Filho do 25 de Abril

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segunda-feira, maio 29, 2006

856. A despesa da nossa saúde


Bruno Gonçalves, do blogue Bodegas


O Bruno, do sempre interessante blogue Bodegas, escreveu um artigo de opinião no suplemento do Público – Dia D – com o título “A despesa da nossa saúde”. Não concordo com algumas das sugestões do Bruno – é natural, vemos a economia e a sociedade de forma diferente – mas compreendo a linha de raciocínio do que é defendida no artigo e a exposição das suas convicções é lúcida e simples.

“A transformação de vários hospitais públicos em Entidades Públicas Empresariais (EPE) mostra qual o rumo que tem que ser seguido.”

(...)

“Perante a simples hipótese da privatização de uma parte do SNS, argumenta-se a perda da ‘humanidade’ reflectida na prestação gratuita de cuidados de saúde.”

(...)

“O futuro do financiamento do sistema de saúde português terá que passar obrigatoriamente por uma contribuição directa entre o utente e a instituição que presta os serviços. Essa passagem, como é evidente, deverá ser acompanhada de uma progressiva diminuição da carga fiscal.”


O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa – e neste ponto estou de acordo com o Bruno – de gestão privada mas tenho enormes reservas ao que é defendido depois, ou seja, a privatização de parte do SNS. É importante separar bem as águas entre gestão privada e privatização. Concordo que esta distinção é mais ideológica que técnica mas mesmo neste último campo tenho dúvidas quanto à possibilidade das vantagens serem maiores que as desvantagens. Eu não concordo que a saúde seja gratuita - nem a prestação da saúde é – nem que tenda a ser porque os impostos são uma forma de pagamento da saúde – não directo – e porque, para mim, o importante é que a saúde seja universal. Este conceito de universalidade obriga a uma redistribuição através dos impostos, ou seja, os que auferem mais pagam mais em proporção (é mais correcto dizer os que declaram mais) e, mesmo na mesma classe de rendimentos, beneficiam mais deste sistema quem tiver o “azar” de ter mais complicações de saúde ao longo da vida. Encaro a universalidade como um imperativo social e defendo com convicção o direito à prestacão de cuidados de saúde até estarem esgotadas as opções economicamente viáveis – daqui a importância da gestão privada com critérios diferentes da gestão duma empresa – e temo que um sistema privatizado baseado em opções privadas de protecção de saúde – que têm mesmo assim critérios diferentes dum sistema público – não garanta com tanto rigor este conceito de universalidade. Mesmo assim considero que a grande vantagem dum sistema privado mais alargado seria o acesso a melhores tecnologias – apesar de só para alguns – e a uma maior resistência a lobbies.

“Tendo em conta a quantidade de pessoas que abdica dos serviços de saúde públicos para se dirigir aos privados, sacrificando as suas contribuições pela qualidade do atendimento, compreende-se que as instituições estatais só têm a aprender e a ganhar.”

(...)

“(...) é fundamental possibilitar uma maior liberdade de escolha por parte do utente dos serviços. Por exemplo, um doente deverá ter a oportunidade de escolher a unidade de saúde onde quer ser tratado.”


Esta questão está, obrigatoriamente, ligada à “discussão” anterior. Obviamente que defendo a existência de serviços privados de saúde e obviamente que deve ser promovida a liberdade de escolha por parte do utente. Mas o segmento alvo destes serviços não é a população em geral, e isto parece-me inquestionável. O segmento alvo começa na classe média e acaba nos que possuem mais recursos económicos e mesmo a classe média, protegida por seguros privados, tem limites de cobertura dos gastos de saúde. Por isso, e sublinhando de novo o conceito de universalidade, os serviços privados só podem ser universais com o apoio dos impostos (com redistribuição). Posto isto defendo que a contribuição para o SNS continue a ser obrigatório e com componente redistributiva independentemente do utente decidir ou não utilizar os serviços públicos e só para além desta obrigatoriedade é que defendo a livre utilização dos rendimentos. É a única forma, na minha óptica da sociedade, de garantir não só a universalidade mas também que mesmo os que tenham mais recursos nunca fiquem em dificuldade por necessitarem ou de tratamentos menos propensos a dar lucro ou porque são mais propensos a doenças. Isto não entra em contradição com a minha concordãncia na possibilidade de escolha da unidade de saúde a ser tratado quer por uma maior flexibilização do Estado em financiar tratamentos em unidades privadas quer em permitir maior liberdade de mobilidade dos utentes entre unidades públicas por opção deste.

Mas, acima de tudo, parabéns ao Bruno por um texto moderado e coerente com as suas convicções...

5 Comments:

  • At 3:09 da manhã, Blogger Unknown said…

    Caro Ricardo,

    Um conhecido meu contou-me outro dia esta história:

    No espaço de um mês teve dois acidentes no meio da rua e foi levado pelo 112 primeiro para um dos hospitais públicos de Lisboa e depois, no segundo acidente, para o Amadora-Sintra, hospital público cuja gestão é privada.
    No público foi imediatamente atendido, tratado e engessado. No outro esteve mais de cinco horas à espera de ser atendido, isto no meio de gente a protestar e sem condições para estar á espera.


    Já aqui há uns anos conduzi um familiar meu que adoeceu de repente ao Amadora-Sintra. A desgraça era semelhante, horas á espera, gente a protestar, etc.
    Passado algum tempo, o mesmo familiar que entretanto mudou de morada voltou a ter problemas de saúde e conduzi-o a um hospital público de Lisboa, o atendimento foi imediato e muito profissional.
    Em resumo, por todas estas experiências tenho muito boa opinião dos hospitais públicos e péssima opinião do Amadora-Sintra, o único que conheço com gestão privada.
    Actualmente a gestão privada parece ser uma panaceia para os nossos políticos, uma panaceia que parece resolver todos os problemas.
    A meu ver o único problema que a gestão privada resolve é o dos políticos que assim se desresponsabilizam e simultaneamente fazem amigos entre os empresários que vão apanhando os negócios.
    E, no fim, o Estado até parece acabar por gastar mais dinheiro pois duvido que a tal gestão privada saía mais barata...

