Filho do 25 de Abril

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quinta-feira, fevereiro 02, 2006

767. O outsourcing no Estado



O Outsourcing tornou-se numa moda nas actividades do Estado. Outsourcing são actividades que, tradicionalmente, seriam executadas por colaboradores e por outros activos do próprio Estado (ou empresa) e que são executados por terceiros, geralmente empresas especializadas nessa actividade. Não vou focar o outsourcing empresarial mas aquele que é feito pelo Estado.

Primeiro foram aquelas actividades que não são consideradas a actividade principal do Ministério (ou nas instalações directamente dependentes do Ministério) em questão como a limpeza e a gestão de refeitórios que foram entregues a empresas especializadas. Em vez do Estado possuir quadros próprios começou a delegar estas funções a empresas especializadas através de concurso público. Independentemente da boa fé destas medidas eu, como contribuinte, gostava de ver os números comparativos das vantagens desta solução, ao nível do seu custo e da sua qualidade. Eu já fui dirigente associativo e, na altura, uma empresa estava encarregue da limpeza da sede da associação. Após uma análise, não muito detalhada, do custo e qualidade do serviço e da capacidade financeira da associação decidimos cancelar o serviço da dita empresa. Contratamos um funcionário extra (neste caso uma) e vimos, para nossa surpresa, que a qualidade do serviço melhorou significativamente a um terço do custo que tínhamos com a empresa. Não digo que esta seja uma verdade universal - certamente não é - mas concerteza haverá muitas situações em que o outsourcing não é a melhor solução. Assisti à mesma insatisfação num hospital que trabalhei com os serviços de limpeza mas aí não sei a natureza do contrato e, por isso, não posso tirar conclusões definitivas sobre a real utilidade desse outsourcing em particular.

No início a empresa especializada chega ao local onde quer vender os seus serviços e é o céu na terra. Por muito menos custos limpa muito mais e, ainda por cima, garante que o faz num segundo local da dependência de quem contrata a um preço ainda mais baixo. Depois começam os problemas porque não há ligação entre as funcionárias da empresa e o local onde trabalham (trabalham em vários locais), porque a hierarquia torna-se difusa (qualquer problema, dizem as funcionárias, tem que ser tratado com os serviços da empresa), porque não há flexibilidade, porque aumenta a burocracia quando a qualidade do serviço não corresponde ao contratualizado, e por aí fora. Vamos pensar colectivamente, isto é, se as funcionárias da empresa recebem por hora o que as funcionárias anteriormente nos quadros do Estado recebiam e se a empresa contratada tem custos administrativos e/ou margem de lucro então o outsourcing só tem lógica se a qualidade do serviço for muito superior e/ou não houver capacidade, por ser um serviço tecnologicamente inacessível, por parte de quem contrata fazer, internamente, essa actividade. Na maioria dos casos não é assim!

Hoje em dia o outsourcing em ministérios que nunca vão sair da alçada das funções do Estado são cada vez mais comuns. Estão a desmantelar-se, por exemplo, serviços informáticos e a fazer contratos de manutenção ou a pedir a terceiros que façam a totalidade do serviço informático. Admito que tenha algumas vantagens mas tenho ouvido falar de casos, que não posso provar, de contratos que não chegam ao fim com indemnizações chorudas porque as empresas de outsourcing não apresentam uma qualidade satisfatória, tenho ouvido falar de uma tal dependência de serviços do Estado com contratos de manutenção ou de desenvolvimento do sistema cada vez mais onerosa e doutras situações de perfeita dependência em relação às regras da empresa contratada. É que a partir do momento em que o Estado desmantela os seus recursos próprios não pode facilmente voltar atrás e as empresas sabem disso. Eu arrisco a perguntar se algumas empresas de outsourcing quiserem quebrar um contrato se não está em risco o pagamento de reformas, os concursos de professores ou até os salários na função pública, em tempo útil? É uma pergunta, não uma afirmação!

O que eu quero - e tenho o direito de o exigir - é informação sobre os reais benefícios comparativos que estas soluções têm trazido para o Estado. Alguém sabe se o Tribunal de Contas, que ainda recentemente alertou para o outsourcing, tem poderes para actuar? Se não os tem quem tem?

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18 Comments:

  • At 4:50 da tarde, Blogger Samir Machel said…

    No caso de uma actividade regular não há dúvida que o outsourcing sai de facto mais caro. Nem que mais não seja pela fatia choruda que fica com a empresa e o trabalhador nem vê.

