Filho do 25 de Abril

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domingo, junho 19, 2005

461. O Morcego (ou a Consciência Humana)

O MORCEGO

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, á noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!


Augusto dos Anjos*

*Augusto dos Anjos (1884-1928) foi um poeta brasileiro incompreendido salvo do esquecimento pelos seus leitores no interior do Brasil. A sua poesia é estranha porque abundam as expressões científicas, as palavras duras e a decomposição do ser humano. Quem quiser consultar a sua obra pode fazê-lo nestes sítios:

Jornal de Poesia - Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos - Tributo ao Poeta Raquítico

P.S. Estes últimos dois posts não representam a minha cedência ou capitulação ao lado negro da Força!

4 Comments:

  • At 12:11 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Ricardo,

    Deve haver quartos blindados onde o morcego não consegue entrar!

    Um abraço,

     
  • At 5:51 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Anastácio,

    Aí é que está o problema! Espero que no meu continue a entrar mas dispenso que seja de forma tão gráfica...

    Abraço,

     
  • At 7:39 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Li o poema sobre a morte do 1º filho.É espantoso!, no original sentido da sentimento-"espanto".
    Eu é que me safei á Força do Mal pois nasci com 7 meses.

     
  • At 7:56 da tarde, Blogger Ricardo said…

    C. Indico...

    Ainda não tinha lido! É realmente poderoso e ainda deve ser mais para ti!

    Os poemas dele são duma crueldade no uso das palavras que eu julgava inexistente.

    Abraço,


    Soneto

    Ao meu primeiro filho nascido
    morto com sete meses incompletos


    Agregado infeliz de sangue e cal,
    Fruto rubro de carne agonizante,
    Filho da grande força fecundante
    De minha brônzea trama neuronial,
    Que poder embriológico fatal
    Destruiu, com a sinergia de um gigante,
    Em tua morfogênese de infante
    A minha morfogênese ancestral ?!...
    Porção de minha plásmica substância,
    Em que lugar irás passar a infância,
    Tragicamente anônimo, a feder?!...
    Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,
    Panteisteicamente dissolvido
    Na noumenalidade do NÃO SER !

     

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