891. A devassa da vida privada
A pergunta é simples: Como é possível que, e de uma forma progressiva, uma quantidade inacreditável de revistas que só devassam a vida privada esteja a ser viabilizada por nós, portugueses?
A Caras, a Maria, a Gente, o 24 Horas, o Crime e muitas outras revistas, jornais e semanários só se dedicam à pequena intriga, ao mexerico e à devassa - autorizada ou não - da vida privada e, mesmo assim, estão entre as publicações mais vendidas em Portugal. A "culpa" de haver cada vez mais capas sensacionalistas cujo destaque são pessoas a chorar ou desesperadas, com polémicas ou com boatos relacionados com a vida privada é, tão somente, de quem compra estas revistas (e não de quem as publica). É óbvio que há limites - legais e não só - que colocam um tecto ao sensacionalismo despudorado que invade grande parte da nossa imprensa mas é impossível colocar limites ao mau gosto e só há uma solução, concretizando, que esse tipo de reportagem deixe de interessar ao leitores mas, infelizmente, parece que não caminhamos nessa direcção.
Esta semana, em mais um golpe de puro mau gosto, a revista TV 7 Dias publica na capa uma fotografia do nosso Primeiro Ministro a colocar creme protector nas costas de um homem. Nem quero fazer suposições sobre a estratégia vil que está por detrás desta fotografia (no interior explica que é o irmão) mas, mesmo que não haja insinuações nesta fotografia e isso apenas tenha origem na minha mente torpe, eu faço mais uma pergunta: Qual é o interesse de uma fotografia em que alguém está a colocar creme protector noutra pessoa? E eu não estou a perguntar ao editor da revista mas a si, caro leitor. Dito de outra forma, porque é que este tipo de publicações cada vez vende mais? Será que a nossa vida é tão desinteressante que necessitamos de vigiar a vida alheia dos famosos e dos menos famosos?
Corro o risco de estar a ser paternalista ou moralista mas esta questão preocupa-me de tal forma que assumo esse risco. Temos direitos inscritos na Constituição que são diariamente violados - e relembro que alguns desses direitos nem podemos renunciar - e temo que haja uma banalização da devassa da vida privada ao ponto de deixar de ser uma preocupação central da sociedade. Ou será que já nem é uma preocupação, ou melhor, será que já só é uma preocupação quando nos atinge directamente?
15 Comments:
At 9:18 da tarde, Nuno Guronsan said…
É triste, de facto, ver as pessoas tão interessadas em dissecar até ao infímo pormenor tudo o que seja vida supostamente privada dos ricos e famosos. Mas, como tu bem salientas, a questão passa sempre não por quem fornece esse tipo de conteúdos, mas sim pelo consumidor, que os valida consumindo-os até á exaustão. E não me venham dizer que não há alternativas. Como nesta questão das revistas cor-de-rosa, tal como nos reality shows da SIC ou da TVI, tudo passa por uma coisa tão simples como não comprar a revista ou desligar a televisão. E quem sabe ouvir um disco, ler um livro, dar um passeio ou ver um bom DVD, não passam por ser alternativas bem melhores ao facto de saber quem coloca bronseador nas costas de quem.
At 10:26 da tarde, Ricardo said…
Nuno,
Claro que há alternativas - deste alguns exemplos e há centenas de alternativas - mas esta é a escolha. É verdade que a maioria destas notícias são inofensivas - meros exercícios de auto promoção e banalidades - e, apesar do interesse duvidoso, são isso mesmo, inofensivas. Mas depois há um conjunto de notícias, planeadas ou não, que irrompem na intimidade das pessoas e isso, para além de também ser uma banalidade que não devia interessar a ninguém, prejudica activamente o direito de qualquer pessoa em manter privada a sua vida privada.
E é isso que temos que perceber para sabermos que somos co-responsáveis destas violações à vida privada.
Abraço e obrigado pelo contributo,
At 11:58 da tarde, Netwalker said…
Mais um Post de qualidade superior como nos habituaste!
Hoje, precisamente, na praia tive o mesmo impulso e lembro-me de pensar: - Será que o que diziam do nosso Primeiro é mesmo verdade? Este Tipo vai assumir como as Estrelas do Disco e K7 Pirata que é Gay? Depois no interior, para meu alivio, nem sei porquê, constatei que era um irmão 5 ou 6 anos mais Novo, que também tem uma Irmã, e que a Namorada escreve no DN, etc, etc,etc.
