Filho do 25 de Abril

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domingo, fevereiro 26, 2006

796. Matar sem motivo

A violência praticada por um conjunto de jovens residentes na Oficina de São José (Porto) que resultou na morte de um sem abrigo merece os seguintes comentários:

- Espero que não ouça nem mais uma palavra com o objectivo de minimizar a vítima. O seu pretenso estado de saúde, orientação sexual e/ou mudança de sexo, inexistência de residência ou nacionalidade não podem minimizar nada do que se passou e, muito menos, servir de argumento para desculpabilizar actos de violência. As declarações que um padre proferiu referindo-se à nacionalidade, estado de saúde e condição de sem abrigo da vítima são inaceitáveis;

- O crime é chocante e mostra bem como a intolerância e a ignorância são perigosas. Segundo o Público o "sem-abrigo, de 45 anos, terá sido amordaçado, espancado, apedrejado" e os "menores ter-lhe-ão ainda introduzido objectos no ânus"! Desconheço a hora da morte mas suspeita-se que poderá haver um intervalo de mais de 24 horas entre o espancamento e a morte da vítima. O motivo aparentemente não existe a menos que "limpar a sociedade" seja algo a ter em consideração como motivo. É inacreditável;

- É preciso também sublinhar que cabe às autoridades monitorizar edifícios abandonados, ainda mais quando são conhecidos locais de prostituição e consumo de droga. Aparentemente o edifício onde tudo isto aconteceu está abandonado há 15 anos;

- Não me interessa se a tutela da residência destes jovens é a Igreja ou o Estado mas não é aceitável que, todos os anos, apareçam notícias de falhas inaceitáveis na protecção e controlo de jovens. Os exemplos recentes que descrevem uma infância em instituições estatais parecida com um filme de horror deviam ter sido o mote para criar regras claras neste tipo de instituições de protecção mas também de controlo dos menores, sejam estes orfãos ou oriundos de famílias problemáticas, tenham ou não um passado criminal;

- O Ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, defende que "baixar idade de imputabilidade não é melhor solução"! Não sei se tem ou não razão e se, com o tempo, não vamos ter que criar excepções a esta regra mas vou ser claro num ponto, ou seja, legislar a quente nunca é uma boa solução. Mas, após uma reflexão cuidada deste caso, talvez haja necessidade de adaptar a lei de modo a punir severamente este tipo de situações.

7 Comments:

  • At 11:05 da manhã, Blogger Unknown said…

    custa a crer que num país como este tal pudesse suceder. mas as estatísticas da violência doméstica são as primeiras a revelar a abjecta realidade...

    a ignorância e a intolerância são o húmus da selvajaria. tenho andado afastada da actulidade, o tempo para tv e jornais é semi-nulo. mas ao ler o teu post nem podia acreditar que um padre minimizasse uma ovelha do rebanho, justificando de algum modo o comportamento bárbaro de quem se julgou em poder para espancar até à morte aquele que aos olhos da lei (e pelos vistos de deus...) é o zé ninguém.

    sobre a imputabilidade dos agressores não me pronuncio. é um assunto demasiado complexo. as instituições que permitem o crescimento de gente tão mal formada quanto eles partilham responsabilidade pelo sucedido.

     
  • At 2:40 da tarde, Blogger Fernando said…

    Porque acontece isto Ricardo? Nada pode desculpabilizar o acto, mas deve tentar-se compreender as razões. Não tenho certezas. Tenho muitas dúvidas é se aquele acto seria feito a um cidadão dito "normal". O preconceito, o racismo, o estigma a todos aqueles que fogem ao esteriotipo "aceite", são o principal alvo. Assim como são acompanhadas nas ditas instituições. A cultura de ódio, de pretensa superioridade moral e ética, perante certos "comportamentos ou pessoas" fomentados por certos extremistas, ajudam a compreender estes fenómenos, em minha opinião. E claro que neste caso o melhor é ir pelo aumento das penas. Nem que seja a crianças de 11 e 12 anos. Talvez alguém deseje até a pena de morte, se não se quiser fazer um esforço para compreender os fenómenos. Para mim as crianças, cometeram um crime, devem ser incriminadas com senso e nunca tratadas como criminosas como já por aí vi escrito. Aja bom senso. Ninguém com aquela idade e isoladamente cometeria um crime daqueles. É preciso fazer o enquadramento psico-sociológico. Melhorar o país, cabar com as desigualdades, discriminações, apostar na cultura e formação cívica.

     
  • At 4:02 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Senm soambra de dúvidas, acaro amigo Ricardo: legislar a quente não é a melhor solução. Mas esta questão já se vem a arrastar há muito tempo - demasiado aliás - e já ultrapasou há muito a ruborização de uma qualquer cólera instantanea. Urge que pensemos em soluções. Como escrevia lá no Devaneios Desintéricos, não seria defensável, ao invés, uma alteração cirúrgica que permitisse uma "imputabilidade mitigada" permitindo aplicar aos maiores de 14 anos o mesmo esquema aplicável aos maiores de 16? Por exemplo, uma presunção de inimputabilidade ilidida por recurso a peritos em Psicologia, ao invés do estabelecimento de uma rígida inimputabilidade que vê sair os orquestradores de tamanha barbárie completamente impunes.

    Excelente post, amigo Ricardo.

     
  • At 4:04 da tarde, Blogger Bart Simpson said…

    o que aconteceu é grave demais para fazer de conta... e tem muitas explicações.

     
  • At 9:54 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Não quero ser o advogado do diabo, mas já leram Os Capitães da Areia de Jorge Amado? Eu li faz tempo e apenas retive que era um grupo de meninos que se comportava como outros tantos grupos de adultos porque foram obrigados a viver na selva (neste caso a areia da praia), sem eira nem beira. Para com o infeliz que morreu, só se pode ter piedade. Mas os jovens não são merecedores de menos piedade, quiçá talvez mais devido ao facto de "não suporem" que o final podia ser trágico. Inocência?

     
  • At 5:40 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Uma adição a discussão.

    Interessante dizer que as taxas de violência doméstica já ultrapassam as das públicas. Vivemos [pelo menos no Brasil que a minha realidade] uma guerra civil escrachada. O que antes era um ato velado, agora se faz corriqueiro, como beber água. E o medo em dizer "como beber água' tem fundamento. O ato se tornou tão efemero que pessoas são mortas a troco de nada. Recentemente, aqui no Brasil, surgiu o que chamamos de sequestro relâmpago, onde a vítima é sequestrada num perido de horas onde a levam à caixas eletronicos para sacar dinheiro. Mas, se a vítima não tiver "a grana" (dinheiro, simplesmente lhe dão um tiro à queima roupa. Mas o chocante é saber que há pessoas que o fazem por puro prazer da subjulgação alheia. Um tanto sadomasoquista.
    As pessoas estão ficando doentes.

     
  • At 5:43 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Ah e mais uma coisa. Existe no Congresso Federal projetos de lei para a redução da maioridade (21) para 18 anos.
    Se pessoas com 16 anos de idade já são permitidas a votar, mais do que justo que essas mesmas possam vir a juri e responder a seus atos.

     

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