Filho do 25 de Abril

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quinta-feira, fevereiro 16, 2006

785. Guerra de Civilizações

Ao assistir, a semana passada, ao programa Quadratura do Círculo deparei-me com uma frase de Pacheco Pereira que não consigo tirar da cabeça. Este dizia, e não consigo reproduzir textualmente, que os norte americanos já perceberam há muito tempo que a guerra de civilizações já começou e que só nós não queremos compreender isso. Desde esse dia tenho observado com atenção os sinais aparentes que a nossa, digo ocidental, Comunicação Social transmite. E fico cada vez mais confuso...

Sim, as palavras de Pacheco Pereira não me abandonam! Mas eu não me sinto em guerra! Nem sinto essa guerra da forma que a querem definir. Sim, os meus valores não são iguais aos valores dum muçulmano mas também não são iguais aos valores dum cristão ou judeu e, por não serem iguais, não significa que esteja em guerra com eles. Não quero impor os meus valores com violência e não aceito que me imponham a mim mas, repito, eu não estou em guerra.

Não consigo deixar de pensar nas consequências das palavras de Pacheco Pereira ditas daquela forma tão seca. Vamos analisar o que aconteceu nas últimas semanas: caricaturas foram desenterradas dum baú que estava fechado há 4 meses, um vídeo foi encontrado com agressões de militares britânicos a adolescentes iraquianos com toques de sadismo que deve ter largos meses ou até anos e agora foram reveladas novas e demolidoras fotografias de Abu Ghraib, um caso que já tem mais de um ano. Serei o único que acha estranho que, na mesma semana, apareça cirurgicamente um conjunto de dados que, aparentemente, provam ou alimentam a tese de guerra de civilizações? Em 15 dias passamos de umas guerras localizadas com radicais para um sentimento generalizado de guerra entre culturas. Ninguém acha estranho?

Por isso não consigo deixar de pensar nas palavras de Pacheco Pereira. Porque a palavra guerra entre civilizações, entre culturas, entre ocidentais e bárbaros ou entre bárbaros e muçulmanos entra no meu ouvido todos os dias mas não é o que eu sinto. Eu não estou em guerra! Quem está em guerra?

Esta expressão "Guerra de Civilizações" serve a quem? Porque é que todos nós, diariamente, com textos sobre os bárbaros que não respeitam os nossos valores e que querem destruír a nossa liberdade - quando ela está é a ser retirada pelos nossos Governos para combater os supostos bárbaros (que antes eram uma minoria mas, da noite para o dia, são uma larga maioria) e não pelos supostos bárbaros - estamos a alimentar esta suposta guerra? Quem está a beneficiar com esta escalada emocional de orgulho por quem somos e desprezo pelo que os outros são?

Seremos todos peões dum tabuleiro que não compreendemos e estaremos a ser usados para alimentar uma guerra artificial ou estaremos realmente numa "Guerra de Civilizações"? Estaremos, "ocidentais" e "muçulmanos", que afinal somos todos homens, a sermos manipulados por radicais que têm uma agenda ou será que realmente há ódio e que dificilmente vamos poder conviver todos no mesmo espaço?

Absorvi as palavras de Pacheco Pereira mas não as sinto! Eu não estou em guerra nem ninguém vai convencer-me que desprezamos quem não pensa como nós da forma como querem que eu acredite!

14 Comments:

  • At 8:42 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Eu acho que sim. Tens toda a razão para estar preocupado, há uma campanha para acicatar o ódio e haver uma guerra pseudo-ideológica.

     
  • At 10:52 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    O que penso que o Pacheco Pereira quis dizer foi que os extremistas islâmicos se sentem em guerra com o Ocidente mesmo que o Ocidente não se sinta em guerra com eles. Ora os EUA já se sentem em guerra, a Europa (talvez) não. Mas que ela existe, existe.

     
  • At 3:57 da manhã, Blogger João Dias said…

    Partilho em absoluto este estranhar consciente.
    Dão nos o carvão e depois esperam que acendamos o rastilho.
    A guerra em si não existe, em termos físicos claro está, ela poderá existir nas nossas mentes e convém que ele esteja bem vincada nas nossas mentes para que o projecto possa solidificar-se e tornar-se uma realidade que, diga-se, convém a poucos.

