Filho do 25 de Abril

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quarta-feira, fevereiro 15, 2006

781. Finanças do Liberalismo versus Finanças da Actualidade


Eric Allie - Ownership Society


Parece que regressou, em força, a perspectiva liberal nas Finanças Públicas. Quando falo em Finanças Públicas falo em sentido objectivo, ou seja, a actividade do Estado através do qual afecta recursos económicos destinados à satisfação de necessidades sociais (colectivas).

Para perceber melhor o que está em jogo vou fazer uma comparação teórica entre as Finanças vistas do ponto de vista liberal e as Finanças como ainda são vistas hoje em dia:

Intervenção

Os liberais defendem Finanças neutras, ou seja, que o Estado tenha o mínimo de intervenção, reduzido à defesa nacional, justiça, entre outros. Esta forma de encarar as Finanças Públicas foi muito popular no século XIX mas depois houve uma mudança de perspectiva do que devia ser o Estado. A ideia que impulsiona o princípio da intervenção actual é que a economia caminha para o desequilíbrio e que é importante o papel do Estado na ordenação.

Orçamento

Os liberais preocupam-se com o equilíbrio orçamental para garantir uma abstenção económica do Estado (passividade). O sector público deve ser reduzido e deve haver um certo isolamento, isto é, uma separação entre a iniciativa privada e a actuação do Estado. Actualmente - apesar de já não ser tão literal de há uns anos para cá - o desequilíbrio orçamental não é visto como um mal em si mas como uma arma em períodos de recessão (recurso ao crédito interno e externo), é o Princípio da Dependência. É de realçar que as Finanças Públicas são, actualmente, activas e intervencionistas com base no Princípio da Diversidade. O sector público é extenso e complexo e impera, cada vez mais, a regra do óptimo (mais funções e procura do melhor desempenho em cada uma das funções).

Impostos

O liberal encara o imposto como algo que deve garantir a igualdade formal do contribuinte perante a lei. Não visa objectivos de redistribuição de riqueza. O que acontece nas Finanças actuais é uma diversificação total do financiamento (e das despesas) com uma carga fiscal a um nível que permita redistribuição da riqueza (por exemplo, impostos progressivos).

Conclusão

O objectivo central da perspectiva liberal é a disciplina financeira deixando para o Estado funções mínimas na garantia das condições que permitam à sociedade manter-se estável e organizada, sendo a iniciativa privada o instrumento fundamental do progresso na actividade económica. A perspectiva actual (mista) encara o imposto como um instrumento de política económica com função redistributiva e social e tem como objectivos centrais a equidade, a estabilização da conjuntura, o crescimento e desenvolvimento económico e as correcções estruturais.

Eu não fiz este texto para provar por A+B que este sistema é melhor que o outro, ou vice versa. Cada um pode rever-se mais ou menos em cada uma das perspectivas e tirar as suas conclusões. Por mera curiosidade revelo - para quem ainda não sabe - que não defendo na totalidade nenhuma das perspectivas. Acho que um sistema misto com algumas características liberais e outras intervencionistas é o ideal. Acho que o liberalismo, na sua condição mais pura, negligencia o contexto e nunca poderei defender isso porque a mesma decisão, em contextos diferentes, pode ser certa ou errada. Acho que a perspectiva actual, por sua vez, incentiva algum desperdício de recursos no sector público e estrangula a actividade económica. Por isso defendo um sistema misto!

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4 Comments:

  • At 8:59 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    O liberalismo como ideal pode ter sido puro mas foi alguma vez efectivamente como planeado. E' curioso que os EUA que alguns elevam como paradigma, tenha um Estado interventido, talvez nao socialmente mas militarmente, e na sua historia financiando generosamente o investimento privado.

     
  • At 12:07 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    estou a ver que e' tema que ninguem se atreve a pegar...

     
  • At 1:11 da manhã, Blogger bravo said…

    ricardo, antes de mais dizer que não sou economista nem ando lá perto. Portanto, se cometer alguma calinada do ponto de vista técnico, dá o devido desconto. Mas tenho vindo a acompanhar estes textos (parabéns pelas análises) e queria deixar alguns comentários, embora os tenha adiado para quando pudesse analisar os posts com mais calma.

    Quando dizes Liberalismo penso que deverias dizer Liberalismo Clássico, do século XIX, que defendia realmente o Estado mínimo, que realizasse apenas as funções de soberania (segurança interna e externa, justiça, estatuição de impostos, pouco mais). Mas nem os mais liberais dos neoliberais defendem essa visão para o Estado actual, parece-me – e julgo que não quiseste dizer o contrário, certo?

