Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

terça-feira, janeiro 25, 2005

(306) A Ler

Gostei bastante deste post escrito no Barnabé. Tem a vantagem de reflectir sobre os paradigmas actuais da esquerda portuguesa e nos problemas da sua representatividade. Acima de tudo um post feito com realismo, preocupado com a Governabilidade na esquerda! Um manifesto interessante que recomendo uma leitura atenta:

Maturidade
Não foram dois, nem três, os eleitores do Bloco de Esquerda que este fim-de-semana - ainda sob o efeito do choque das palavras de Louçã no debate com Portas - me confessaram a sua intenção de deixar de o ser (aliás, basta dar um giro pela blogosfera para verem que não exagero). Vêm juntar-se ao contingente de indecisos que no dia 20 de Fevereiro decidirá se o PS ganha com maioria absoluta ou relativa. Esta é, já toda a gente percebeu, a principal questão que está em jogo nestas eleições.
É gente que votou em Guterres em 1995 e desde então tem alternado entre o voto em branco e o Bloco. Lamentaram o regresso ao poder da direita em 2002 mas, porventura com alguma razão, acharam que o PS merecia uma cura de oposição. Com o Barrosismo veio a austeridade e as terapias dolorosas da direita. Com menos dinheiro no bolso, os anos de Guterres começaram a ser recordados com nostalgia, mas a memória d episódios como o “totonegócio”, o referendo ao aborto ou o orçamento limiano, tornou muito difícil a reconciliação com o PS. Até que entra em cena Santana Lopes. A mera possibilidade desta criatura continuar politicamente activa, liderando com Portas a oposição de direita a um governo minoritário do PS, incutiu-lhes as primeiras dúvidas.
Alguns não ficaram mal impressionados com a prestação de Sócrates nas eleições para a liderança do PS. A sua atitude conciliatória em relação a Manuel Alegre caiu bem. Mas… Mas os preconceitos de esquerda são uma coisa terrível. Sócrates não encaixa no perfil do líder de esquerda a que nos habituámos (passado anti-fascista ou militância activa no PREC, cultura humanista, carreira na universidade ou num escritório de advocacia). Vai ao ginásio, guia um Mercedes, é pouco visto nos concertos da Gulbenkian. A sua entourage parece dominada pela “tralha guterrista” (sobre este ponto, ver o meu último parágrafo).
Pois bem, a estes meus amigos eu digo o seguinte: chegou a hora de revelarem maturidade. Dominem os vossos instintos tribais, não deixem que os vossos preconceitos identitários levem a melhor. A vida é feita de compromissos. Se quiserem aliviar as vossas consciências, votem no Bloco. Se quiserem dar um pequeno contributo para mudar o actual estado de coisas, e travar a “peronização” do nosso regime político, então o PS é a vossa escolha. Dou-vos três razões concretas.
Em primeiro lugar, estabilidade governativa. No momento crítico que atravessamos, é muito importante tê-la. Precisamos de nos livrar dos folhetins baratos que nos consumiram nos últimos meses. Precisamos de um governo que faça o seu trabalho durante quatro anos e seja julgado no fim. Precisamos de espaço para debater os grandes desafios do país – as opções de política económica, a reforma da administração e dos serviços públicos, o estado calamitoso da educação, as questões europeias. Precisamos de um executivo que se sinta seguro para enfrentar resistências corporativas e interesses particulares.
Não tenho nada contra governos de coligação, mas o nosso panorama à esquerda não as facilita. O PCP é um partido estalinista, irreformado e irreformável. O Bloco, por enquanto, não reúne as condições para ser um parceiro fiável. Entre outras coisas, as suas posições em matéria de política de segurança e defesa e integração europeia são demasiado radicais. Mas o principal obstáculo a um entendimento PS-Bloco é, aliás, o próprio Bloco. O Bloco tem uma estratégia de crescimento a longo prazo, e como tal não se quer macular com o exercício do poder e deixar o PCP recuperar o papel de único partido de protesto. Para chegar aonde os Verdes alemães chegaram, o Bloco quer ter uma base mais sólida.
Em segundo lugar, uma maioria absoluta do PS seria a primeira maioria absoluta de esquerda da história da nossa democracia. Podem dizer que de todos os líderes que o PS teve, Sócrates é o que menos fez por ela. Seja. Mas agora pensem: lembram-se de viver um momento tão incerto e angustiante como este nos últimos vinte anos? Eu não.
Por fim, o programa e a equipa. Mau-grado as suas insuficiências, o programa de governo do PS não se afasta da matriz social-democrata europeia. Talvez lhe falte alguma ambição, mas prometer mais sem primeiro conseguir coisas como a flexibilização dos critérios do PEC seria desonesto e irresponsável.
Um governo de maioria fará toda a diferença em relação ao recrutamento de pessoal de qualidade. Uma coisa é oferecer um horizonte de quatro anos a uma pessoa para desenvolver e aplicar um projecto governativo; outra é aliciá-la para uma experiência que pode não sobreviver às próximas eleições presidenciais. Um governo minoritário será um governo dominado pelos apparatchiks, dispostos a tudo para se manterem no poder (inclusive a negociar com Portas); um governo maioritário não terá essas tentações e poderá atrair independentes de gabarito.

Publicado por pedrooliveira