    Já agora, deixei-te umas provocaçõezinhas no Bitoque, nos textos "Quem tem medo do Hamas" e "O que faz falta é semiótica OU How I learned to stop worrying and love Cavaco" de 24 e 26 de Janeiro.

     
  • At 4:53 da tarde, Blogger Samir Machel said…

    By the way, se és filho do 25 de Abril, tem cuidado.

    Olha que eles andam em destruição das conquistas de Abril e a privatizar tudo e mais alguma coisa.

    Ainda chega a ti...

     
  • At 5:13 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Samir,

    É exactamente sobre a realidade do balanço do(s) outsourcing(s) que o Estado faz que eu quero ser informado.

    Eu sou Filho do 25 de Abril porque cresci numa época de liberdade e devo isso á Revolução, só isso. Não tenho nada contra as privatizações e nem com o conceito de outsourcing se este for feito com transparência e ganhos efectivos. Aliás até sou defensor que o Estado não tenha sector empresarial mas que reforce a regulação.

    Quanto à destruição das conquistas de Abril não sou tão linear. Houve, porventura, "conquistas" nos direitos sociais que eu considero que não foram feitas de forma sustentável. Essas "conquistas", per si, talvez não sejam reais conquistas. Eu quero que as conquistas sociais sejam feitas de forma sustentável sem esquecer que não há crescimento sem justiça social nem justiça social sem crescimento.

    Abraço,

     
  • At 6:27 da tarde, Blogger Unknown said…

    Ricardo,

    Tocas num problema muito importante, o outsourcing do Estado.

    Já trabalhei num serviço que tinha uma cantina optima. Depois o boss lá do sítio resolveu modernizar o serviço o fez outsourcing com uma empresa especializada.
    As senhoras que trabalhavam para a cantina eram funcionárias e foram colocadas noutros trabalhos, alguns aparentemente inúteis e quanto à cantina a qualidade caíu em flecha. enquanto que dantes estava sempre cheia, até lá iam funcionários de outros serviços, depois passou a estar vazia.
    Nunca percebi onde estava o lucro, as instalações eram do serviço, o gás, água e electricidade também e, last but not least, o serviço continuou a pagar o ordenado às funcionárias que estavam na cantina!
    Quanto à informática o problema é muito mais grave. conheço autênticas barbaridades a este respeito e, pior, o Estado ao ver-se livre dos seus técnicos de informática perdeu capacidade de diálogo com as empresas que fazem o que querem, quando querem e ao preço que querem.
    Uma das piores histórias que conheço foi quando tinhamos como Primeiro Ministro um génio chamado Cavaco Silva (conheces?) que lançou o IVA fazendo outsourcing generalizado a uma empresa da especialidade. Além do Estado ter ficado nas mãos da empresa, o caos que esta lançou só agora, mais de quinze anos depois é que está a ficar resolvido.
    E, claro, nunca ninguém pediu responsabilidades ao Senhor Silva!

    Um abraço

     
  • At 8:05 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    No outsourcing nao havera um caso de dumping social? O "out" normalmente significa menos direitos e menores salarios. Mas mesmo estes custos nunca sao calculados, se alguem te ouvir Ricardo.

     
  • At 8:16 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Em primeiro lugar, não se deixem encantar com os palavrões de inspiração anglo-saxónica que só servem para mascarar as trafulhices e cobri-las de um manto de modernice. Porque se lhe chamarem o nome que tem em português, neste caso "contratação de serviços externos", a ideia não é tão facilmente vendida àqueles a quem a ideia irá prejudicar. Outsourcing, offshore, shoping, leasing, tudo invenções dos nossos mestres de marketing.

     
  • At 8:36 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Raio,

    Os exemplos de outsourcing mal sucedido envolvendo o Estado e privados são tão vastos que eu pergunto, aliás repito a pergunta, de quem é que tem poderes para controlar isto tudo!

    Talvez esteja aqui uma das explicações de porque o Estado diz que tem funcionários a mais mas, comparativamente a outros países, verifica-se que não. Voltamos a chegar á conclusão é que há um enorme problema de gestão no Estado e inúmeras empresas a viverem à custa deste.

    Abraço,

     
  • At 8:43 da tarde, Blogger Ricardo said…

    A. Cabral,

    Não me parece que estes casos (entre o Estado e empresas especializadas) haja dumping social. Há dumping social no sector privado quando deslocaliza centros de produção para outro país.