Registo o tua passagem "devassa - autorizada ou não", pois aqui reside o cerne da questão. existe uma exploração do mercado produtor desta Literatura, e aqui os "protagonistas" são também parte interessada quando lhes convem "vender" uma imagem qualquer, num qualquer local que por acaso foi combinado com o fotógrafo.
A Princesa Diana foi um exemplo da
reportagem por conveniencia...
Quanto aos direitos, acabam por se anular: Os Devassadores têm tantos direitos como os Devassados!
At 1:22 da tarde, Unknown said…
Caro Ricardo,
Não tens razões para te espantar.
A estratégia política seguida nos últimos anos, Europa Uber Alles, falhou e falhou totalmnente.
Uma das componentes desta estratégia foi a de nos isolar do mundo. Se fores ver jornais antigos verás que têm muito mais notícias internacionais do que os actuais. Dantes estavamos muito mais informados do que acontecia no Mundo, do Brasil à Indonésia, passando pela China, Guiné-Bissau, etc., etc.
A consequência desta estratégia seria a de valorizar as notícias na União Europeia.
Só que esta está a falhar e até é bom que não se fale muito dela.
Assim, que resta? O que criticas.
Primeiro criam-se famosos a granel (com Big Brothers e similares) e depois noticia-se tudo o que acontece a estes pseudo famosos, com quem dormem e não dormem, o que fazem nos intervalos em que não estão na cama, etc., etc.
Assim sempre nos vão entretendo...
Um abraço
At 5:39 da tarde, Rui Martins said…
por vezes, até que essa "propaganda gratuita" serve os interesses de projecção mediática de muitas dessas figuras, mas neste caso, é "contrainformação" na sua mais pura expressão... é a continuação daquele infeliz (e impune) boato santanista, agora renovado precisamente no mesmo meio (mediático) que construiu aquele espantalho político que foi (e é?) Santanaz...
At 6:05 da tarde, Ricardo said…
Netwalker,
Obrigado pelo elogio.
É curioso que chames à atenção do exemplo Princesa Diana. Se bem te recordas uma das polémicas da altura da sua morte foi a percentagem da culpa dos paparazzi no incidente (pela perseguição e pela não assistência). A resposta dos paparazzi foi simples, ou seja, se há alguém que tira as fotos e que persegue ao limite alguém é porque alguém compra as fotografias e porque essas fotografias disparam as vendas de uma qualquer publicação. Sem querer desculpabilizar ninguém digo, que em última análise, a culpa é do consumidor final.
E, no meio disto, alguém é sempre prejudicado apenas e tão só porque adoramos meter o nariz na vida alheia...
Abraço,
At 6:16 da tarde, Ricardo said…
Raio,
Deixa ver se percebi. A "responsabilidade" das vendas astronómicas de revistas "cor de rosa" é, em última instância, dos consumidores estarem vedados às notícias internacionais e, como acham desinteressantes as notícias da UE que lhes são impostas, só lhes resta lerem sobre a vida alheia?
Esta teoria - que confesso que a deturpei para ironizar um pouco - vai contra tudo aquilo que defendi no texto, ou seja, desresponsabiliza o leitor. E eu acho que temos que ser responsáveis pelos nossos actos independentemente do contexto (contexto esse que não vejo com os mesmos olhos que tu) e, acima de tudo, temos que ter uma atitude minimamente crítica perante o que nos é apresentado.
Abraço,
At 6:25 da tarde, Ricardo said…
Rui,
Santana Lopes é daqueles políticos que mais se expõe mas, mesmo assim, tem que ser protegido quando a imprensa vai longe demais. Porque não pode haver desculpas para os abusos no direito à privacidade, nem para quem publica nem para quem lê.
Mas tens razão, há figuras públicas que alimentam este ciclo vicioso.
Abraço,
At 2:10 da manhã, Unknown said…
Caro Ricardo,
Não percebeste lá muito bem...
O que eu digo é que há uma campanha cuidadosamente elaborada para nos interessarmos com quem a Merche marcha e outras coisas do estilo.
Não estou a desresponsabilizar ninguém. O que eu digo é que esta inflação de revistas cor-de-rosa é conduzida com todo o cuidado para entreter as pessoas e levarem a que elas não pensem noutras coisas.
Isto já tem sido feito muitas vezes, desde o futebol dos tempos de Salazar (ou do futebol na Espanha franquista) até aos tabloides ingleses.
