(77) Grão de Areia no Universo (3): Sousa Franco
A maneira como apercebi-me da morte de Sousa Franco foi curiosa. Estava eu no mais tranquilo dos sonhos, sonhando com uma festa animada onde bebia um vodka laranja bem fresco, quando um convidado dessa festa vem informar-me da morte de Sousa Franco. Acordo, ainda pensando no ridículo da informação dada por tão inconveniente convidado da festa, já que este estava a estragá-la e não tinha esse direito. Tomo consciência que o locutor de rádio dava a mesma informação que o convidado da festa, dava outra credibilidade à notícia. O sonho, na sua parte final, misturou-se com o som do rádio que já tocava. A notícia estava dada, os meios de comunicação tinham feito o seu papel. Levaram a informação ao mais improvável dos locais.
Não tenho o hábito de glorificar as pessoas após a sua morte, como é hábito dos Portugueses. Mas posso sistematizar as memórias que tenho do percurso do homem, já que pessoalmente não o conheci e, por isso, não posso comentar. Não vivi nem acompanhei a sua vida política no PSD nem a sua vida académica. Muito menos posso avaliar as suas capacidades de jurista nem o papel que teve no Tribunal de Contas. Não li nenhuma das 300 obras que publicou.
Acompanhei a sua vida política mais recente. Acho que teve um papel fulcral na primeira legislatura de António Guterres. Era a sua face mais visível e contribuíu para um bom Governo (bem melhor que a segunda parte da Governação Guterres já atolado nos seus pântanos políticos). Já comentei algumas vezes o seu papel para a entrada de Portugal na moeda única, depois de uma herança não menos pesada que a actual. Fê-lo sem sobressaltos e com uma seneridade que devia ter servido de lição a este Governo. A maneira como aproximou o défice e a dívida pública aos critérios de convergência foi espantosa mas com métodos nem sempre claros (recordo a polémica do desvio de fundos das privatizações para esse objectivo). Não foi nem o pai, nem o avô e muito menos o periquito do défice. Foi o ministro certo na altura certa.
Tenho a convicção que a sua irreverência ia servir bem a Europa. Mas, na campanha eleitoral, deixou-se envolver na troca de insultos quando devia ter mantido o seu papel pedagógico. Não iniciou as hostilidades mas depressa deixou de falar da Europa para responder aos insultos (com outra dignidade, é certo). Talvez esteja a ser injusto porque a Comunicação Social não se importa com as ideias, mas com as tricas políticas (mas um político experiente sabe isso). Não é só a política que está em crise, a Comunicação Social faz um filtro das notícias com critérios de espectacularidade. De qualquer forma estava a efectuar uma campanha esforçada e com a dignidade que sempre o acompanhou.
Resta-me agora conhecê-lo, um dia destes, nos meus sonhos. Agora convém voltar a pensar nos assuntos europeus, porque a vida não pára. The show must go on.
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