(239) Páginas Soltas (5): A Metamorfose, Franz Kafka
Pode-se ler na contra-capa do livro o seguinte:
“ ‘Quando Gregor Samsa despertou uma manhã depois de um sono intranquilo, encontrou-se sobre a sua cama convertido num monstruoso insecto.’ Esta frase, que inicia A Metamorfose, é uma das mais conhecidas da literatura universal.”
O primeiro parágrafo do texto é o seguinte:
“Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto.”
Não preciso dizer nada da importância do tradutor numa obra. Para melhorar ainda mais o cenário coloco uma tradução para o inglês:
“As Gregor Samsa awoke one morning from uneasy dreams he found himself transformed in his bed into a gigantic insect.”
A obra foi escrita em alemão e é uma pena não perceber nada desta língua para comparar as “versões”. Este é um bom exemplo de como um tradutor pode alterar o “tom” duma obra e, pior, o seu próprio sentido. Aconselho os leitores obsessivos e meticulosos (como eu) a compararem numa livraria as várias versões de A Metamorfose e chegarem à conclusão que nunca leram esta obra, apenas uma das suas versões.
Há um bom exemplo do que quero demonstrar. Ler Dostoiévsky traduzido por Nina e Filipe Guerra (Editorial Presença – Obras de Fiódor Dostoiévski) é uma experiência bastante diferente que ler qualquer outra tradução disponível em Português deste escritor russo. Isto porque uma tradução não deve ser literal, é preciso estudar bem o livro e a obra do escritor para encontrar um “tom” aproximado ao que o escritor pretendia.
Haver, como nesta obra, duas versões do mesmo texto é, para mim, algo inédito. Ainda por cima sublinhar a importância da frase (qual delas?) é pura incompetência. Vou tecer umas breves considerações a esta “versão” de A Metamorfose.
Para ler esta obra de Kafka é necessário ter uma grande dose de abstracção da realidade para compreender a ironia asfixiante desta história. Seco e duro como sempre mas num tom mais leve que o habitual, o escritor Checo dá-nos um retrato de como um evento impossível altera o quotidiano duma família. Mas este quotidiano não se altera duma forma racional já que o escritor joga com o surrealismo mas estabelecendo um paralelo com sentimentos reais. Este livro tem tanto de hilariante como de claustrofóbico. Não esperem por um conto de fadas...
Ao ler uma obra de Kafka há quase sempre um problema moral. Franz deu instruções específicas para inutilizarem todo o seu trabalho (este livro foi dos poucos publicados em vida) chegando a queimar uma grande parte dos seus escritos. Devemos a Max Brod, seu amigo pessoal que não respeitou o seu último desejo, o previlégio de ler grande parte das obras (inclusive a magnífica obra prima O Processo) que sobreviveram. Teremos o direito de ler o que o autor escreveu apenas para gozo pessoal e que não queria de forma alguma que fosse partilhado? Não sei, parece-me mais uma situação Kafkiana...
1 Comments:
At 2:58 da tarde, Politikus said…
De facto uma má tradução de uma obra, pode deitar tudo a perder, por muito bom que seja o livro...
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