     
  • At 9:01 da manhã, Blogger Unknown said…

    Uma assinalável percetagem das palavras que Pacheco Pereira profere não merece grande contemplação ou reflexão... mas esta é uma opinião muito própria.

    A situação dos cartoons, tanto quanto percebi, teve o seu berço na mente revanchista e lunática do Imã da Dinamarca. Coisa agendada com calma aquando dos últimos ritos de Meca.

    E com isto, aperceberam-se da força que a opinião pública (no caso muçulmano, populações iradas) pode emprestar aos seus propósitos belicistas.

    Não há guerras sem senhores da guerra. Mas se estes manipularem o povo ao ponto de nele incutir a guerra, tanto melhor.

    Não há guerra de civilizações, há antes uma imensa manipulação de tudo e todos. Sem que da verdade haja o mínimo vislumbre.

    Perante afirmações catastrofistas como a de Pacheco Pereira, prefiro reclamar do meu bom senso e olhá-las como mais um produto da imensa mentira que todos os dias nos é oferecida como sendo a verdade dos factos.

     
  • At 12:18 da tarde, Blogger A. Cabral said…

    Da parte do Pacheco Pereira e do Jose Manuel Fernandes (em geral a seccao de opiniao do PUBLICO) tem vindo uma campanha pro-guerra das civilizacoes. Nao sou tipo que aplauda o PS em muitas ocasioes mas no caso dos cartoons as declaracoes da Ana Gomes, do Freitas e do Socrates tem sido sensatas. Esta dualizacao dos conflitos, como ja se disse aqui, interessa a poucos. O PS percebe que na origem esta a extrema direita Europeia, por exemplo a CDU na Alemanha, para extrair da instabilidade no medio oriente um medo xenofobo que os favorece eleitoralmente.

    Temos so que recordar de onde vem esta ideia do "choque de cilizacoes" , vem dos teoricos da geopolitica americana. E' proposta, ja' no inicio dos anos 90 como uma nova missao geopolitica para os EUA finda a Guerra Fria. E' uma justificacao para que os EUA se mantenham como policia mundial. E' uma construcao que agora na Europa ganha estes novos usos xenofobos.

     
  • At 3:34 da tarde, Blogger José Raposo said…

    Ricardo, eu acho que a resposta às tuas inquietações está mais ou menos na questão da falta de tolerância que temos e que têm em relação a nós outros povos. Eu tb não me sinto em guerra, mas sinto-me fortemente motivado a defender aquilo que me parece ser uma ameaça instrumentalizada pelos governos dos países muçulmanos, mas tb pelos nossos governos que ao se calarem vão alimentando um medo que lhes serve para melhor nos controlarem sob uma capa de protecção militar.

    É realmente estranha a sucessão de acontecimentos que falas, e como subitamente um acontecimento retardado quatro meses se torna numa espécie de guerra de civilizações. Mas tb não será totalmente inocente o aparecimento de cada vez mais apologistas das limitações da liberdade de expressão ou imprensa baseados em conceitos mais ou menos obscuros de bom gosto ou de boa ou má imprensa.

    Preocupa-me que o conceito de liberdade de imprensa não esteja consolidado ao ponto de acharmos detestável ou idiota o que os jornais escrevem sem lhes queremos limitar a possibilidade de escreverem disparates.

    Tal como tu não partilho os mesmos valores com os muçulmanos e em muitos aspectos revejo muito poucos dos meus valores noutros ocidentais que tal como eu partilham a mesma herança cultural.

    Pacheco Pereira é apenas mais um num universo da "comentarite" (a que nós tb pertencemos) e o impacto das suas palavras vale pela credibilidade que lhe quisermos dar.

    Eu tb acho que existe um choque de civilizações evidente e que mais tarde ou mais cedo vai acabar por ter de se resolver, mas não alinho no grupo daqueles que defende a guerra ou a violência como forma de resolver o problema e que insistem em querer arrastar novamente a Europa para a difícil situação de ter de decidir de que lado está da barricada.

    A Europa tem um papel neste choque de civilizações e tem de ser a sua própria visão do problema e não a visão maniqueísta dos americanos.

    No entanto as posições Europeias dos últimos tempos levam-me a crer que nos estamos a demitir da responsabilidade de ter uma posição firme.

     
  • At 3:51 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Fernando,

    "O que penso que o Pacheco Pereira quis dizer foi que os extremistas islâmicos se sentem em guerra com o Ocidente mesmo que o Ocidente não se sinta em guerra com eles."