    Um abraço

     
  • At 7:30 da manhã, Blogger Ricardo said…

    Raio,

    Não defendo a gestão privada em todos os moldes. Apenas disse que realmente mesmo na saúde tem que haver critérios economicistas porque só há duas formas da saúde deixar de ser universal:

    1. Se o SNS fosse substituído por um sistema de seguros que não fosse fortemente regulado (mas aí também deixava de ter interesse no sector e o Estado ia ter que co participar na mesma);

    2. Se o desperdício na área da saúde fosse de tal forma grande que o SNS nem conseguisse garantir os cuidados médicos essenciais no tratamento de cada doença e que todos devem ter direito.

    Abraço,

     
  • At 11:48 da manhã, Blogger Barão da Tróia II said…

    Eu defendo antes de tudo, que exista Gestão, coisa da qual não parece existir réstia de noção em lado algum da Administração Pública de Portugal.

     
  • At 4:06 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Não, Sr.Ricardo. Você não sabe do que fala.
    Ou então, anda para aí a escrever uns textositos que encaixem nos módismos neoliberais do assalto ao dinheiro do Estado sempre assentes num discurso contra os serviços do Estado, para ver se alguém lhe paga o almocito.
    Olhe: reforçando ali a história do "o raio" eu vou dar-lhe umas dicas para você se orientar:

    1.ª dica: Essa verborreia que anda aí há cercade dez anos contra os Serviços Públicos de saúde e defendendo a excelência dos privados, não passa de uma tentativa de assalto ao dinheiro que o Estado gasta em saúde. Trata-se de um projecto que faz parte da estratégia de reordenamento do capital, chamada fase pops-industrial, que é como quem diz, desviar o volume de negócios das actividades industriais (entenda-se transformadoras) para a área dos serviços. O que se passa, é que andam por aí uns pescadores de água turva a planear o assalto aos 11000 milhões de Euros/ano que o Estado gasta com a saúde, transformando isso num negócio garantido, porque não tem quebras por o consumo não ser voluntário e não é deslocalizável como outros ramos de actividade.
    Entendeu?
    Quem se instalar no negócio da saúde, tem o rendimento garantido para sempre.
    Percebeu?
    E Você, ou ainda não percebeu isso, ou é um lacaiozito desses salteadores.

    2ª dica: A corrida ao ouro é de tal forma, que eles, os salteadores, até trazem as contas mal feitas.
    E dou-lhe só um exemplo:há dias, uma empresa que se regosijava na imprensa por ter sido a que apresentou o preço mais barato para a construção e gestão de um Hospital na zona de Lisboa, aproveitava para informar que o seu projecto incluía a instalação de dois centros de Excelência, a saber: Maternidade e Imagiologia. Então, a realidade é assim: a Maternidade daquele Hospital, é uma das que estiveram em vias de fechar, por fazer menos de 1500 partos/ano (e vai fazer cada vez menos, porque a área servida pelo Hospital já se expandiu urbanisticamente quanto podia, pelo que não vai haver mais mulheres a parir do que há agora!!!);Sobre imagiologia... é melhor nem falar aqui... do que vai para aí... (Você não sabe nada disso e até convém que naõ saiba, porque quem escreve como você, convém mesmo é que se fique pelas banalidades em REPLAY).
    O que vai ser engraçado, é quando eles descobrirem que as necessidades reais em despesas com saúde da nossa População não devem ultrapassar para aí ons 60% do que o Estado gasta actualmente (COMO??? Ah! isso não lhe posso explicar. Mas olhe: Já alguma vez ouviu a história da carraça?... E o SINDROMA DE LEASING??? sabe o que é? Não sabe, pois não.

    3ª dica: a Doença, nunca poderá ser um negócio sério. Nunca! porque não há em Portugal mil famílias, que sejam capazes de suportar finaceiramente as despesas de uma doença a sério.
    Hospitais privados, só poderão existir os que estão ligados às seguradoras, porque tratam casos de curta duração e sem complicações (traumatismos, feridas, queimaduras, em pessoas saudáveis e portanto de rápida recuperação). Olhe: eu vou avançar um número: não há em Portugal 10000 famílias capazes de suportar financeiramente um internamento de 40 dias, com ou sem cirurgia.
    E portanto, se Você estiver realmente doente, tem sempre que ir para um hospital público; mas se você, por qualquer razão, quizer tirar a vesícula biliar, bem, aí, arranja 4000 ou 5000 € e vai tirá-la muito mais depressa num hospital privado.Porque issop faz-se em 5 dias, percebeu????
    Também não lhe posso explicar melhor.
    Mas olhe: não volte a escrever que o SNS "simplesmente não funciona". É que o nosso SNS, é o 12º melhor do mundo, sabia? (diga-me lá outra coisa em que estejamos em 12º lugar no mundo, sem ser a curtir umas bebedeiras e a falar para telemóveiis..sem dentes...) E depois, há no SNS, pessoas que não deviam lá estar; mas há muitos milhares de Médicis e Enfermeiros e outros Profissionais, que são pessoas de garnde bvalor humano e profissional, e não deviam ser caluniadas por gente que aparece a escrever atoardas na imprensa, e depois se identifica como "autor do blog..." ao que isto chegou...

     
  • At 4:44 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    O texto que inseri antes, era para o Bruno. Por lapso foi inserido aqui

     

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