    Neste caso - entre o Estado e empresas prestadoras de serviços - julgo que esse não é o problema principal.

    A questão central é se o Estado - isto é, todos nós - ganhamos ou perdemos com estes negócios. E é isso que quero ver esclarecido.

    Abraço,

     
  • At 8:52 da tarde, Blogger Ricardo said…

    TNT,

    A "contratação de serviços externos" não é uma trafulhice per si. É uma prática comum no sector privado com resultados mais ou menos aceitáveis conforme a especialização da mão de obra pretendida.

    O que eu coloco em questão é se estes contratos têm lógica no sector público! E se têm lógica o porquê de estes serem tão pobremente fiscalizados. O que temos que nos preocupar é a posição de força que empresas de vários sectores estão a ganhar no Estado (as empresas farmacêuticas que preferem que o Estado tenha dívidas para com estas para controlarem o negócio, as empresas contratadas ao nível dos serviços porque sabem que o Estado não pode voltar atrás, e por aí fora) e a eficiência dos gastos do Estado. Continuo a preferir que o Estado utilize recursos próprios a menos que me prove que é melhor contratar serviços especializados. É essa "prova" que nunca é disponibilizada ou analisada.

    Abraço,

     
  • At 10:03 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Procurem saber a quem pertencem ou quais as ligações que as pretadoras de serviços têm com os detentores do poder. Em muitos casos, a questão fica logo explicada.
    http://desgovernos.blogs.sapo.pt/

     
  • At 10:20 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Corroboro o que diz desgovernos, uma vereadora da câmara municipal de Lisboa é a principal fornecedora de professores de inglês para as escolas primárias. Pelo que é legítimo pensar que tornar o inglês obrigatório na primária é uma forma de agradar aos amigos. Em algum outro país há uma língua estrangeira na primária?

     
  • At 10:37 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Viva,

    Parece que os comentários estão a convergir para que o outsourcing tem sido prejudicial ao Estado.

    Haverá alguém com opinião diferente?

     
  • At 9:44 da manhã, Blogger Lou said…

    No meu ponto de vista, as empresas de outosourcing deviam ter só as seguintes aplicações: na preparação da criação de um determinado serviço para o qual não existe de momento nessa empresa ou minesterio, neste caso; na substituição de elementos temporários devido a ferias ou doença dos seus elementos;

    De resto não vejo qualquer utilidade nelas a não ser pagar salários miseráveis aos seus trabalhadores e receber grandes pagamentos pelos mesmos, para além do grande distanciamento que se cria entre a entidade empregadora e a sua chefia temporária, pois um dia estamos aqui outro dia sabe-se lá. É a velha teoria da adaptabilidade do homem aplicada aos tempos modernos.

     
  • At 12:42 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    Em resposta um pouco atrasada, havera dumping social porque nas empresas out emprega-se a recibos verdes e com grandes turnovers. Para alem de que muitas destas micro-empresas para ter apoios estatais de instalacao duram poucos anos e vai tudo corrido para o desemprego. No estado ate ha pouco tempo, ainda havia contractos colectivos, seguranca no emprego e na carreira. E por comparacao ao que se passa no "competidor" outsorcer que agora se argumenta que e' preciso mais "flexibilidade".

     
  • At 1:34 da tarde, Blogger Unknown said…

    "há um enorme problema de gestão no Estado e inúmeras empresas a viverem à custa deste."

    Exacto, há uma data de empresas a quererem o bolo do Estado e para isso, a primeira coisa a fazer á correr com os funcionários públicos. Quanto menos funcionários públicos existirem mais dinheiro há para outsourcing, ou seja CSE (Contratação de Serviços Externos, não confundir com CSI que é uma série de TV).
    Portugal creio que ainda está atrasado nesse campo, há, na europa, outros países mais avançados.
    Estamos sempre a ouvir que o Estado português gasta 15% do PIB em salários dos seus funcionários enquanto que a média na UE é de 13%.
    Mas ninguém refere que o Orçamento do Estado português em relação ao PIB é inferior á média da UE.
    Creio que a diferença está no CSE, os outros paísaes fazem mais CSE do que nós.
    Portanto o importante não é que o Estado gaste menos dinheiro, o importante é que o Estado gaste menos dinheiro em salários, mesmo que para isso tenha de ir gastar mais dinheiro noutro lado.

