923. Liberalizar o mercado da electricidade?
Não sou especialista nem tenho conhecimentos - técnicos e económicos - suficientes do sector da energia para emitir opiniões cabais mas tenho uma certeza, concretizando, algo vai mal na regulação deste sector.
1. Aumento no preço da electricidade: Aqui está um bom exemplo da "ignorância" que esventra o nosso país. A Comunicação Social, dona do sentido da verdade, apresenta o aumento sugerido pela Entidade Reguladora como um roubo de sacristia (15,7% para os clientes domésticos) e faz um folhetim com as declarações do Secretário de Estado por este afirmar que são os consumidores que têm que pagar o défice tarifário porque, no passado, não pagaram o que deviam. Esta sucessão de notícias é um completo disparate e culmina com reacções positivas à medida - apesar da crítica às hesitações - do Ministro da Economia em garantir aumentos máximos de 6%. Todo este processo está ferido de falta de seriedade. Há ainda alguém que pense que se o custo de um determinado produto ou serviço não está reflectido no preço final ao consumidor que esse custo não está a ser financiado, na mesma, de outra forma, ou seja, através dos contribuintes no pagamento dos seus impostos?
2. Liberalização do mercado da electricidade: Em vez de discutir a espuma do problema - as declarações políticas dos intervenientes - é preciso ir ao cerne da questão. E a questão central é simples: vale a pena liberalizar o sector da energia? Se a resposta é sim só há uma forma de criar condições para a concorrência no sector e isso passa pelo fim da subsidiação do preço final ao consumidor. Vamos ser claros e frontais: há défice tarifário nomeadamente nas tarifas de Baixa Tensão Normal. Desta forma, para dar seguimento à liberalização do sector, os tais aumentos propostos pela Entidade Reguladora deviam ter sido respeitados. A opção do Governo em "só" aumentar o custo ao consumidor da energia por um tecto máximo de 6% cria um problema que é o pior dos dois mundos, ou seja, o aumento faz com que o sector nem seja peixe nem carne. Não é possível o sector ser concorrencial quando o preço final ao consumidor está abaixo do custo real da produção da energia. Relembro que, desde Setembro, o sector está oficialmente liberalizado mas só oficialmente porque na prática parece que foi só um anúncio pomposo sem qualquer reflexo real.
3. A liberalização é útil ou viável? Tenho a mais profunda desconfiança que a liberalização do mercado da electricidade vai trazer ganhos à economia. Desconfio porque há sectores que pelas suas características - barreiras naturais à entrada das empresas, custos de investimento, dimensão do mercado, economias de escala - não dão garantias que a concorrência seja útil ou até viável. Há muitos exemplos de sectores em que a concorrência não veio trazer nem vantagens aos consumidores nem um maior ritmo de inovação (admito que são excepções mas excepções a ter em conta). Mas, apesar da minha desconfiança, vou dar por barato que a liberalização vai trazer vantagens ao consumidor e ao contribuinte e, deste modo, a decisão do Governo, apesar de aparentemente altruísta e generosa, não contribui em nada para a liberalização do sector.
4. Impacto do aumento dos preços finais ao consumidor: Imaginemos agora que o Governo tinha optado pelo aumento global do preço da electricidade de 12,4% (e 15,7% para os clientes domésticos). Qual seria o impacto desta medida na economia? Não sou capaz de avaliar a complexidade desta medida na "economia real" mas cabe ao Governo estudar e divulgar estes dados meses antes de decidir-se por uma percentagem de aumento do preço da electricidade. Desconheço qualquer tentativa de esclarecimento cabal por parte do Governo da estratégia para o sector. Há, se o aumento for significativo, uma transferência brusca do ónus dos custos da electricidade do contribuinte para o consumidor. À primeira vista o consumidor também é contribuinte e vice versa mas não é bem assim. Esta tranferência teria necessariamente um impacto significativo no peso da contribuição dos vários tipos de clientes e confesso que isso pode ter assustado o Governo uma vez que esta mudança feita de forma radical podia criar sérios problemas de adaptação dos diversos agentes económicos.
5. Conclusão: Desta história há duas ilações a retirar. Em primeiro lugar que grande parte da Comunicação Social, não quero generalizar, só quer criar ruído e pouco contribuí para a discussão séria dos temas. Em segundo lugar que o Governo tem a obrigação de explicar melhor as suas decisões porque se este aumento "moderado" foi para amortecer a transição tem que explicar exactamente isso com a informação adicional do prazo temporal em que quer que o sector seja realmente concorrencial porque a sensação que fica é que não tomou nenhuma opção, nem por uma liberalização a sério nem pela manutenção da subsidiação diferenciada da utilização da electricidade.
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