661. Debate: Mário Soares e Francisco Louçã
Devo dizer que achei este debate - sim, não foi um duplo monólogo - interessante mas algo ... estranho! Achei estranho porque Mário Soares fez questão de lançar várias alfinetadas incisivas a Francisco Louçã e este esteve particularmente adverso a responder às provocações. Diria até que Louçã teve uma postura demasiado reverente.
Defino as estratégias dos candidatos com uma palavra simples: moderação! E, na minha opinião, quem saíu claramente vencedor a transmitir essa imagem foi Mário Soares.
O debate começou com referências a declarações de dirigentes do PS à desistência dos candidatos de esquerda a favor de Soares. Obviamente que estes apelos não têm lógica porque numa eleição presidencial a duas voltas não há lógica no voto útil. Por isso concordo com o distanciamento de Soares a estas declarações. Mas acho que Soares, numa segunda volta, tem maior capacidade de atracção do eleitorado de esquerda do que Manuel Alegre o que não é o mesmo que dizer que vai ter mais votos numa primeira volta que este. Neste sentido percebo que Soares insista nesta mensagem.
Falou-se muito da Europa! Revejo-me nas posições de Soares mas, paradoxalmente, percebo os avisos de Louçã (mesquinhez das negociações dos fundos, a PAC, a liberalização dos mercados). Neste ponto fiquei surpreendido com a forma como Soares defendeu a já defunta Constituição Europeia porque acho que já não há lógica em defender este documento depois de tudo o que se passou. Gostei da visão pragmática de Soares em relação aos passos que não concorda que sejam dados na Europa mas que aceita de forma democrática porque, como muito bem lembrou, a Europa tem que complementar várias visões partidárias e não só uma.
A relação de Soares com os jornalistas continuou tensa. Nota-se que não gosta que estes saiam da sua esfera mediadora e irrita-se quando tentam limitar o debate ou quando conduzem excessivamente o debate. Ricardo Costa acabou por dar razão a Soares quando tentou obrigar Louçã a fazer uma pergunta a Mário Soares. De facto esse não é o papel dum mediador dum debate.
O ponto fraco de Louçã neste debate - ou na campanha em geral - foi o de não conseguir demarcar-se das campanhas que faz para qualquer outra eleição. Crítica sempre o PS ou o Governo e não é esse o seu papel. Não é um verdadeiro candidato presidencial e isso precebe-se facilmente. Aliás Soares foi particularmente incisivo quando atacou as "pequenas questões" que Louçã coloca no seu discurso, como se não conseguisse despir o fato de deputado. Foi lapidar a alfinetada de Soares a Louçã quando disse que este tentava a "reintegração no sistema", porque era muito extremista. O seu ponto forte foi a discussão sobre a Europa e sobre os problemas económicos.
O ponto forte de Mário Soares foi a forma como deixou claro que marcou a forma como o cargo deve ser exercido (regime parlamentar com correcção presidencial). Conseguiu também passar uma imagem de moderado - que sempre foi - e recolocou a questão essencial destas eleições no perfil da pessoa para exercer esse mesmo poder moderador. O seu ponto fraco foi, sem dúvida, a sua postura paternalista em relação a Louçã.
Notas soltas sobre o debate
Classe Política: Concordo a 100% com a posição de Soares de que não podemos cair na demagogia de criticar os políticos por tudo de mal que acontece. Tenho escrito repetidamente sobre isso (os políticos são o reflexo da população em geral e do que nós exigimos deles). A ideia do serviço público numa óptica republicana é nobre e deve ser valorizada. É uma profissão de desgaste e devemos é tentarmos ser mais exigentes mas não destrutivos em relação aos políticos.
Assembleia Regional da Madeira: Louçã teve oportunidade de esclarecer o que eu já tinha percebido, ou seja, que não defendeu a dissolução!
Religião: Discordo da opinião dos dois candidatos sobre a questão dos crucifixos. O Presidente deve defender o Estado laico e não deve fechar os olhos mesmo aos pequenos conflitos. É uma questão de princípio.
Política Internacional: Como seria de esperar Soares estava no seu meio e foi claramente melhor nesta fase do debate. As posições de Louçã sobre, por exemplo, a Monarquia Espanhola é indefensável. Louçã defendeu os princípios mesmo por cima dos interesses nacionais e Soares foi pragmático mas lúcido no papel que o Presidente deve ter perante estas questões sensíveis.
Prostituição: Defendo a necessidade duma discussão pública como defendeu Soares porque fechar os olhos ao problema não vai fazer este desaparecer. Aliás as máfias apareceram neste contexto e não noutro. Dizer sem reservas - como fez Cavaco e Jerónimo - que são contra a legalização é puro facilitismo.
Momento de humor da noite: "Eu não sou do género mole, nem nos consensos nem noutras coisas" (Mário Soares)
2 Comments:
At 11:47 da tarde, Bruno Gouveia Gonçalves said…
Infelizmente não tive oportunidade de ver o debate, mas acho que fiquei mais ou menos esclarecido com este post.
Abraço
At 12:29 da manhã, rafapaim said…
Um belo trabalho de sintese... como quem nao viu... é como quem nao ve... acho que aqui fica o essencial!!!
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