    Um abraço

     
  • At 5:25 da tarde, Blogger Samir Machel said…

    Ricardo, disseste:
    1 concordavas com o "outsourcing se este for feito com transparência e ganhos efectivos." Isto vem de encontro ao que eu disse em termos de eficiência.

    Agora levantam-se vários problemas a nível social (ver cabral), lealdade e mesmo de controlo.

    2. "Aliás até sou defensor que o Estado não tenha sector empresarial mas que reforce a regulação." o.k., reconheço a importância da regulação (fiz um texto algures no bitoque sobre isso, disregarding quem tem os meios de produção) Mas a quem entregas a regulação? Portugal tem sido um bom exemplo de má regulação. Mas mesmo nos casos de boa regulação, os interesses são tão fortes que só havendo uma noção de solidariedade social muito forte dentro da sociedade é que a situação não descamba.

    3 "Quanto à destruição das conquistas de Abril não sou tão linear. Houve, porventura, "conquistas" nos direitos sociais que eu considero que não foram feitas de forma sustentável. Essas "conquistas", per si, talvez não sejam reais conquistas. Eu quero que as conquistas sociais sejam feitas de forma sustentável sem esquecer que não há crescimento sem justiça social nem justiça social sem crescimento."

    As conquistas decorrem das ânsias de décadas de miséria. E só foram concedidas pelo exigência do povo e de forma a apaziguar os desejos de maiores mudanças.

    Embora concorde contigo que alguns dos direitos certamente não seriam ou ainda não são sustentáveis, tens um forte problema de assimetria na sociedade. Para uns os direitos garantidos não são sustentáveis, enquanto outros usufruem desses direitos e muitos mais, sugando tudo quanto possam.

     
  • At 5:43 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Samir,

    1. A questão do dumping social é complexa e até o Estado não pode fugir às suas consequências. Como defendi anteriormente acho que o Estado deve limitar o uso do outsourcing por este não ser eficaz nem financeira, nem socialmente nem ao nível da autonomia do Estado;

    2. A regulação deve estar entregue a autoridades independentes na execução mas dependentes nas orientações em relação ao Estado. O Estado deve poder legislar e dar as orientações globais às autoridades, na minha opinião, com total liberdade. Depois quem fiscaliza o Estado são, como normal, os cidadãos e os tribunais;

    3. A questão das conquistas sociais é muito complexa e não queria abordá-la de forma fugaz. Já escrevi textos longos sobre isso. Só deixo uma provocação, ou seja, qual destes homens fez uma conquista social: "aquele que aumentou os direitos mas cuja sustentabilidade é finita a curto prazo ou aquele que acaba com alguns direitos para tornar o resto dos direitos sustentáveis?". Fica a pergunta com a nota que não foram os mesmos de sempre que ficaram com as regalias diminuídas porque os políticos (e muitas outras classes com influência) perderam significativamente direitos adquiridos.

    Abraço,

     
  • At 6:42 da tarde, Blogger Samir Machel said…

    Umas breves notas:
    "2. A regulação deve estar entregue a autoridades independentes na execução mas dependentes nas orientações em relação ao Estado. O Estado deve poder legislar e dar as orientações globais às autoridades, na minha opinião, com total liberdade. Depois quem fiscaliza o Estado são, como normal, os cidadãos e os tribunais;"

    Na minha opinião continua a haver muita promiscuidade entre reguladores e regulados (já para não falar dos ministros, exemplos como Luis Filipe Pereira,...)

    Quanto aos cidadãos e tribunais...


    3. concordo com a necessidade de sustentabilidade. Mas por exemplo seria interessante porque não há sustentabilidade. Por exemplo, sobre a SS fiz um texto "Terrorismo Social" que aponta algumas causas, especialmente de maus governos.

    "Fica a pergunta com a nota que não foram os mesmos de sempre que ficaram com as regalias diminuídas porque os políticos (e muitas outras classes com influência) perderam significativamente direitos adquiridos."

    É verdade que houve alguns bons passos. Mas medidas avulso não resolvem. Mais, isto por si, apenas revela algum bom senso na parasitagem. Até para esta é preciso bom senso e não deixar o hospedeiro morrer...

    Enquanto não houver um projecto credível de forma a termos uma sociedade mais coesa e equitativa, dificilmente a confiança será restaurada. Portugal continua e continuará a ser um dos países europeus com maior disparidade de rendimentos. E o problema é que o nosso lower bound é pornográfico!

     

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