495. Terrorismo Cívico
Há graves problemas de pobreza e desemprego no país. Isso é indiscutível! Mas há situações de intolerável injustiça por aproveitamento indevido de bolsas, subsídios e reformas. Nada como exemplificar:
- Ontem lia no Público um exemplo duma senhora que resolveu comprar anos de trabalho. Simplesmente levou duas testemunhas e pagou 400 € para “comprar” 6 anos de trabalho no sector privado podendo agora reformar-se muito mais cedo do que o previsto. Note-se que uma das testemunhas tinha 10 anos na altura dos acontecimentos;
- Ninguém duvida da justiça elementar duma bolsa de estudo. Porque é, então, que mais de metade dos bolseiros que conhecia e conheço tinham mais rendimentos que os dos meus pais? Uns porque eram filhos de pais divorciados e, na candidatura, afirmavam que viviam com o rendimento só de um e outros porque os pais tinham profissões liberais e/ou independentes e, apesar dos avultados rendimentos, não declaravam nada às Finanças;
- Não consigo imaginar o caos que seria neste país ao nível social se não houvesse subsídio de desemprego. Mas acumulam-se situações que conheço de pessoas que usufruem desse subsídio e fartam-se de recusar trabalho no sector privado porque a diferença perante o subsídio não compensa sair de casa. Só vão trabalhar ou metem baixa quando o centro de emprego, tarde e a más horas, os obriga. Porque se fôr no sector privado simplesmente recusam-se porque sabem que não há cruzamento de dados. Seria interessante observar quantas empregadas de limpeza usufruem do subsídio ao mesmo tempo que dos rendimentos provenientes do seu trabalho;
- Finalmente o paradigmático caso do Rendimento Mínimo. Eu acho este subsídio da mais elementar justiça mas de difícil, quase impossível, fiscalização. Nos dias da visita da assistente social há uma verdadeira revolução nos lares, isto é, os filhos dos vizinhos já lá moram, os electrodomésticos de valor são removidos, os filhos que trabalham já não moram lá e outras situações completamente surrealistas.
Que fazer? Não se trata duma questão orçamental mas duma questão de elementar justiça social. Enquanto o Estado permitir estas situações é óbvio que vamos aproveitar essas regalias. Só com uma conveniente fiscalização fiscal e social podemos credibilizar este sistema. Porque actualmente paga o justo pelo pecador porque o Estado permite levianamente que todos comam uma fatia do seu bolo redistributivo.
21 Comments:
At 5:34 da tarde, Anónimo said…
Quando o Rossio foi fechado, em Lx, por causo das obras do Metro, os donos do restaurantes babaram-se a imaginarem os lucros cessantes (penso que que é assim que se diz).Foi ano e meio.Pois que fizeram os juristas do Metro, para o acordo de indemnizações.Disseram que pagavam de acordo com a média dos 5 ultimos IRC.Não levaram um TOSTÃO!, para além ,claro, dos salários dos trablhadores,etc.E a Suissa tinha sido trespassada 1 ano antes por 950.000 contos!!!
Porque não se aprende com estes exemplos?
Sem verdade fiscal, não há Orçamento que resista!
Há uns 5 anos atrás os Inspectores foram a um famosissimo restaurante de Évora. Verificaram as aquisições de água mineral, de uisques,a conta da electricidade,quilos de carne,cervejas, e iestimaram um valor aí umas 1000 vezes superior ao declarado. Perderam em tribunal. A água mineral era para lavar os pratos, o uisque era dado á borla, a carne tinha-se estragado,etc,etc.
At 8:09 da tarde, Anónimo said…
Criticamos muitas vezes o Estado, os políticos, pelas péssimas políticas que implementam e as desastrosas consequências que daí resultam.
É pura verdade, como demonstra a situação actual.
O senão, é que os políticos, são nossos representantes, são nossos pares, são povo, não são seres superiores que nos governam, nós é que lhes delegamos os poderes e se a qualidade é má, é porque o português é mau.
A questão, o elo principal desta história somos nós, os portugueses, que somos mesquinhos, com uma cultura que deixa muito a desejar, falsos e cada vez me convenço mais que somos pérfidos.
Publica-se legislação (alguma até muito boa) e logo vemos os juristas e o portuga em geral, a procurar tornear a lei, sem que primeiro a estude e tente compreender. Neste país as leis fazem-se para se tornear, não para se respeitarem.
O português sabe de tudo, fala de tudo com uma convicção inabalável, mas a triste realidade é que nada percebemos, não nos esforçamos para isso e tudo isto é triste, tudo isto é a merda de país que somos.
