880. Perguntas genéricas a qualquer liberal e socialista
Não sou anti-liberal, muito pelo contrário! Apesar da minha matriz ideológica ser socialista defendo que a economia "real" deve estar entregue em exclusivo aos privados com a concorrência a ter um papel de relevo para equilibrar os preços. Claro que também defendo a regulação do Estado mas quanto a isso acho que estamos todos mais ou menos de acordo, divergindo apenas no grau.
O que não entendo é porque é que, muitas vezes, o socialista dissocia o trabalhador ao consumidor e porque é que o liberal comete o mesmo erro de análise.
Os liberais, por exemplo, vivem obcecados com o consumidor (veja-se, por exemplo, o artigo de hoje na Dia D, "O dumping revisto e diminuído", de Miguel Noronha) ao ponto de dissociar este do trabalhador quando, na prática, estamos a falar, ao mesmo tempo, das mesmas pessoas. Centrar a política económica nos ganhos do consumidor pode ser um pensamento viciado porque à medida que o produto é vendido a menor custo (independentemente da qualidade) o impacto que isso tem no mercado de trabalho também pode - não estou a dizer que isso acontece, mas que se não tivermos em conta outros factores, pode - estar a diminuir o poder de compra e a encolher o próprio mercado. A questão do preço final inferior ao custo de produção - táctica utilizada para esmagar a concorrência mais frágil - é aparentemente ouro sobre azul para o consumidor (ideia defendida, com cautela, no artigo já referido) mas pode ter como consequência o estímulo ao monopólio (menos empregos, mercado com menor capacidade de absorção dos produtos) e, numa análise dinâmica, mesmo que o poder de compra e o número de trabalhadores não se altere, a tendência é para o aumento do preço final (ao consumidor) no longo prazo. Com isto pretendo dizer que o consumidor não pode ser o centro absoluto da política económica.
O inverso também é verdade, ou seja, o socialista não pode centrar a sua defesa no trabalhador e ignorar a defesa do consumidor porque sem produtos e serviços competitivos há uma menor qualidade de vida para o indivíduo enquanto consumidor (se relacionarmos este conceito à quantidade e qualidade dos produtos consumidos) e, adicionalmente, a perda de competitividade da economia, novamente numa análise dinâmica, pode resultar em perda de postos de trabalho e poder de compra a prazo.
Este é um tema que merece ser mais aprofundado - esta é apenas uma abordagem superficial - mas é o suficiente para levantar certas questões, ou seja, até que ponto o consumidor deve ser o centro da política económica e até que ponto é o trabalhador que deve ser esse mesmo centro? É que, no fundo, o trabalhador é o consumidor e vice versa (ignorando os que não trabalham por conta de outrem, por serem marginais no universo de indivíduos), e mais, a defesa simultânea do indivíduo-consumidor e do indivíduo-trabalhador não trará ganhos suplementares à economia em relação a uma solução que contemple a obsessão ideológica num dos papeis do indivíduo?
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