há um clima de medo invisível na Madeira e explicar esse medo – que por definição se é invisível é porque não é visível – é quase impossível. Numa ilha onde todos dependem, directa ou indirectamente, do poder instalado há um conjunto alargado de constrangimentos difíceis de explicar. É o medo da perda de emprego ou da não promoção, é o medo das represálias sociais, é o medo das expropriações, é o medo de prejudicar os filhos e familiares. Daqui surge o receio de falar abertamente sobre determinados temas, receio de não ser defendido por nenhum advogado quando existirem interesses opostos ao Governo regional, receio de gritar por uma Democracia plena. Não estamos na presença de limitações formais e/ou oficiais à liberdade de expressão mas de mecanismos invisíveis de favorecimento aos “alinhados”. Lembro-me que, há algumas semanas, falava com um jornalista que me dizia que não havia orientações políticas que o limitassem mas que havia balizas que demarcavam bem o que se podia e o que não se podia escrever. Eu perguntei se algum superior ou político tinha definido essas balizas. A resposta foi que formalmente não.
Será coincidência conhecer tantos madeirenses que se inscrevem na JSD-Madeira e que não gostam de política? Talvez! Mas acho estranho que a maioria diga que ajuda a arranjar trabalho na Madeira. Eu pergunto se é impossível arranjar trabalho sem o cartão. Dizem-me que não mas acrescentam “lá que ajuda, ajuda”! A verdade é que os militantes do partido no poder conseguem agrupar quase todos os quadros relevantes da Região, no sector público e privado (*). O sector público é gigantesco na Madeira e, a partir de certos níveis na carreira, está blindado – oficiosamente - a pessoas sem cartão de militante. E os restantes, ou seja, os que não têm o tal cartão “dourado-laranja” escondem publicamente as suas ideias e convicções. Mesmo no sector privado a situação não é muito melhor. Os cargos de topo são cautelosamente distribuídos novamente não porque existam regras formais para que isso aconteça mas porque é conveniente para ambas as partes manter uma certa promiscuídade. Há empresas que protegem os seus cargos intermédios de critérios que não tenham nada a ver com o desempenho e isso é de saudar. Admito que apesar de tudo, com orgulho e sem qualquer constrangimento, que o profissionalismo tem vindo a aumentar, independentemente das causas desta tendência.
(*) Um exemplo de promíscuidade entre o sector público e privado – onde não há regras de incompatibilidades claras - é Jaime Ramos que é, simultaneamente, secretário geral do PSD-Madeira, líder parlamentar do PSD-Madeira, empreiteiro da “Madeira Nova” e dono de vários negócios em vários sectores na Madeira e o seu filho, Jaime Filipe Ramos que é presidente da JSD/M, deputado regional e presidente da Associação de Jovens Empresários Madeirenses.
Conjugado com o que eu chamei de constrangimentos à Democracia - constragimento em não concordar com as medidas do Governo - está o discurso e o estilo de governação vigente. Em conjunto com uma rede de contactos no mercado de trabalho (público e privado) que promove o seguidismo está um discurso – oficial e oficioso - que pratica a exclusão social activa a quem não entende que só há uma solução governativa na Madeira. São os "párias" e "traidores" da Madeira que só querem subverter tudo. As críticas e as opiniões divergentes deviam ser encaradas como algo normal mas o discurso pestífero dos altos quadros do poder vigente desincentiva de forma clara a diferença de opinião.
As pessoas que, como eu, criticam algumas das opções do Governo Regional da Madeira não deviam, na minha suspeita opinião, de ser considerados “traidores”. Eu tenho orgulho em ter crescido na Madeira e não admito que ninguém coloque em causa o carinho que tenho pela região. Mas a tendência é criticar fortemente e excluir socialmente quem o faz porque há uma estratégia - voluntária ou não - de tentar confundir a Madeira com o PSD, o PSD com Jardim, Jardim com a Madeira. Por isso criticar as opções de Jardim é criticar a Madeira.
Há ainda algo que mexe visceralmente comigo – e não é algo exclusivo à Região da Madeira – que tem a ver com a postura que o Governo Regional tem nos seus discursos oficiais em relação ao “continente”. Não só prejudica a imagem do madeirense no exterior – que incorrectamente passa por “pedante” ou “chulo”, o que não tem qualquer tipo de fundamento – como também cria uma dificuldade adicional de adaptação do madeirense em outras regiões do território nacional. A boçalidade atinge, por vezes, limites inaceitáveis e cria uma imagem incorrecta do madeirense.
