914. Segurança Social (4)
Escrever num espaço aberto como é um blogue dá liberdade ao contraditório. É difícil, mesmo assim, que um leitor irregular dum blogue apanhe o fio à meada duma discussão com vários capítulos e, desse modo, a discussão fica cada vez mais fechada em si mesma. O Fernando – autor do blogue A hora que há-de vir – replicou de novo um texto que servia de resposta a um comentário que tinha colocado neste blogue, com a simpatia e rigor que lhe reconheço. Estar a replicar novamente é um dever com o risco, assumido, de desinteressar a quem chega agora à discussão. Não vou recorrer a um texto elaborado mas apenas tentar acentuar as nossas diferenças porque, no fundo, as semelhanças no pensamento até já estão bem vincadas.
Colocando a questão nos termos em que deve ser colocada. A Segurança Social para ter saúde precisa de alterar o modelo de financiamento. Hoje, não faz sentido manter um sistema baseado apenas nas contribuições das empresas (no número de trabalhadores que a empresa emprega) e nos trabalhadores. Não faz sentido penalizar empresa pela quantidade de trabalhadores que emprega. É contra natura. É um apelo ao despedimento, não facilita o emprego, cria dificuldade a pequenas empresas, com grande número de trabalhadores, como as empresas de têxtil, vestuário ou calçado.
Eu não “viro as minhas costas” a uma solução deste género. Mas duvido da sua aplicabilidade. O sistema actual – que necessita de alterações óbvias – onera, grosso modo, a empresa via massa salarial. Esta via faz com que uma empresa que tenta maximizar os lucros, como tentam todas, faça algo que me parece natural, ou seja, que tente maximizar a produtividade por trabalhador. Desse modo a empresa tenta potenciar a relação lucro com custos por trabalhador (salário adicionado a descontos para Segurança Social) o que, grosso modo, é a produtividade por trabalhador.
O que defendes – uma maior tributação dos lucros e uma menor tributação da massa salarial - tem vantagens e riscos. Para já devo dizer que não acho líquido que o impacto sobre o emprego tenha a dimensão que defendes porque, mesmo que diminuam os encargos por trabalhador, uma empresa pode não sentir necessidade de contratar mais trabalhadores uma vez que isso ia implicar alterar a sua dimensão óptima. O que, no fundo, estou a dizer é que uma diminuição dos custos por trabalhador e um aumento da tributação dos lucros pode não incentivar a contratação de mais trabalhadores uma vez que ambos podem anular-se. O resultado final é incerto.
O maior “perigo” é o sistema deixar de ter previsibilidade, ou seja, passa a depender de algo ainda mais incerto do que a massa salarial, ou seja, do lucro. O lucro pode ser camuflado de forma mais fácil do que um salário, a pressão sobre o sistema numa recessão ia ser ainda maior e, ainda por cima, hoje em dia é fácil “mudar a nacionalidade” do lucro. Fico reticente em defender um sistema que dependa da volatilidade do lucro. A proposta do Governo, que indexa as reformas ao crescimento económico, é a antítese do que defendes, concretizando, em períodos de desaceleração económica continuada as reformas têm aumentos menores o que é sensato nesse contexto ao invés de diminuirem as receitas pela quebra dos lucros, como defendes, o que seria contra cíclico. A grande vantagem, admito, a haver realmente um aumento do número de trabalhadores, é possibilitar menores gastos com o subsídio ao desemprego.
A tua discordância com a contribuição dos lucros das empresas. Bem a mim parece-me uma solução justa. Maiores lucros maior participação. Bem pior (e tu não estás a lembrar disso) é “obrigar” a pagar mais mesmo não tendo ou tendo lucros menores, empresas só porque empregam mais trabalhadores.
A grande questão está reflectida neste argumento que pode ser falacioso. Não conheço nenhuma empresa que contrate trabalhadores em excesso, ou seja, se a empresa tem trabalhadores “a mais” – que não corresponde a uma maior produtividade – então não faz sentido mantê-los. Podes defender que há sectores que devem ser premiados por terem mais mão de obra – trabalho intensivo – mas eu prefiro a solução inversa, ou seja, a aposta em empresas criadores de riqueza que arrastem a economia como um todo, e o emprego de forma indirecta, via investimento e poder de compra.
Como deves já ter subentendido a contribuição progressiva refere-se aos salários. Também me parece justo que os trabalhadores com maiores rendimentos, a partir de um determinado vencimento, contribuam mais um pouco, com uma taxa de solidariedade entre 1 a 5 por cento.