    Esta frase está confusa! É verdade que os extremistas islâmicos se sentem em guerra com o Ocidente mas o Ocidente está em guerra com os extremistas islâmicos. Não está é com o Islão nem o Islão connosco apesar de ambas as partes terem convicções que não são compatíveis.

    "Mas que ela existe, existe."

    Em que termos, Fernando? Quem está em guerra com quem? É isso que convém esclarecer antes de criar uma nova guerra fria.

    Abraço,

     
  • At 3:54 da tarde, Blogger Ricardo said…

    rsd,

    "Perante afirmações catastrofistas como a de Pacheco Pereira, prefiro reclamar do meu bom senso e olhá-las como mais um produto da imensa mentira que todos os dias nos é oferecida como sendo a verdade dos factos."

    Há aqui um ponto curioso. Mesmo que nos digam a verdade - repara que na sucessão de acontecimentos recente não podemos negar nenhum - quem controla o impacto na opinião pública é quem controla os timings. Podemos estar a criar um exagero da realidade baseado na verdade.

    Bjs,

     
  • At 4:10 da tarde, Blogger Ricardo said…

    A. Cabral,

    O que me preocupa é que foi na imprensa e na blogosfera que casos lamentáveis que geraram uma violência inaceitável tiveram eco da forma como tiveram. Um caso, como o das caricaturas, que foi claramente manipulado deu voz a um conflito de posições civilizacionais que foi alimentado pela blogosfera este tempo todo.

    Basta ler as caixas de comentários para perceber que há uma escalada xenófoba que julga o todo pelas acções duma parte. E confesso que fico preocupado...

    Abraço,

     
  • At 4:23 da tarde, Blogger Ricardo said…

    José Raposo,

    "Eu tb não me sinto em guerra, mas sinto-me fortemente motivado a defender aquilo que me parece ser uma ameaça instrumentalizada pelos governos dos países muçulmanos, mas tb pelos nossos governos que ao se calarem vão alimentando um medo que lhes serve para melhor nos controlarem sob uma capa de protecção militar."

    O que é irónico é que a nossa liberdade de expressão e imprensa não está a ser limitada pelos tais "bárbaros"! Quem quiser estar atento sabe que quem nos está a retirar direitos e liberdades são os nossos representantes, escudados na defesa a estes mesmos "bárbaros". Mas aproveita-se a "desculpa" do terrorismo - que agora é civilizacional - para vigiar tudo e todos e, mais grave, para aprovar leis nacionalistas que limitam a nossa liberdade de criticar o próprio país. Afinal quem está a colocar em causa os nossos valores?

    Quem é que ameaçou os nossos valores? Um grupo de extremistas que utilizou a violência como resposta a uns cartoons. E o resto? Manifestou-se pacificamente criticando as caricaturas (note-se que a liberdade de expressão dá-nos o direito a criticar até a liberdade de expressão e, no limite, criticar o mau gosto que advém da liberdade de expressão sem colocar esta em causa). Achas que se todo o Islão quisesse realmente limitar a Europa a violância teria tido níveis completamente diferentes destes. Não convém confundir o Islão com os seus radicais da mesma forma como não quero ser confundido com os grupos radicais que operam em Portugal.

    Abraço,

     
  • At 4:51 da tarde, Blogger Pedro Morgado said…

    O meu pensamento está muito longe de ser igual ao de um muçulmano ou cristão... Mas acho que está a preparar-se uma guerra de civilização na qual podemos afirmar metaforicamente que já entrámos... E isso preocupa-me imenso!

     
  • At 8:13 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Ricardo, escreveste: "Esta frase está confusa! É verdade que os extremistas islâmicos se sentem em guerra com o Ocidente mas o Ocidente está em guerra com os extremistas islâmicos."
    O Ocidente está em guerra com os extremistas? Ou apenas parte do Ocidente? Penso que é precisamente esse o cerne da declaração de Pacheco Pereira: se uma parte do Ocidente (incluindo os EUA, há muito tempo, como diz Pacheco Pereira) já compreendeu que existe uma guerra com os extremistas islâmicos, outra parte não! E o problema está nessa outra parte, nesses Freitas que dão a mão e não percebem que lhes há-de ser pedido o braço (aliás, veja-se o que o embaixador iraniano disse a seguir à fantástica declaração de Freitas: obrigado pela compreensão, agora peguem lá a negação da gravidade do holocausto).

