Filho do 25 de Abril

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terça-feira, outubro 03, 2006

913. Segurança Social (3)

O Rui Pedro, do blogue Apontamento, recomenda a leitura da coluna de Ricardo Reis no Diário Económico. Ricardo Reis é professor de Economia na Universidade de Princeton e não só aceitei a sugestão do Rui Pedro como reproduzo aqui o texto na íntegra:


Para uma discussão séria

A reforma da segurança social está em cima da mesa. De um lado, o Governo propõe que se mantenha, com ajustamentos, o sistema actual em que os trabalhadores hoje pagam as reformas dos aposentados hoje. Do outro lado, os reformadores propõem um novo sistema no qual as contribuições para a Segurança Social hoje são colocadas em contas individuais de poupança para sustentar as reformas no futuro.

O que me surpreende no debate é o domínio dos reformadores. O incauto que lê a imprensa ou os ‘blogues’ conclui que as contas individuais são uma prescrição básica de boa ciência económica. Não são. Ao contrário da defesa do comércio livre entre nações ou do benefício da concorrência, não se encontra esta lição nos manuais de economia.

Isto traz dois perigos. Por um lado, a discussão corre o risco de ser menos séria, com opções ideológicas mascaradas de argumentos económicos. Por outro lado, os reformadores caem na tentação de usar falácias disfarçadas. George Stigler conta um episódio em que, num debate com um adversário menos esclarecido, usou argumentos falaciosos. O seu amigo, Milton Friedman, ficou furioso. Mesmo que Stigler tenha ganho o debate, ao usar argumentos falsos, enfraqueceu a sua causa.

Comecemos pelas falácias no debate actual. Em primeiro lugar, não é verdade que o sistema actual seja insustentável. Se se indexar a idade da reforma à esperança de vida, penalizar as reformas antecipadas, e deixar de se prometer reformas milionárias sem receitas que as justifiquem, o sistema pode durar muitos anos. Estas mudanças podem ser feitas de uma forma sistemática com leis simples e fórmulas transparentes sem alterações de fundo no sistema.

Em segundo lugar, não é verdade que não existam custos de transição. Quando a Segurança Social surgiu, fez-se a opção política de pagar reformas àqueles que nunca tinham feito descontos. Se se acabar com o sistema actual mudando para contas individuais, a geração presente, que descontou mas nunca receberá, terá efectivamente pago a dívida da geração inicial. É este o custo de transição. Pode-se emitir dívida pública para partilhar esta despesa entre a geração presente e as gerações futuras. Mas alguém tem de pagar a dívida. (Esta dívida está escondida no sistema actual mas também esta lá.)

Em terceiro lugar, não é verdade que seja preciso usar as contribuições para a Segurança Social para criar contas individuais de poupança. Nos EUA, o sistema de Segurança Social é tal e qual como em Portugal, mas com um limite máximo nas contribuições anuais e um tecto nas reformas pagas. Quem ganha mais pode, com as suas poupanças e apenas se quiser, pôr mais algum de lado para quando se reformar. O Estado decide subsidiar estas contas através de isenção de impostos, tal como faziam os saudosos PPR em Portugal. Estas contas não são incompatíveis com um sistema de base como o actual.

Passemos às verdadeiras diferenças entre os dois sistemas. Com contas individuais, promove-se a liberdade individual. Cada um investe as suas poupanças para a reforma como quiser. A população investe na economia directamente, e deixa de depender das transferências do Estado para a sua reforma.

No sistema actual, promove-se a partilha intergeracional de riscos. Se uma geração se sacrifica em guerras conquistando a liberdade para a geração futura à custa de menores rendimentos, conta com a geração futura para lhe pagar a reforma. Se outra geração tem a felicidade de viver durante um tempo de prosperidade então vai pagar mais do que alguma vez virá a receber. Os riscos que cada geração enfrenta são partilhados por todos.

Duas outras diferenças podem ou não estar presentes. No sistema de contas individuais, se estas criam nas pessoas melhor percepção de que é preciso poupar para a reforma, então talvez aumentem as poupanças e o crescimento económico. Por sua vez, no sistema actual, mais facilmente se protegem viúvos e incapacitados, se não existirem outros mecanismos de protecção social.

No debate sobre a segurança social, os economistas podem ajudar no desenho de qualquer um dos dois sistemas de forma a torná-los mais eficientes. Mas entre os dois sistemas a escolha é política e ideológica no sentido mais clássico destes termos: é uma escolha entre liberdade ou segurança.


Aproveito também para recomendar o texto do Rui - A Segurança Social à la Compromisso Portugal - sobre a proposta do Compromisso Portugal.

2 Comments:

  • At 10:42 da manhã, Blogger Rui Pedro said…

    Obrigado pela menção!
    O artigo de Ricardo Reis chama a atenção para um aspecto muito básico e essencial: em cada período apenas se pode dividir o que existe e o bem-estar de gerações sucessivas não tem de ser constante. Se nas próximas décadas a economia portuguesa apenas crescer a 1,5% ao ano, o bem-estar dos activos e reformados vai ressentir-se. Mas parece-me insensato fazer pagar os nossos netinhos por essas dificuldades, como no fundo preconiza o Compromisso Portugal.

     
  • At 2:25 da tarde, Blogger Barão da Tróia II said…

    Obrigado pela dica, foi bastante esclarecedor, tendo até alguns pontos que considero por demais óbvios. Bom post o teu. Bom feriado

     

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