Esta medida cria uma distorção na justiça redistributiva. Passo a explicar. A redistribuição já é feita via despesa da Segurança Social – é redistribuída dos que descontaram mais para os que descontaram menos (mesma percentagem, montantes diferentes) – e ter a mesma atitude via receita (percentagens diferentes) é uma duplicação da redistribuição.
Conheço pessoas que só nos últimos cinco anos declararam descontos. Mas sabemos quem são. São pessoas do campo, na sua maioria, pessoas que viveram com as maiores dificuldades do caraças, para sustentar as suas famílias e que agora recebem um pequeno tributo solidário da sociedade.
Infelizmente não são só as “pessoas do campo” que usam este expediente porque em quase todos os profissionais liberais e ENI os rendimentos disparam no fim da carreira contributiva o que é uma forma legal de “distorcer” o sistema. É óbvio que o Governo aproveita esta falha para nivelar por baixo as reformas mas, até aqui, acho que a reforma vai no sentido correcto.
Por fim, dizes, “Se as reformas são baixas é porque os salários (e logo a produtividade) também o são e estar a aumentar as reformas sem aumentar a produtividade é estar, mais uma vez, a quebrar a solidariedade intergeracional.” A produtividade não se resolve por decreto. E ainda um dia destes o fórum para a competitividade disse que Portugal tem défice de gestão de qualidade, como explicação. A solidariedade intergeracional não tem nada a ver com a produtividade. Tem a ver com vontade politica e coragem.
Infelizmente, e como bem refere o professor Ricardo Reis no artigo que reproduzi no texto anterior, esta questão é cada vez mais política. Mas é incontornável afirmar que não é o aumento da idade da reforma e a reestruturação das despesas e receitas que estão a colocar em causa a solidariedade intergeracional porque esta já foi posta em causa pela geração actual. Se o sistema é insustentável é porque esta geração exige demais da próxima no sentido em que tem regalias para as quais não contribuíu na mesma proporção. Reformas com o cálculo actual e com a idade de reforma actual são injustas em relação aos nossos descendentes e esta correcção é necessária. Não desisto de defender que a chave para este problema está na produtividade e, dada a produtividade actual, é necessário corrigir os erros do passado antes que o sistema fique em risco de forma definitiva. Tens razão ao defender que a produtividade não se resolve por decreto mas também o combate à pobreza não se resolve por decreto ou com retórica. Por tudo isto a solidariedade social e intergeracional só é possível se apostarmos em criar condições para a criação de riqueza porque só podemos redistribuir mais – em “doses” dignas (definição subjectiva) – quando criarmos mais riqueza. Estou de acordo que pode haver formas mais eficientes de redistribuir o "bolo" actual mas chegamos ao limite do que devemos tirar do "bolo" para redistribuir, ou seja, só aumentando o "bolo" e mantendo a percentagem de redistribuição é que podemos almejar mais justiça social.
1 Comments:
At 9:00 da tarde, Anónimo said…
Pois é verdade Ricardo, como "velhos" e leais contendores sobre este assunto (e outros) já pouco sobra para falar sobre este tema. Penso que a única coisa em comum que perfilhamos neste tema é a continuidade do sistema público da segurança social. Antes quero agradecer as tuas palavras sobre o rigor e a simpatia que retribuo com toda a estima.
