Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

sábado, dezembro 03, 2005

644. Recordar Pessoa

Qualquer oportunidade é uma boa oportunidade para recordar a obra de Fernando Pessoa. Foi, por isso, com enorme satisfação que durante esta semana reli inúmeros poemas de Fernando Pessoa e seus heterônimos pelos vários cantos da blogosfera. Que melhor homenagem podia haver ao poeta do que essa? Apesar de não ter participado directamente nessa iniciativa espontânea andei, de qualquer maneira, a espalhar alguns dos meus poemas e excertos de poemas favoritos de Fernando Pessoa por alguns blogues.

Chegou a hora de deixar aqui um cheirinho de Pessoa (para além dos que tenho publicado ao longo da existência deste blogue)!


Fernando Pessoa - Almada Negreiros


Sou o Espírito da treva,
A Noite me traz e leva;

Moro à beira irreal da Vida,
Sua onda indefinida

Refresca-me a alma de espuma...
Pra além do mar há a bruma...

E pra aquém? há Cousa ou Fim?
Nunca olhei para trás de mim...


Fernando Pessoa


O Andaime

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A 'sp'rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha 's'prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam - verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças -
Mortas, porque hão de morrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim -
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser - muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.

Fernando Pessoa




Fernando Pessoa - Luís Badosa


O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.

óóóó---óóóóóó óóó---óóóóóóó óóóóóóóó

(O vento lá fora.)

Álvaro de Campos, 15-1-1928


O Guardador de Rebanhos (IX)

Sou um guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro

4 Comments:

  • At 4:02 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Tens razão! Sempre oportuno. Que tal uma sociedade dos blogs pessoanos? Mesmo que informal?

     
  • At 10:40 da tarde, Blogger Inês said…

    gosto especialmente do aniversário. ah! e do dactilografia.
    caeiro e reis não me convencem... mas sim, tomará que venham mais Pessoas, muitas e muitas. e já agora almadas negreiros =)

     
  • At 11:53 da manhã, Blogger Ricardo said…

    Tnt,

    Sim, parece-me uma boa ideia. Aliás, uma excelente ideia!

    Abraço,

     
  • At 11:56 da manhã, Blogger Ricardo said…

    Carocha,

    Para tentar que Caiero "convença-te" um pouco mais, transcrevo um dos meus poemas favoritos:

    Quem me dera que eu fosse o pó da estrada

    Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
    E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

    Quem me dera que eu fosse os rios que correm
    E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

    Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
    E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...

    Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
    E que ele me batesse e me estimasse...

    Antes isso que ser o que atravessa a vida
    Olhando para trás de si e tendo pena...

    Alberto Caeiro

    ;)

     

Enviar um comentário

<< Home