(194) A Pianista, de Michael Haneke
A Pianista
“Tem uma personalidade deturpada com traços sádicos, neuróticos, masoquistas, que a impede de estabelecer relações adultas, e é isso que interessa a Haneke filmar – o estado limite no coração da cultura (musical) austríaca. A personagem que Huppert – Haneke constroem não é boa, mas também não é má – sofre. A perversão de Huppert – Haneke é deixar o moralismo para o espectador.”
I.S. Público, 08 Outubro 2004
Aproveito o anúncio que o Nobel da Literatura vai ser entregue a Elfriede Jelinek para tecer umas considerações sobre o filme que baseou-se num livro (que julgo ter sido inspirado pelo menos, em parte, na sua vida) desta escritora, A Pianista.
Este filme é, na minha opinião, brilhante. Imaginemos um típico filme americano onde o protagonista é um poço de virtudes ou, em alternativa, seguiu um caminho moralmente reprovável por força das circunstãncias (deixo uns abrangentes exemplos, o filho foi morto, a mulher deixou-o para casar com o padeiro, dedicou-se demasiado à nação e perdeu a família). Este protagonista do filme americano nunca tem problemas sem solução porque, num dia especialmente luminoso, tudo vai resolver-se, isto é, nos cinco minutos finais do filme. Como não convém generalizar em demasia faço um destaque a realizadores como Scorsese, Thomas Anderson, David Mamet, Todd Solondz, entre outros que teimam em ser originais em terras do tio Sam.
Isabelle Hupert
Agora imaginem A Pianista. Uma mulher com demónios interiores que não pode expulsar, que fazem parte dela, que não foram impostos nem podem ser retirados pelas circunstâncias da vida ou pela sua força de vontade. Uma mulher que tem frustrações que nunca vai conseguir ultrapassar, com “perversões sexuais nada puritanas” (uso estes termos sem convicção mas com muita ironia). O que é mais comum assistirmos no cinema são personagens que espelham o seu desespero da forma mais visual e gráfica possível mas que, no fundo, todos os problemas são resolúveis. Não há incapacidades permanentes, nem sexuais, nem emocionais, nem sociais. Não é o caso!
Onde está a beleza deste filme? Na credibilidade da personagem porque não nos é oferecido um trajecto mágico que faz com que ela consiga ultrapassar as suas inadaptações pessoais e sociais. Não porque algo lhe fez ser assim, apenas porque ela é assim. Porque só nós próprios somos realmente capazes de humilhar e destruir o nosso espírito, mais ninguém consegue isso. Porque só a própria pessoa pode provocar uma forma de desespero que seja incomportável. Porque é um filme sobre os demónios que habitam os nossos espíritos e que podem conseguir tomar conta do ser social. Porque está tudo isto no filme! Porque não é ficção!
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