Ainda sobre isto. As empresas pagam para a segurança social, através da TSU 34,75% dos salários. É um encargo grande e em minha opinião desajustado a uma economia em mudança. A PT pretende diminuir 2500 trabalhadores. Quanto vai sofrer a Segurança Social com isso? Um balurdio. Diminuir os encargos para a segurança social à custa da diminuição dos activos e ainda por cima, com estas medidas a Empresa ainda amplia os seuslucros pelas sinergias criadas. Será ajustado um sistema em que uma empresa, diminui a sua contribuição, por ter diminuído o número de trabalhdores ("despedindo-os" ou enviando-os para a pré reforma), quando não diminui os seus lucros?. Não pode ser. É verdade que as mais valias são "instáveis" e até "contornáveis", tal como os salários (aí há um empate técnico), como afirmas e bem, mas é por isso é que se defende, na actual situação a manutenção da TSU (reduzindo, contudo o seu valor em 3,5% que é sem dúvida facilitador de emprego, embora admita que não seja o principal factor, mas é um...) mas em compensação as mesmas empresas e outras lucrativas serão sujeitas a uma taxa de 3%, sobre essa mais valia. Isto é trocar um abaixamento de 3,5% da taxa social única(por trabalhador ao serviço) por uma taxa de 3% sobre os lucros. Dizes que não é liquida que tenha impacto no crescimento acentuado de empregos. É verdade... mas é mais justa, de que fazer incidir a contribuição das empresa pelo número de trabalhadores, sem que se vislumbre qualquer lógica associada e que cria, seguramente, dificuldades extras a pequenas e médias empresas que precisam dessa "dimensão óptima" de trabalhadores, por outra mais rentável para o Estado e mais justa socialmente. Não é só por razões de sustentação do sistema mas também de razoabilidade, adequação e moralidade nas contribuições que defendo esta alteração. Defendes a indexação das reformas aos ciclos económicas, como o governo, eu defendo "almofadas" finaceiras (através de ponderação das variáveis "imponderáveis" - sabes melhor disto que eu) que suportem esses períodos mais dificeis. Mas é por isso é que se pretende mudar o paradigma das contribuições, para um modelo com base na progressidade e na universalidade dos rendimentos. A taxa social única deveria passar no tempo certo (que não é este), para um regime de progressividade, em que quem ganha mais (quem tem mais rendimentos, sejam empresas ou pessoas individuais, paguem mais. É um regime socialmente justo. As taxas únicas são sempre injustas quando os rendimentos são muito desiguais. As pessoas individuais pagam genéricamente 11 por cento do salário de contribuição para a SS, mas sabemos também que existem salários enganadores, não declarados, contudo a contribuição tal como está é de facto progressiva e deve continuar a ser ao contrário do que pretendem os sectores neoliberais ao defender taxas únicas.
Mas ao contrário de Sócrates que defende uma taxa de sustentabilidade de 1 ou 1,5 por cento para todos (também é uma duplicação de taxas, não é Ricardo?), a proposta de criar novos escalões para salários acima dos 1500 euros parece-me mais indicada, porque não vai sobrecarregar ainda mais os salários baixos. É uma contribuição de solidariedade. Mas se as pessoas individuais fazem descontos progressivos como deve ser já a contribuições das empresas não é "progressiva" ou seja pagar mais quem ganhar mais. Mas devia ser. Também defendo a universalidade ou seja todos os rendimentos devem contribuir (se não estou em erro mais de 50 por cento do PIB não entra nestas contas -e alguma não entra em nenhumas contas). Por fim para não me alongar mais. Não concordo com a "penalização" das pessoas por terem aparentemente mais esperança de vida. Parece-me e até acho um pouco excessivo (mas não fui que fiz estas contas) que 40 anos de desconto são suficientes para não "abusar" do sistema e para não prejudicar as gerações vindouras. Com a estas propostas da progressividade, da universalidade (com um novo elenco das novas fontes de financiamento, tendo em conta que todo o rendimento deve contribuir) dá-se garantias de sobrevivência do sistema para uma geração, o que é tempo suficiente, a esta distância e responde aos problemas com justiça social, aumentando o tal bolo que tu falas. Claro que não fui eu que fiz estas contas. São feitas por economistas conceituados, entre os quais Francisco Louçã. Ora entendendo que esta proposta é mais justa socialmente, de forma evidente e se me são asseguradas que não obrigam a aumentos da idade da reforma ou a abaixamentos drásticos de valores já baixos (relembro novamente que o valor médio das pensões ESTÁ ABAIXO do referencial de pobreza, 278 euros e que não é aceitável baixar ainda mais as mesmas) sem dúvidas que defendo a proposta que o Bloco apresentou. Estar a aumentar a idade da reforma é um claro retrocesso civilizacional. E o que nós precisamos é de avanços, de tempo para viver, de qualidade de vida. É que Ricardo, esta questão remete-nos sempre para o mesmo. A repartição dos sacrificios. A balança está sempre desiquilibrada a penderem os sacrificios para o lado dos mais pobres. Não podemos ignorar a natureza do capitalismo. Não me interessa agora falar sobre isso, eles cumprem o seu papel. Mas a nós conviria que não alinhemos sempre nas malfadadas "dificuldades" que passam invariavelmente a ser sempre dos mesmos e não de todos ... progressivamente de todos. Um abraço, uma vez obrigaste-me a recorrer ao meu melhor. Não dou mais do que isto. Contigo é sempre um gosto polemitizar. És uma pessoa séria e defendes os teus pontos de vista com elevação, conhecimentos e de boa fé. Mas parece-me que as tuas análises pecam por excesso de "pragmatismo" e por algum "descuido" ideológico. O que talvez me sobre a mim, dirás tu. Embora não ache porque não sou uma pessoa dogmática.
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