E, pior, estas campanhas até têm sucesso. O que, claro, não abona nada sobre a capacidade intelectual das pessoas que se deixam apanhar na rede.
Mas este tipo de campanhas especialmente feitas para desviar a atenção do que realmente interessa é vulgar em períodos ditatoriais ou pré-ditatoriais (como os actuais).
Já reparei que por tudo e por nada acusas-me de estar a desresponsabilizar alguém.
Não sou, como tu e como a maioria dos portugueses, um maniaco da responsabilização. Acho que se devem responsabilizar as pessoas quando essa responsabilização é útil para algum fim que consideremos importante. Não tenho obsessões morais do estilo, pecou, tem de ser punido... não vejo vantagens em gastar tempo e recursos com responsabilizações inúteis.
O caso em apreço é um destes. Não vale a pena estarmos a aprofundar o que vai no intímo dos leitores bisbilhoteiros. É mais útil tentarmos perceber porque é que, de repente, desataram a aparecer revistas como as que citas.
Um abraço
At 6:26 da tarde, Ricardo said…
Raio,
Tu entendes que é o aumento da oferta que leva à procura e eu que a procura é que tem impulsionado a oferta. Podemos ter os dois razão mas insisto que há uma forte responsabilidade da procura (o leitor) na qualidade e modelo actual da nossa imprensa.
"Acho que se devem responsabilizar as pessoas quando essa responsabilização é útil para algum fim que consideremos importante. Não tenho obsessões morais do estilo, pecou, tem de ser punido... não vejo vantagens em gastar tempo e recursos com responsabilizações inúteis."
Eu disse, no texto, que assumia o risco de parecer moralista mas, repara, que não defendi a punição do leitor seja de que forma for. Apenas digo que temos que compreender que somos nós os responsáveis pelo futuro que vamos ter, e acho esta máxima importante, não só no consumo como também na cidadania. Mas não falei em nenhum tipo de punição e muito menos de proibição...
Abraço,
At 8:01 da tarde, Frederico Lucas said…
Durante uma qualquer prova de hipismo que se realizou em Portugal, o CM DENUNCIOU A FALTA DE COLABORAÇÃO DE ATHINA ONÁSSIS. E fez mais, na edição anterior colocou em destaque que iria revelar na edição seguinte a "face desconhecida da Athina Onássis".
Depois de ler o dito artigo, publiquei no blogue Na Cadeira do Barbeiro o seguinte texto:
"O Correio da Manhã dá conta da indisponibilidade de Athina Onássis, durante a prova de equitação que se realizou no último fim de semana em Cascais. E faz essa denúncia numa revista carregada de banalidades e de "social" que me fez lembrar um catalogo que conheci num hotel em Espanha...
Será que, como a própria diz, a sua fortuna herdada a obriga a uma vida social que não admira?
Quem é que pode admirar uma vida social cheia de prostitutas, proxenetas, "jornalistas" e fotógrafos?"
Quem compreendeu o post corou. Os outros não!
Um abraço
PS: Criei recentemente um blogue dedicado ao desenvolvimento do interior. Chama-se Inovação e Inclusão. Aparece!
At 9:44 da tarde, Ricardo said…
Frederico,
É muito estranho que o ser humano não fique satisfeito em saber os feitos profissionais e/ou sociais de um homem mas sim que ache mais interessante os detalhes da vida privado. Que tipo de demência será esta?
Não culpo tanto os jornalistas... há muitos trabalhos degradantes... e o jornalista procura a notícia que o leitor quer. Claro que cabe o jornalista ser rigoroso e procurar subir a fasquia da qualidade das notícias...
Abraço,
P.S. Gosteiu do teu novo blogue
At 11:50 da tarde, Frederico Lucas said…
:-)
Não sabemos de quem é a culpa. Mas estamos no mau caminho cultural.
Um abraço
PS: Obrigado pela visita!
At 3:36 da manhã, Unknown said…
Caro Ricardo,
É óbvio que temos os dois mais ou menos razão.
Há um aumento da procura e o mercado responde a esse aumento.
Mas, como bem sabes, há técnicas para provocar aumento da procura (publicidade, por exemplo) e essas técnicas formam novos mercados.
A minha tese é que este aumento da procura tem sido cuidadosamente provocado.
Um abraço
At 3:09 da tarde, Anónimo said…
O interesse está na insinuação da fotografia, que por ser intriguinha vende jornais.
Jaime
www.blog.jaimegaspar.com
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