777. O Preço das Obras Públicas
O Público tem um interessante artigo assinado por Carlos Romero com o título "O grande embuste do preço das obras públicas"! Como a ligação está disponível vou só sintetizar o guia de manipulação de preços em três passos:
- Há "subavaliações drásticas" dos preços das empreitadas, pasmem-se, feitas por quem lança o concurso. Helena Roseta explica este fenómeno, que eu a princípio achei estranho mas que tem toda a lógica, como uma forma de ludibriar os condicionamentos orçamentais e aumentar a aceitação pública. Esta frase é lapidar: "Se se dissesse, à partida, que o CCB ou a Casa da Música custavam 30 ou 40 milhões de contos, não se faziam!" (Rui Furtado). Mas a questão é que eu, como contribuinte, tenho o direito de saber, à partida, quanto vai custar e se, deliberadamente, for ludribiado tenho o direito de exigir consequências claras;
- Depois, depreendo que propositadamente, os projectos são "pouco rigorosos e incompletos" para não permitir um bom controlo de custos e permitir que a obra ganhe os contornos finais só à medida que é construída. Uma fonte duma empresa do ramo disse ao Público que os projectistas concorrem por preços impossíveis "com base em tabelas de há três décadas actualizadas em 1986, e com descontos que chegam aos 50 por cento". Depois derrapam o preço até 30% do custo da obra (note-se que há inúmeros exemplos de derrapagens bem maiores - Casa da Música, Centro Cultural de Belém - e na Madeira há um exemplo dum viaduto que ultrapassou 2800% o valor orçamentado);
- O passo final é dado pelas construtoras! Mais umas frases lapidares: "Para uma obra de três ou quatro milhões de contos, aparecem propostas de dois milhões ou pouco mais, porque o construtor sabe que, ganhando a obra, depois pode conseguir na secretaria algumas coisas" (Reis Campos, da AICCOPN); "Muitas vezes, as construtoras apostam o seu orçamento precisamente nas debilidades e indefinições do projecto" (Gerardo Saraiva, líder da secção do Norte da Ordem dos Engenheiros); "há obras paradas porque, mal o construtor pega na empreitada, entra quase imediatamente em conflito com o dono da obra", à procura de um furo para "corrigir" o preço" (Reis Campos, da AICCOPN).
Perante este panorama e tendo em consideração que as obras públicas são úteis e desejáveis convém reflectir sobre possíveis saídas para esta situação, a todos os níveis, condenável. Não sou a pessoa indicada para fazer esta reflexão mas as mudanças na área têm que ter em conta a resolução dos seguintes problemas:
- Restituição de uma concorrência justa a todos os que concorrem a estas obras. Sugiro, para penalizar os infractores crónicos, uma medida que julgo ter sido lançada por Rui Rio (não sei se é aplicada), que consiste em criar uma lista negra dos infractores que são penalizados nos concursos seguintes;
- Fiscalização de todos os passos das obras públicas, com o cuidado de não criar burocracia desnecessária, com consequências para quem deliberadamente manipula preços que no limite devem ser civis e criminais, a quem lança a obra e a quem ganha os concursos. Isto pode ser coordenado por um Tribunal de Contas que não sirva só para denunciar em coordenação, por exemplo, com uma equipa especializada no Ministério Público e na Polícia Judiciária. Confesso que os meus conhecimentos de Direito não permitem uma sugestão para a resolução deste problema mas é preciso definir claramente, e nem sempre é definido de forma clara, que estamos perante crimes e que precisamos de meios para os combater energicamente. Este problema tem que sair da esfera da mera censura política e moral de forma inequívoca.
Ou será que é mais uma denúncia jornalistica que vai cair no esquecimento? E que tudo vai continuar a ser feito como até agora, ou seja, de forma negligente no gasto dos recursos públicos?
Technorati Tags: Política, Governo, Portugal
3 Comments:
At 4:06 da tarde, H. Sousa said…
Excelente tema para debate. Que me leva a levantar um problema de base:
As obras compõem-se de diversas especialidades de engenharia, e arquitectura. Estes especialistas eram, em tempos, coadjuvados por técnicos vários: topógrafos, desenhadores, medidores-orçamentistas, entre outros. Mas já não se formam estes técnicos, todos preferem ser maus engenheiros ou arquitectos.
Mesmo um bom engenheiro, a trabalhar sem a ajuda destes técnicos (é o que se passa agora) faz um mau trabalho, principalmente na orçamentação da obra. Porque é um trabalho muito "picuinhas".
Lembro-me de ter dado um projecto meu a orçamentar a um desses técnicos e da minúcia com que realizou o trabalho, sem se esquecer nem de um prego. Eu fizera uma estimativa antes, mas ele chegou a um valor que diferia quase no dobro, para mais, da minha estimativa.
E assim vamos derrapando cada vez mais, se não se atacar os problemas pela base.
At 4:25 da tarde, Ricardo said…
Henrique,
É isto que eu gosto nos blogues! Eu escrevi a minha perspectiva sobre o tema e elaborei umas sugestões toscas e, de repente, há um contributo qualquer que dá uma nova luz sobre o tema. Não estou habilitado para fazer contribuições adicionais na área técnica e de direito, só acho que estamos perante um problema também político e económico grave.
E que merece, acima de tudo, uma profunda reflexão. É preciso actuar no curto prazo e, concordo, atacar os problemas de base!
Abraço,
At 11:00 da tarde, H. Sousa said…
Enganei-me. Eu a julgar que haveria mais debate sobre o assunto...
De facto, talvez seja demasiado específico e envolva aspectos desconhecidos para a grande maioria dos cidadãos. São segredos de empresas, de gabinetes, de centros de decisão, diria até de corrupção.
Falem, não tenham medo...
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