Como se pode explicar que estafermos com formação “dita superior”, como os advogados, médicos, economistas… enfim as profissões ditas liberais, apresentem rendimentos inferiores aos tão atacados funcionários das repartições públicas, estes sim, sem poderem fugir ao fisco. Mas também não é que não lhes apeteça.
Por mais pagamentos especiais por conta, cruzamento de dados ou o raio que o parta, estes senhores portugueses, saem sempre a ganhar e continuam orgulhosamente a prevaricar.
Como pode o Estado pôr cobro a estas situações? Não faço a mínima ideia porque estamos cada vez mais especialistas em trafulhices, desde os trabalhadores liberais, ao empregado de café, ou à doméstica que vive do desemprego ou da baixa, acumulado com o salário, sem obviamente efectuar descontos para a Segurança Social e quando chegam à idade da reforma bradam aos céus que trabalharam uma vida inteira para receber uma miséria.
Não havendo consciência Cívica, não há país que aguente.
Quem está mal que se mude que é o melhor que faz. É difícil e doloroso abandonar o país que nos formou, que aprendemos a amar, mas pior é ver a sua auto – destruição e a paciência tem limites e os nervos não são de aço e até este também quebra.
Um abraço
Desiludido com o mundo português
At 8:27 da tarde, Anónimo said…
Existem inúmeras situações absurdas, como se vê por alguns exemplos que aqui foram dados. Um outro exemplo é o da renda apoiada, que só é dada a quem tenha rendimentos acima de um certo valor. Assim, um casal de desempregados tem que ir para debaixo da ponte se não tiver ajuda de familiares, e outro, com rendimento dentro dos limites legais, vive com relativo desafogo.
At 10:51 da tarde, Pedro F. Ferreira said…
Ricardo, este é um daqueles postes a que eu chamo de antologia. Muito bem.
At 3:24 da manhã, Anónimo said…
Ricardo,
Começo este comentário com as sábias palavras de Trasímaco: O justo não é outra coisa senão o que é vantajoso para o mais forte. Com efeito, os governantes nunca fazem leis a não ser em seu próprio interesse, e a justiça consiste em obedecer a essas leis. Os governantes, esses, não ficam submetidos, pois, à justiça; têm toda a vantagem, pelo contrário, em praticar a injustiça.
Se há algo que provoca um forte sentimento de revolta é, justamente, a injustiça. Ninguém pode sentir uma grande motivação para contribuir com uma parte dos seus parcos rendimentos para sustentar uma corja de corruptos e incompetentes.
O sentimento que sobressai, quando se paga directamente ao estado cerca de 1/3 de todo o rendimento e ainda mais cerca de 1/5 indirectamente, é o de esbulho; isto porque se sabe, à partida, que vai ter uma péssima aplicação.
Seria necessário que os governantes fossem pessoas bem formadas, responsáveis e coerentes, com uma forte vontade de educar o povo para a cidadania. Contudo, os governantes não têm que ter quaisquer requisitos específicos para desempenharem cargos de tanta responsabilidade. Este é que é o fulcro da questão, para se ser governante não é necessário ter qualificações especiais, basta ser um demagogo e estar muito bem relacionado.
Considero que o exemplo deveria vir "de cima" (a melhor aprendizagem dá-se por imitação), pois não sou apologista da teoria que defende que "os cegos possam ser bem conduzidos por outros cegos". Neste contexto e pegando nas palavras do anónimo, poderíamos, por exemplo e de forma analógica, dizer que os cirurgiões podem ser umas autênticas "araras" porque também são povo, são nossos pares. Mas, o anónimo não está só quando se sente desiludido com o mundo português (ou com o mundo em geral, se for caso disso)!
Um beijo,
At 9:45 da manhã, Didas said…
É verdade. A este nível há coisas que até arrepiam. Eu já assisti a éne... Nem vale a pena contar.
At 12:07 da tarde, Ricardo said…
C. Indíco,
O exemplo do Rossio, que já tinha ouvido, é duma ironia deliciosa. Mas nós podemos alterar isso. Basta pedirmos factura sempre que pagamos uma refeição ou até um café. Não vai a bem, vai a mal...
Abraço,
At 12:21 da tarde, Ricardo said…
Anónimo,
A desilusão no teu comentário é mesmo forte! Parece quase desalento!