    Por outro lado, o equilíbrio orçamental. A sua existência não é apenas uma birra liberal, mas uma vantagem para a economia. E sobretudo não me parece que possa ser associada a uma intenção de passividade ou abstenção económica do Estado. Aí discordo. Basta ver que nos EUA são os Democratas a defender as vantagens dos equilíbrios orçamentais e os Republicanos a agravar o desequilíbrio. Ora os Democratas defendem o equilíbrio inclusive como forma de defender os programas sociais a que são mais propensos que os Republicanos. Portanto, a existência de orçamento equilibrado não implica, parece-me, uma visão menos intervencionista nem menos promotora da justiça social - nem o contrário, i.e., parecem-me questões independentes, separadas.

    Quanto à visão liberal dos impostos, imagino que te refiras mais uma vez aos tais liberais clássicos, porque penso que os liberais actuais vêem os impostos como forma de redistribuição da riqueza.

    Antes de comentar os posts seguintes, queria só dizer que não estou a tentar defender os Liberais. Não me identifico com os neoliberalismos que para aí andam. Não me é fácil definir ideologicamente, mas penso que estarei mais próximo de um social-liberalismo. Nos EUA nunca votaria nos Republicanos, por ex., nem nos Conservadores no Reino Unido. Mas neste último também não votaria nos Trabalhistas. Estou mais próximo dos social-democratas nórdicos do que dos socialistas latinos ou dos trabalhistas britânicos. Mas parece-me que estou ainda mais próximo dos liberais-democratas ingleses ou dos liberais alemães, com uma forte tradição de promoção da justiça social (mas por vias não-marxistas) a acompanhar a defesa da liberdade máxima possível na relação entre o Estado e o indivíduo e da liberdade adequada entre o Estado e a Economia. A liberdade do indivíduo face ao Estado distinguiu (distingue?) o social-liberalismo das soluções típicas da Esquerda do séc. XX. Na liberdade adequada da Economia face ao Estado (e, portanto, nas funções do Estado) é que a porca torce o rabo... Fica para os próximos comentários.

     
  • At 2:25 da manhã, Blogger Ricardo said…

    Fernando,

    Uns comentários rápidos em forma de esclarecimento:

    - "Quando dizes Liberalismo penso que deverias dizer Liberalismo Clássico, do século XIX, que defendia realmente o Estado mínimo" - Sim, neste texto comparava com o liberalismo clássico. Mas as pontes com o chamado neoliberalismo, quer o da escola austríaca quer da de Chicago, são múltiplas. No neoliberalismo o mercado é o mais amplo que é possível alcançar e isso reflecte-se na visão dos impostos ou da segurança social. Por isso acho que não é abusivo considerar esta comparação extensível ao neoliberalismo com nuances, claro, até nos vários tipos de neoliberalismo. O neoliberalismo, por exemplo, ainda vai mais longe com o esvaziamento quase completo das funções dos sindicatos.

    - "Por outro lado, o equilíbrio orçamental. A sua existência não é apenas uma birra liberal, mas uma vantagem para a economia." - Se voltares a ler o texto com atenção vais reparar que eu não defendi desequilíbrios crónicos orçamentais. Aliás eu acho positivo que haja equilíbrio orçamental. Mas sendo o orçamento instrumental e, mais ainda, uma arma contra o contexto... eu defendo que os ciclos orçamentais devem acompanhar os económicos (menos despesa na expansão, mais despesa na recessão - não extensível a todos os tipos de despesa). Mas, somados todos os ciclos, o equilíbrio orçamental deve prevalecer. Eu acho o contexto mais importante do que os liberais porque acho que estes subestimam as externalidades negativas do contexto. Se o Estado não actuar no contexto aparentemente pode ser mais eficaz mas as pressões sociais, por exemplo, do desemprego podem ser difíceis de quantificar economicamente mas existem.

    - Depois lanças muitos sub géneros de ideologias que são fértis em possibilidades de comentário. Como o tema é vasto e complexo vou deixar essa discussão para um texto mais estruturado. Posso só dizer que a esquerda e a direita estão a evoluir - não estou a fazer nenhum comentário qualitativo - mas considero que é mais útil insistir em sistemas mistos porque os extremos, de ambos os lados, seja uma acepção muito liberal da economia ou muito estatizada, têm inconvenientes que devem ser considerados altos. Eu acho que os liberais subestimam o contexto e sobrestimam a capacidade auto reguladora dos mercados e os que defendem uma economia muito planificada têm uma visão estática da economia cuja dinâmica é prejudicada pelos estrangulamentos à eficiência.

    Obrigado pelo contributo. Abraço,

     

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