Filho do 25 de Abril

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quinta-feira, dezembro 01, 2005

641. Pontos de Vista - Madeira: Estatuto Político-Administrativo das Autonomias



"A verdade é que não existe uma relação directa entre a democraticidade do sistema de selecção dos dirigentes e o respeito pela vontade do povo de que esses dirigentes dão mostras uma vez seleccionados. Não é essa a grande vantagem das democracias sobre sistemas totalitários: a grande vantagem da democracia é fornecer um mecanismo geralmente aceite e em geral pacífico para a substituição dos dirigentes que *não* governam segundo a vontade do povo."
Citação retirada do blogue Margens de Erro enviada por Jorge Candeias


Existe, na minha opinião, um problema estrutural na forma como as Autonomias foram e vão sendo negociadas e que causa uma enorme distorção no regular funcionamento da democracia, problema aliás que também existe nos Açores e que ilibo desde já os Governos Regionais de responsabilidades. E afinal qual é o problema, perguntam os atentos leitores? É simples, não promove a alternância. E será que a alternância é assim tão importante? Então, podem argumentar muitos, não é o povo que decide quando deve haver alternância? Por causa desta incómoda pergunta vou colocar a questão doutra forma, ou seja, apesar de concordar que não há inibições estruturais para que os cidadãos não decidam em liberdade será que a forma como as Autonomias estão definidas promove a tal alternância? Neste momento o leitor dá um murro na mesa e, impaciente, questiona a real importância da alternância. Eu diria que a alternância democrática não é condição suficiente mas é necessária para haver uma Democracia plena. Sem alternância perde-se um certo número de filtros que limitam os vícios, as burocracias, os comprometimentos, a pequena e a grande corrupção e perde-se parte da promoção da liberdade de expressão, da liberdade individual, entre outros.

“Não há regime probo sem alternância. Não podem deixar de surgir manobras insidiosas e embusteiras quando um governo – ou um homem – controla o poder há quase 30 anos. A integridade não é compatível com um reinado - ainda para mais com o rótulo de “democrático” – tão extenso. Mesmo que o indivíduo que lidera um executivo possua firmes pilares morais, estes são, paulatinamente, corroídos pelos diversos interesses que cercam o poder. Acredito até que Alberto João Jardim tenha ficado surpreendido pelos alegados actos de corrupção do seu apaniguado, António Lobo, na Câmara da Ponta do Sol.”
Citação retirada do blogue Estranho Estrangeiro


Então afinal o que limita estruturalmente a alternância nas Regiões Autónomas - pergunta o leitor que apesar de ainda não estar convencido das vantagens absolutas da alternância quer perceber o que me está a incomodar? Simplesmente aos Governos Regionais não foram entregues pontos de desgaste. Já pensaram o que é que um Governo Regional, no actual quadro da autonomia, faz? Eu respondo! Lança e executa obras e infraestruturas e distribuí subsídios. É o sonho de qualquer Governo. No actual quadro das Autonomias Regionais quais serão os pontos de desgaste? Só me lembro daqueles que advêm dos que não arranjam, pelo partido, cargos no gigantesco sector público da Madeira. O Governo Regional não tem desgaste nas decisões sobre impostos, na segurança social (apenas reforça-a, não traça-a), na segurança interna, e por aí fora.

O problema não é tanto haver um défice democrático, como em tempos disse Mário Soares sobre a Madeira, mas um sistema que não promove a alternância. É neste momento que o estimado leitor enerva-se e diz em voz alta, “por mais que seja um paraíso governar na Madeira, se o povo não muda é porque não quer”. É verdade mas arrisco-me a especular que a questão é bem mais complexa do que parece à primeira vista. Não interessa, neste momento, se os cidadãos têm medo de mudar por várias razões – medo do descalabro financeiro ou da perda de emprego - ou se a informação é filtrada ou se as mensagens são populistas porque todas estas opções partem do pressuposto que o cidadão não é capaz de ver por detrás do fumo (e muitas vezes não é). O problema de fundo é que a Democracia é um sistema – apesar de ser o menos imperfeito dos sistemas inventados até hoje pelo homem – que necessita de ténues equilíbrios para realmente funcionar porque senão deixa de ser uma Democracia. Confuso? Eu também já estou mas arrisco mais uns esclarecimentos sobre o que acabei de defender. Por outras palavras, o que quis dizer é que para a Democracia realmente existir tem que existir um equilíbrio em constante calibração entre o que dá popularidade e o que dá desgaste – entre outros equilíbrios como a liberdade de imprensa, direitos e garantias dos cidadãos – e que esse equilíbrio não existe nas Autonomias. Em suma, os cidadãos só estão expostos a diferentes graus de popularidade do Governo Regional e não sentem necessidade – esta não é a única razão nem se esgota em si mesma – de arriscar na alternância.