O meu objectivo, quando escrevi este post, foi revoltar-me por certas situações que se multiplicam e que estão a dar cabo do Estado Social. Tu foste mais longe e ligaste isso à situação global do país. Talvez tenhas razão, não discordo de grandes partes do teu texto. Só não acho que não haja solução e só por isso convém insistir em soluções que possam resolver o nosso problema económico e mudar a nossa mentalidade.
Por isso ainda depende do Estado moralizar este sistema! Claro que sem consciência cívica não vai ser nada fácil...
Abraço,
(...) "e quando chegam à idade da reforma bradam aos céus que trabalharam uma vida inteira para receber uma miséria."
At 12:23 da tarde, Ricardo said…
TNT,
É incontornável! O Estado Social, por culpa dos políticos e dos cidadãos, não oferece justiça redistributiva. E o que eu quero não é tirar aos pobres mas evitar que os fundos destinados a estes sejam utilizados por eles. Sob pena de ficarmos todos a perder.
Abraço,
At 12:38 da tarde, Ricardo said…
Anastácia,
É bom voltar a ler palavras tuas neste blogue!
Eu compreendo o que queres dizer! E compreendi o que o Anónimo disse! E não posso deixar de concordar com os dois...
Para já é verdade que os políticos são pessoas normais, o nosso espelho e, por outro lado, realmente deviam dar o exemplo. Mas mesmo que o exemplo não venha de cima (devo dizer que, mesmo assim, não somos dos países mais corruptos com excepção do poder autárquico) não nos desresponsabiliza dos nossos deveres cívicos.
Não há qualquer tipo de desculpa que seja convincente. Nem a velha desculpa que é o que todos fazem ou que não faz diferença num mar de injustiça. E por isso acumula-se a baixa fraudulenta, o desemprego fictício, a riqueza ocultada, e por aí fora.
Em vez de estarmos à espera dos políticos podíamos fazer duas medidas simples. Sermos mais exigentes com quem nos governa (através dos tribunais e das reclamações) mas também mais exigentes connosco. Começando por não enganar voluntariamente o Estado à menor falha da lei e exigindo de quem nos rodeia o mesmo. Só assim a pressão social começa a surtir efeito.
Um beijo,
P.S. Não te esqueças de pedir a factura no restaurante que aquele papelinho da máquina registradora não vale nada.
At 12:45 da tarde, Ricardo said…
Conchita,
Não defendi que não se devesse aplicar as regalias. Até porque são da mais elementar justiça. O que disse, e que tu sublinhaste, é que grande parte do dinheiro não vai para quem realmente precisa.
Nós podemos fazer e muito apesar de termos que exigir mais fiscalização para que o pecador não seja sempre o beneficiado.
Um beijo,
At 1:21 da tarde, Unknown said…
c. indico,
Não sabia da história do Metro e do Rossio.
Mas acho que o Estado foi azelha.
O Metro é do Estado e as Finanças podiam ter combinado com o Metro que chegasse a um acordo com os comerciantes e os indemnizassem no que eles diziam que tinham sido os prejuízos.
Aí, depois deles terem entregues umas declarações altamente empoladas, as Finanças pegavam nessas declarações e imputavam-lhes esses rendimentos para os cinco últimos anos.
E, claro, nos anos seguintes teriam de manter o mesmo nível de rendimentos.
Um abraço,
At 4:21 da tarde, Ricardo said…
Raio,
O que o Estado fez foi o mais correcto. Este não pode simplesmente cobrar IRC de 5 anos porque o empresário sustenta que, este ano, ia ter x de lucro. É anti constitucional. E muito menos pode usar esse valor como base para o futuro.
Apesar de, neste caso, ter sido assegurado que o incumpridor fosse prejudicado eu pergunto como é que a ausência de lucros não é devidamente apurada como fraudulenta. Nós também temos culpa por não exigirmos factura mas algo está a falhar na fiscalização do Estado.
Abraço,
At 5:12 da tarde, Anónimo said…
Ricardo,
Penso que compreendi o que o anónimo quis dizer, ou seja, parece que entrámos num ciclo vicioso: os governantes saem do meio do povo que não é educado para a cidadania, sendo que aqueles, em consequência, também o não são e, tão pouco, fazem quaisquer esforços para que seja alterada a situação.
Vive-se um estado de coisas em que o que é preciso é ser-se "esperto" e enganar o próximo!?
Tudo isto faz perigar grandemente a já mui periclitante (por motivos óbvios) democracia.
Contudo, acredita que, perante cenários tão injustos, sinto uma grande revolta em descartar-me de uma tão elevada percentagem do meu rendimento (uma parte do qual até poderia nem ser declarada). Do que resta (muito pouco), ainda tento repartir pelos menos protegidos pela sorte. Assim, sou uma das muitas pessoas que vive sempre em red line.