Para finalizar deixo duas pequenas notas - estas visíveis, ao contrário de muitas outras - a título de exemplo de como os “alinhados” limitam os “desalinhados”.
Nota 1: Jardim ameaçou não investir nas Câmaras que não sejam PSD. Perante uma chuva de críticas lembrou que nos gastos do Governo Regional manda ele.
Nota 2: A Justiça, na Madeira, está limitada pelos poderes “instalados”. Sempre que um deputado da oposição presumivelmente insulta Jardim perde, de imediato, a imunidade parlamentar. Se Jardim tiver a mesma presumível atitude está – até ver porque nunca aconteceu – livre de perder a imunidade tal é a solidariedade da bancada laranja na Assembleia Legislativa Regional.
Adenda: Este post insere-se numa iniciativa conjunta entre este blogue e o blogue Bodegas. Para consultar o post com o mesmo tema no blogue do Bruno pode clicar aqui!
13 Comments:
At 1:52 da tarde, armando s. sousa said…
Olá Ricardo,
Teoricamente a democracia na Madeira é igual à praticada noutras regiões excepto que as outras regiões não têm Alberto João Jardim. Penso que no dia que houver uma rotatividade no poder do Governo Regional da Madeira essa questão deixará de se colocar e a qualidade da Democracia madeirense certamente sairá muito beneficiada.
A boçalidade, a parvoíce, a conversa fiada do senhor presidente do Governo regioal e do seu séquito atinge o despudor de pedir a independência para a Madeira, eu como continental( tenho pena que o povo da Madeira seja enganado por esta demagogia) tenho apenas a dizer:Avance Alberto João.
Não temos essa sorte.
Um abraço.
At 2:52 da tarde, Ricardo said…
Armando,
Tenho que ser sincero num ponto. Da mesma forma que o povo madeirense faz uma escolha - consciente mas por outras razões que não as da suposta boçalidade - tembém no continente cria-se uma imagem que não é a correcta sobre os madeirenses. Estes não têm nem mais nem menos propensão ao seguidismo ou à ignorância em relação a qualquer outra região do país. A falta de alternância tem razões profundas num regime que funciona de forma muito oleada e comprometida.
Por isso é errado dizer que os madeirenses - a sua esmagadora maioria - defendem a independência. Não acredito nisso! É apenas uma "arma" usada - de forma errada - para atingir outros fins - o discurso oficioso do "inimigo externo" que permite o discurso de que o que corre bem é responsabilidade do Governo Regional e o que corre mal é responsabilidade do tal "exterior".
Por isso custa-me que escrevas isto: "Avance Alberto João. Não temos essa sorte"! Simplesmente porque não podemos classificar o todo por uma parte. E se o todo vota na parte certamente não é por querer a independência mas por outras razões distintas a essa.
Abraço e obrigado pela participação,
At 3:38 da tarde, armando s. sousa said…
Amigo Ricardo,
Desculpa se te ofendi como madeirense, como sabes, já mais era a minha intenção.
Penso também que se houvesse um referendo os madeirenses não optariam pela independência.
O tom jocoso que apliquei é mais uma farpa para o Alberto João e não para ferir susceptibilidades, pois considero os madeirenses portugueses da mesma qualidade dos do continente.
Desculpa Ricardo mais uma vez qualquer mal entendido.
Um abraço.
At 3:52 da tarde, VFS said…
Ricardo, como sabes, ja redigo uma miriade de textos sobre a realidade polito/social da Madeira. Nao disponho de muito tempo, pelo que limitarei a enfatizar a repulsa quem em mim germina pelo sabujos, conformados e atoleimados, a quem se deve a permanencia, intacta - e, pelos vistes, iridica - dos alicerces que suportam a mixordia jardinista.
Aquando das ultimas eleiçoes autarquicas, escrevi, apos diagnosticar a mantençao da hegemonia que faz arfar os "livres: "Refastelem-se na merda". Perdoa-me por enveredar pelo prosaico brejeiro, mas a rudeza intrinseca ao povo - as grandes massas do Chao da Lagoa - inviabiliza a apreensao de diatribes menos cristalinas.