O que eu defendo é polémico e pode não ser consensual mas não consigo deixar de pensar que sem alternância não há democracia plena, independentemente da vontade popular. Pode até ser mais polémico se pensarmos que mudando o líder e ficando o partido não há uma alternância eficaz. Mas, mesmo assim, continuo a defender que há um desequilíbrio estrutural nas Autonomias da Madeira e Açores que afecta toda a vida e controlos democráticos nessas regiões.

Em abono da verdade tenho que me render à evidência de que, mesmo assim, o Governo Regional tem tentado obter mais poderes e tutelas em várias áreas públicas – apesar de em alguns casos aparecerem notícias de abusos (*) – e de que há alguma razão ao defenderem que o cargo de Ministro da República é um conceito algo humilhante para os madeirenses.

(*) Alberto João Jardim aproveitou a recente regionalização das Finanças para deixar claro que os opositores às opções do executivo podem ser alvo de acção inspectiva do fisco. Citando um levantamento feito pelo seu Governo garantiu que muitos dos que afirmam ser seu e dos contribuintes o dinheiro que “está ali” nas controversas obras públicas, “não pagam impostos”.

Para terminar defendo que não é a limitação de mandatos que vai resolver o problema estrutural mas pode ser uma boa solução provisória (o Presidente da República, apesar da natureza diferente da função, também tem uma tendência estrutural para altos índices de popularidade e se não houvesse limites era praticamente uma monarquia sem descendentes de sangue). Tenho reservas quanto à limitação de mandatos em funções em que não se é eleito directamente - Primeiro Ministro, Presidente do Governo Regional - mas também não sou liminarmente contra. A Constituição consagra o “princípio da renovação” no seu artigo 118º, ou seja, “a lei pode determinar limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos e executivos”. Também vejo com agrado as correcções na proporcionalidade que foram feitos (ou que estão a ser feitos) na lei eleitoral apesar de ver com alguma preocupação a dificuldade que vai haver na obtenção de maiorias absolutas e na consequente governabilidade. Mas não é nenhuma destas medidas que vai resolver o problema estrutural.

O único caminho, na minha opinião, é renegociar profundamente as autonomias de forma a reequilibrar os pontos de popularidade e desgaste de forma a incentivar uma alternância regular com ciclos aceitáveis em Democracia. Defendo a Autonomia mas uma que permita a Democracia respirar.

Adenda: Este post insere-se numa iniciativa conjunta entre este blogue e o blogue Bodegas. Para consultar o post com o mesmo tema no blogue do Bruno pode clicar aqui!

5 Comments:

  • At 3:24 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Quanto ao medo invisível, ele existe de facto. Ao lado da bajulação oportunista. Mas o cerne da questão é, também para mim, a inexistência de desgaste. No fundo, para que os governos regionais pudessem ser responsabilizados, deviam ter ainda mais autonomia.

     
  • At 5:16 da tarde, Blogger a.castro said…

    Caro Ricardo,
    Em primeiro lugar quero elogiar a tua vitalidade e dinamismo (desculpa o "semi-nónimo" - inveitei agora isto!). Porquê? Porque trabalhas "que se farta". Não só no teu blog, como se infere das inúmeras vezes que me encontro contigo, seja no Metro, pelo Porto (ah!: escolheste bem o meu "cá dentro" que também vi duma ponta à outra, com prazer, reconhecendo quase tudo no exterior mas tendo entrado em muitas igrejas, por exemplo a da Rua das Flores - coisa que não fizera antes!) ou por Itália.
    Quanto a este teu post, gostei de tudo que disseste e do que citaste. "Confuso?" Garanto que não fiquei. "O que defendo é polémico". Também garanto que, para mim, não é polémico. Sou pela alternância sistemática. Inventando mais uma: sou um alterno-dependente!
    Abraço
    a.castro

     
  • At 10:41 da tarde, Blogger mfc said…

    Sem alternância no poder ele anquilosa-se e ´torna-se despótico, como é o exemplo do AJJ.
    Mas alternância com alternativa política, não é para ir para lá outro fazer o mesmo.

     
  • At 10:50 da tarde, Blogger Ricardo said…

    TNT,

    Também concordo que deve-se reforçar a Autonomia mas com o devido cuidado para criar responsabilidades visíveis para a população. Aí haveria real desgaste, fundamental numa Democracia, e acabava com o discurso do "inimigo externo". Mas - repito - isso tem que ser feito com particular atenção para não agravar os abusos.

    Abraço,

     
  • At 10:53 da tarde, Blogger Ricardo said…

    A. Castro,

    Obrigado pelo(s) elogio(s) e, acima de tudo, pela tua visita e contributo.

    Ainda bem que não fui confuso na tua perspectiva porque esse era um dos meus medos ao entrar neste tema. E se eu quero defender convictamente o que acredito tenho que ser um pouco polémico, mesmo que tenhamos encontrado consensos neste tema.

    Abraço,

    P.S. Aparece por aqui, de Metro ou não!

     

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