Por outro lado, sei que, possivelmente, se toda a gente desenvolvesse um determinado grau de consciência (que me esforço por adquirir), a carga fiscal poderia diminuir e a redistribuição tornar-se mais justa e equitativa. Concluo que a aposta mais importante, que a nossa sociedade pode e deve fazer, é numa educação para a cidadania que altere esta mentalidade (tão benquista do paradigma vigente)!
Um beijo,
At 5:23 da tarde, Anónimo said…
Abaixo o IRS! É o imposto responsável (em Portugal) por mais injustiça do que por justiça. Alguém pode me explicar a razão de ser do IRS no Portugal do chico-esperto? Com médicos-burlões, restaurantes finos, advogados célebres e farmácias-perfumarias a aldrabar o estado?
At 5:31 da tarde, Ricardo said…
Anastácia,
Não tenho muito a acrescentar porque a tua opinião não difere muito da minha:
- por um lado o Estado gasta mal os seus recursos;
- por outro lado os cidadãos não facilitam em nada essa tarefa.
Resultado final: Economia ineficiente e injusta!
A educação cívica ganha-se com a educação mas não podemos negligenciar o poder da pressão social que podemos já começar a fazer. E podemos começar com pequenos actos junto a familiares e exigindo factura até para um rebuçado e para uma fotocópia. E os cidadãos também têm que sentir que o Estado é eficaz ao desmontar as burlas, uma ideia que claramente não têm!
Um beijo,
At 5:33 da tarde, Ricardo said…
TNT,
Os impostos directos são a melhor forma de fazer redistribuição. Devemos tentar perceber porque não conseguimos fiscalizar os rendimentos convenientemente e não desistir dessa luta. Se a nossa economia vivesse de impostos indirectos a despesa social ia subir em flecha (e voltávamos ao problema dos rendimentos) e a competitividade dos nossos produtos ia ser ainda mais afectada.
Abraço,
At 7:08 da tarde, Anónimo said…
Ricardo, eu já me dei ao trabalho de pensar se haverá alguma forma de obrigar as pessoas a não fugir aos impostos. Por meio da ética não penses, até porque ninguém está disposto a partilhar aquilo que ganha com a classe política, com detentores de cargos públicos e para financiar obras com que não concorda. Mas não há uma fórmula milagrosa para impedir a fuga. Exigir facturas ou recibos de tudo? Podes crer que os que têm que as passar arranjarão forma de retaliação: no restaurante passam a cuspir-te na sopa, o médico passa-te remédios que não te curam, a farmácia idem, etc.. Em geral as pessoas preferem estar de bem com quem lhes presta serviços.
At 7:15 da tarde, Anónimo said…
Estou farto de pensar numa forma de obrigar as pessoas que normalmente fogem ao fisco a pagar os impostos mas não vejo solução. Se os clientes pedirem factura serão mal servidos (restaurantes, médicos, etc.) Logo, para haver justiça, acabe-se com esses impostos.
At 3:50 da tarde, Anónimo said…
Gosto muito deste blog. Tenho dificuldae em comentar.Porque não godto de ficar a um canto, comento.Contudo quero que acredite que não venho pela galhofa, venho sério.Como não tenho formação nem leiguagem técnica na disciplina só o posso através de pequenas histórias que pretendo irónicas, ou declarações de intenção.Dito isto, aqui vou.
-Não concordo com quem diz que isto está perdido, que sempre foi assim,que somos genéticamente incapazes,etc,etc.A Economia é uma ciência social, aliás penso que a 1ª. O tipo de comportamento atrás descrito é uma forte componente da relação causa/efeito do atraso. O pessimismo é reácionário, os pessimistas são atrasados intelectualmente ou preguiçosos.
(Aí vem o Raio com um cacete!)
Há 30 anos Portugal era a Roménia!(Raio, não me batas mais!)
-Quando contei a história do Rossio a intenção era esta: tanta gente no Estado que soube disto, porque não simplesmente copiaram?, ou não copiam?
-Não conheço reforma nenhuma que tenha tido tido êxito, sem as pessoas perceberam MESMO que o bolso vai ficar mais vazio. Só batendo no bolso, é que as pessoas empurram-se.É a Condição Humana.Afinal porque é que o comunismo falhou? Uma das razões foi apartar esta Condição, tal como o aparecimento do suporte virtual,etc.
At 6:04 da tarde, Anónimo said…
Este meu ultimo comentário era para o post "voltamos a falar de economia".
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