868. Globalização: Incerteza quanto ao futuro
Já escrevi muito sobre a Globalização. Entendo que é natural que o homem, como animal social que é, interaja e alargue os seus horizontes. Mas a incerteza é, nesta fase, elevada.
1. Empresas
É natural, num mercado global, que uma empresa decida deslocalizar a sua produção para países cuja relação qualidade/custo dos recursos humanos seja a melhor. Ganha a empresa (pelo menos aparentemente), ganha o país em que a empresa instala a produção e ganham os trabalhadores que a empresa contrata nesse país. Numa perspectiva dinâmica este processo, aparentemente, beneficia os consumidores (menores custos na aquisição dos produtos) e liberta recursos para que este tenha novas opções de consumo. A grande questão é se há realmente mais recursos uma vez que ao mesmo tempo que os custos dos produtos descem também pode descer o rendimento disponível para o consumo, pelo menos nos países com custos salariais mais elevados, uma vez que o mercado é constituído pelos mesmos trabalhadores que estão em concorrência salarial. Não conseguimos, ainda, adivinhar se o impacto das deslocalizações e do dumping social vai ter um impacto positivo global na criação de novas oportunidades de investimento e emprego pois interessa saber se estes fenómenos estão de facto a criar vantagens globais. Como medir o saldo entre diminuição de rendimentos e diminuição dos custos dos produtos?
2. Países
O que me deixa apreensivo neste processo é a forma como os países ganham competitividade. Um país pode ser competitivo aumentando a qualidade dos seus recursos humanos (formação, know how, etc.) mas, infelizmente, isso não basta. No ciclo vicioso de fuga/captação de capital os Estados menos competitivos, na perspectiva de atracção de investimento, têm dificuldade em manter os serviços que até agora disponibilizavam ou porque há a necessidade de fazer concorrência fiscal ou porque a fuga do capital torna estes serviços insustentáveis. Em teoria, num futuro distante, a tendência é para haver um nivelamento entre os países, ou dito de outra forma, que a dinâmica dum mercado mundial faça os países ficarem mais próximos duma média.
O que é curioso é constatar, através de relatórios internacionais (o mais recente é o da ONU), que a desigualdade está a aumentar. Parece contrário ao que seria a evolução natural da Globalização o que pode indicar que existem distorções nos mecanismos naturais de Globalização ou que há tendências neste fenómeno que ainda não são claras. Ao mesmo tempo parece que há um evidente declínio dos Estados sociais ou, pelo menos, um abrandamento na distribuição da protecção social nos países do hemisfério norte. Parece fácil concluir que vivemos muitos anos, através duma injusta distribuição geracional, acima das nossas possibilidades. Mas onde deve parar este declínio dos direitos sociais? Qual é o patamar mínimo?
O que parece seguro dizer é que não é possível, desde já, adivinhar as consequências do aprofundamento do aumento da interacção entre povos quer no grau de desigualdade entre povos (ou entre pessoas do mesmo país) quer nos direitos sociais.
3. Portugal
Num país como Portugal a estratégia é complicada de definir porque para além do óbvio investimento que tem que ser feito na formação de recursos humanos só temos a perder com um mercado global, ou seja, ou porque os nossos salários são comparativamente altos para o que podemos oferecer em produtividade ou porque estamos num patamar elevado de direitos sociais. Aqui reside um problema crucial: para sermos competitivos precisamos de abdicar de direitos sociais e de salários insustentáveis para a nossa produtividade e, ao fazermos isso, estamos a nivelar a nossa qualidade de vida por baixo. Duas coisa são certas, ou seja, o desperdício de recursos é cada vez mais penalizado e não vale a pena vivermos na ilusão de que se não fizermos nada - inclusivamente tentarmos manter o insustentável - vai correr tudo bem.
4. A ausência de conclusões
Quando comecei este texto o objectivo era chegar a algum tipo de conclusão. Mas perdi-me a meio desta problemática e acabei por lançar apenas pensamentos vagos - e sem uma lógica sequencial - sobre o tema. Não é fácil analisar esta problemática e temo que ninguém tem certezas, ou melhor, que só há uma certeza, isto é, que a exigência aumentou e que, mesmo assim, a melhoria da nossa qualidade de vida é incerta.
4 Comments:
At 7:31 da manhã, Frederico Lucas said…
Ficou uma boa contribuição!
Actualizarás quando entenderes...
Tenho andado a reflectir, como já te referi, na dispersão geográfica de trabalhadores, apoiados nas tecnologias de comunicação e informação.
Isto porque estou a viver no interior do país, onde os ordenados são significativamente mais baixos, e o nivel de vida significativamente mais alto!
(Por outras palavras, eu ganho o mesmo que auferia em Lisboa e tenho um tipo de vida que me era impossivel fazer na cidade)
Entretanto está em discussão pública o Programa Nacional para a Politica de Ordenamento do Território que continua a apostar no êxodo rural para os próximos 20 anos.
Custa-me acreditar que assim será.
Um forte abraço
Frederico
Ps: Deixei de te ver pelos meus blogues. Alguma questão pessoal?!
At 6:35 da tarde, Ricardo said…
Frederico,
A realidade é que a melhoria das condições de interacção que tem permitido fenómenos de troca globais - sejam tecnológicas ou outras - não tem tido o resultado esperado, pelo menos inicialmente.
E realmente a realidade nacional é um bom exemplo. Mesmo num espaço geográfico diminuto como é o território continental de Portugal as assimetrias estão a agravar-se e não o contrário.
O pior é que deixamos de olhar para o futuro com optimismo.
Quanto ao P.S. aproveito para esclarecer que as minhas visitas aos blogues não ficam registadas porque não entro directamente pelo meu blogue. Mas, na realidade, tenho diminuído as minhas visitas a outros blogues não por questões pessoais mas por manifesta falta de tempo.
Abraço,
At 2:41 da tarde, Barão da Tróia II said…
Excelente post. Afinal mninguém sabe o que vai acontecer, estamos na expectativa.
At 5:45 da tarde, O Micróbio II said…
Bem ao estilo do velho lema português, quase apetece dizer... não te preocupes "tudo vai correr bem"! Mais isto será sempre mais uma perspectiva cómoda de não definir linhas estratégicas... mas enfim, cada um sabe de si!
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