Agora que se aproximam as presidenciais, deixo-te as coordenadas que te levarao até uma ruminaçao cuja alusao (parece-me) é pertinente. Um abraço.
http://estrangeiros.blogspot.com/2005/11/as-presidenciais-para-um-madeirense.html
At 3:56 da tarde, VFS said…
Demasiadas máculas diviso no ultimo texto. Penintencio-me, mas sabes a que se deve. O tempo é escasso, e nao disponho de acentos. No entanto, julgo perceptiveis as minhas frases.
Para expurgar alguma da angústia, vinco, somente, o propósito de escrever "redigi", e nao o degenerado "redigo".
At 6:29 da tarde, MB said…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
At 6:32 da tarde, MB said…
O tal "medo" que existe na Madeira é o exemplo paradigmático da profecia que se auto-cumpre. pelo que "consta" cerca de setenta e oitente porcento da população madeirense trabalha para uma entidade ligada de forma directa ou indirecta ao partido no poder. é engraçado q na Madeira não existem funcionários públicos existem pessoas que "trabalham pó governo" e nesta lógica (muito madeirense!) é alimentado o mito que cai o governo lá se vai o trabalho... acredito que existe sede de mudança mas falta coragem de o assumir, fizeram crer, desde cedo, que o céu poderia lhes cair em cima da cabeça!
At 9:29 da tarde, Ricardo said…
Armando,
Sem quereres ajudaste a provar a tese que apresentei no texto, ou seja, o discurso boçal de Jardim ajuda a criar uma imagem distorcida dos madeirenses!
Não há mal entendidos nem problemas! Estamos aqui para discutir temas e ideias, nada mais...
Abraço e mais uma vez obrigado pela visita,
At 9:50 da tarde, Ricardo said…
Vítor,
Eu sei que é um dos teus temas de eleição. Antes de começar esta epopeia em conjunto com o Bruno reli todos os meus textos sobre a Madeira e depois procurei outras leituras e o teu blogue foi outra das fontes previlegiadas dos textos.
Eu não partilho a tua repulsa pela mentalidade vigente mas combato-a com o mesmo vigor. E mais... quero, como sei que também desejas, que esta mentalidade não crie raízes demasiado profundas.
Já tinha lido o teu post com o título " As Presidenciais para um madeirense" e é mais uma excelente reflexão.
Retiro esta tua frase: "u, como madeirense e cidadão português consciente, exijo do Presidente da República o cumprimento das suas solenes promessas, efectuadas com estrépito no momento em que, com a mão sob a Constituição, é empossado."
E remeto-te para: "Como já referi em posts anteriores não consigo perdoar aos sucessivos Presidentes da República e Primeiros Ministros a sua inacção! Não me deixam outra hipótese que não seja a de chamá-los de cúmplices. Quanto aos eleitores na Madeira nada digo porque o desenvolvimento é uma realidade e a troca da democracia plena pelo betão é consciente. Até o dia em que este modelo não sustentado sofra uma implosão e todos percebam que só a Democracia é o garante dum Desenvolvimento Sustentado."
Obrigado pela visita e pelo contributo à discussão,
P.S. Espero que a aventura por terras italianas esteja a ser regeneradora!
At 9:57 da tarde, Ricardo said…
Mb,
Acho que acertaste no alvo, ou seja, quando escreveste "é engraçado q na Madeira não existem funcionários públicos existem pessoas que "trabalham pó governo"" foste lapidar.
Este medo invisível que falei tem duas ópticas e eu só desenvolvi uma, ou seja, o medo de ser "desalinhado". Já o medo de mudar também existe - e é alimentado - mas não tive oportunidade de desenvolver. Por isso foi importante o teu contributo.
Abraço,
At 10:23 da tarde, Su said…
gostei de ler.te
mto coerente, mto lúcido esta tua critica
a explicação do "medo invisivel" é real
jocas maradas
At 10:44 da manhã, Anónimo said…
Grande Tese que vai para aqui sobre a Madeira! estou a gostar de ler no geral :-)
Sinón, a Madeira é um
Cacique. ai ai...enganei-me, é um Jardim!
Bom feriado
Bjs
At 4:57 da tarde, Anónimo said…
Mto boa analise da situação!!!Parabéns!!! A tua opinião é muito real, ainda mais que eu, como "desalinhada", ainda não tive hipoteses de entrada no mercado de trabalho, já la vão dois anos....
Consequências do "madeirismo" criadas por a elite caciquista de AJJ!! Não posso mudar o país nem a região, mudo de país!!! Sem quiaquer constrangimentos. Bem haja!
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