646. Diário das Presidenciais 2006 (4)
Após duas rondas de entrevistas televisivas aos candidatos e depois de tudo o que tenho ouvido, lido e visto temo que a escolha do próximo Presidente da República vá ser feita sobre pressupostos errados (1) e, pior do que isso, não encontro no actual painel de candidatos a pessoa certa no local certo no momento certo (2). Concretizando...
(1) Qualquer semelhança entre a imagem messiânica do candidato que vai destacado nas sondagens e a realidade é a mais pura das coincidências. Alguém acredita, fazendo uma honesta introspecção, que Cavaco Silva é a pessoa indicada para, por exemplo, “defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais”? Ou “promover a igualdade entre homens e mulheres”? Ou “proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”? Ou “assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa”? Será o candidato ideal para defender o “princípio da igualdade”? A “liberdade sindical” e a “segurança no emprego”? A “subordinação do poder económico ao poder político democrático”? Porque todas estas citações pertencem à Constituição da República em que o Presidente jura cumprir e fazer cumprir.
O problema deste candidato é nunca ter tido uma visão global da sociedade, ou seja, nunca foi movido por ideias nem ideais civilizacionais. Ninguém duvida que é um político sério e um técnico razoável – um tecnocrata – mas também é um homem apagado, demasiado neutro, sem chama. É curioso que nestes últimos 10 anos só soube profetizar a desgraça, não teve uma única mensagem que mobilizasse pela positiva Portugal. Mesmo antes, enquanto Primeiro Ministro, teve políticas – repito – sérias mas sem visão de futuro com políticas contraditórias na função pública, na educação e formação, na saúde, na justiça. Cavaco, ao contrário de outros antigos líderes do PPD/PSD, nem tem uma ideologia definida: não é liberal, não é socialista, não é populista e nem sequer é social democrata (que em Portugal é uma mistura de socialismo com uma visão mais conservadora da sociedade e mais liberal – mas pouco – da economia).
Apesar de tudo isto a imagem que, neste momento, transparece de Cavaco é a de alguém que vai ser capaz de impor a sua personalidade, que vai fazer regressar “outros tempos” (a eterna nostalgia que nós adoramos alimentar), que vai acelerar as reformas do Governo, que vai criar consensos, que vai ter peso diplomático, e por aí fora.
É só pena que estes legos não encaixem...
(2) Não há, neste momento, um único candidato que seja capaz de defender uma ideia nova para o país – uns nem ideias têm – ou que, pelo menos, proponha uma saída para o cinzentismo em que se tornou a nossa política.
Estamos num país comprometido e enredado em incontáveis lobbies e burocracias onde não se pode dar um peido sem meter três requerimentos e pedir autorização a duas corporações, onde os serviços do Estado estão duplicados e sem competências certas, onde a indústria e o Estado não sabem colaborar, onde a justiça é injustiça, onde há divergência em relação à UE, onde o desemprego aumenta... e precisávamos dum candidato capaz de ser mobilizador, de criar sinergias e de criar novos objectivos civilizacionais. Da Presidência não surgem novas políticas económicas nem as melhores soluções técnicas mas pode e deve partir daí novos ou velhos consensos ou até rupturas se assim for o caso.
Não estamos num país sem remédio nem solução e, por isso, não precisamos de profetas da desgraça, de falsos moralistas, de conservadores encapotados, nem dos símbolos doutros tempos! Não discuto a validade profissional e política dos actuais candidatos – um foi Primeiro Ministro durante dez anos, outro foi o político mais brilhante do pós 25 de Abril, um foi um dos arquitectos do actual regime – mas sim a sua desadequação ao que eu acho que, neste momento, Portugal precisa.
2 Comments:
At 4:46 da manhã, Unknown said…
Caro Ricardo,
Escreves sobre Cavaco Silva:
"Ninguém duvida que é um político sério e um técnico razoável – um tecnocrata – mas também é um homem apagado, demasiado neutro, sem chama."
Lamento discurdar mas há quem duvide, eu, por exemplo.
Concordo que Cavaco Silva é um homem apagado, sem chama nem ideais que vão além da sua ambição pessoal. Mas discordo que seja um político sério e um técnico razoável.
Basta lembrarmo-nos da sua actuação enquanto Ministro da Finanças de Sá Carneiro, altura em que, para ganhar eleições, valorizou o Escudo em 6% de uma assentada. Esta valorização deu, durante algum tempo (até ás eleições) uma sensação de melhoria da situação económica á sociedade portuguesa e, depois, o descalabro, com o país de tanga e uma inflação a ultrapassar os 29%.
As consequências desta desvalorização eram previsíveis e qualquer estudante de economia do 1º ano seria capaz de o fazer mas, Cavaco Silva esteve-se nas tintas para isso tudo, o importante era ganhar as eleições para Sá Carneiro.
Depois, antes do caos (que foi aguentado por Mário Soares), teve a lata de dizer que preferia ser Professor universitário e retirou-se para a Universidade esperando melhor altura para ganhar o poder.
O que fez uns anos mais tarde.
Cavaco Silva é portanto um oportunista que não se importa de sacrificar o país às suas ambições.
Quanto ao resto de teu texto concordo de uma forma geral.
Um abraço
At 12:15 da tarde, Ricardo said…
Raio,
Não resisto a fazer uma pequena provocação... ainda bem que a política cambial e monetária já não está refém dos ciclos eleitorais!
Eu considero Cavaco um homem inteligente e que sabe atingir os seus objectivos de forma ponderada o que pode ser comparável com uma forma de maquiavelismo mas, verdade seja dita, ele é sério e tem escrúpulos. Por isso não subscrevo esta frase: "Cavaco Silva é portanto um oportunista que não se importa de sacrificar o país às suas ambições".
Mas, mesmo não concordando com as críticas mais acérrimas ao político (sim, ele é um político puro e duro), continuo a defender - e estamos perfeitamente de acordo - que é uma péssima escolha para o cargo de Presidente da República.
Abraço,
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