    Agora, claro que a guerra não é com o Islão, mas com os extremistas islâmicos. Se reparares, nem no meu anterior comentário nem no meu blog disse alguma vez que a guerra é com todo o Islão. Eu até sou favorável à entrada da Turquia na UE! Não, a guerra é com os extremistas. A guerra é com aqueles que não aceitam outro modelo de sociedade que não o seu, seja em Teerão, em Londres ou em Pequim.

    Perguntas-me depois em que termos existe essa guerra, quem contra quem, para não criarmos uma nova guerra fria.

    Quem contra quem? Extremistas islâmicos contra aqueles que acreditam na Liberdade. Em que termos? Guerra ao terrorismo, pressão para a democratização, não-cedência nos nossos princípios fundamentais. Nova guerra fria? Nova? Ricardo, não compreendo. Já há quem nos queira impor um modelo de sociedade, à força, em guerra. Pouco fria, aliás.

     
  • At 8:38 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Fernando,

    Esclarecida que está a tua frase, que o meu comentário caíu no mesmo erro (ao generalizar o Ocidente), vamos ao fundamental.

    "Quem contra quem? Extremistas islâmicos contra aqueles que acreditam na Liberdade. Em que termos? Guerra ao terrorismo, pressão para a democratização, não-cedência nos nossos princípios fundamentais. Nova guerra fria? Nova? Ricardo, não compreendo. Já há quem nos queira impor um modelo de sociedade, à força, em guerra. Pouco fria, aliás."

    Aqui está a essência da discussão, ou seja, não há nenhuma guerra civilizacional. Há uma guerra contra uma táctica, a do terrorismo, praticada por grupos extremistas. Da mesma forma que eu tenho uma guerra contra outra táctica, a da tortura e da prisão sem julgamento e das leis nacionalistas. E é por aqui que devemos ficar.

    Mas, como bem sabes, há uma tentativa de alargar esta guerra a conceitos civilizacionais. Uns realmente inaceitáveis mas que, na generalidade, temos que aceitar mesmo que fujam à nossa compreensão.

    Quem nos quer impor um modelo de sociedade são extremistas e, nesse aspecto, temos feito um "melhor" trabalho que estes. Num comentário anterior escrevi:

    "O que é irónico é que a nossa liberdade de expressão e imprensa não está a ser limitada pelos tais "bárbaros"! Quem quiser estar atento sabe que quem nos está a retirar direitos e liberdades são os nossos representantes, escudados na defesa a estes mesmos "bárbaros". Mas aproveita-se a "desculpa" do terrorismo - que agora é civilizacional - para vigiar tudo e todos e, mais grave, para aprovar leis nacionalistas que limitam a nossa liberdade de criticar o próprio país. Afinal quem está a colocar em causa os nossos valores?

    Quem é que ameaçou os nossos valores? Um grupo de extremistas que utilizou a violência como resposta a uns cartoons. E o resto? Manifestou-se pacificamente criticando as caricaturas (note-se que a liberdade de expressão dá-nos o direito a criticar até a liberdade de expressão e, no limite, criticar o mau gosto que advém da liberdade de expressão sem colocar esta em causa). Achas que se todo o Islão quisesse realmente limitar a Europa a violância teria tido estes níveis ou seriam completamente diferentes destes? Não convém confundir o Islão com os seus radicais da mesma forma como não quero ser confundido com os grupos radicais que operam em Portugal."

    Não nos podemos esquecer do que estamos a combater para não chegarmos a generalizações absurdas.

    A nossa posição só tem nuances, não divergências. Mas convém, e esta mensagem não é dirigida a ti, não nos desviarmos do que estamos realmente a combater.

    Abraço,

     
  • At 4:28 da manhã, Blogger Ricardo said…

    Observador,

    Vou ser é o primeiro que não vai admitir alterações à lei da liberdade de imprensa e expressão, ou a qualquer outro pressuposto do nosso modelo democrático, impostas pelo exterior ou pelos meus representantes. Se não queres perceber isso e, ao mesmo tempo, que não me identifico com uma guerra de civilizações então é porque, para ti, as generalizações são o melhor método para simplificar o mundo.

     

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