Filho do 25 de Abril

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segunda-feira, abril 24, 2006

832. Oikonomía (2)



Relatório do Banco de Portugal

O boletim do Banco de Portugal sobre a execução do Orçamento de Estado de 2005 caíu como uma bomba no Governo. Há atenuantes para a má execução orçamental de 2005 - o Orçamento inicial era irrealista e o Rectificativo nunca vai a tempo de alterar com eficácia o Orçamento que serve de base - mas este relatório atingiu o que o Governo mais tentou proteger: a sua credibilidade. Apesar de 2005 ter tido um Orçamento para esquecer - o de Bagão Félix - e apesar do défice ter atingido o valor previsto pelo rectificativo a verdade é que o Governo não podia dar-se ao luxo de passar uma imagem de má execução orçamental e, na realidade, é essa a imagem que passa até porque o défice mais uma vez foi atingido por via do aumento das receitas fiscais e não pela redução da despesa pública (apesar de, e bem, não ter havido o recurso a lesivas receitas extraordinárias como no tempo de Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix).

O indicador mais grave da má execução orçamental é o défice primário ajustado ao ciclo que passou de 2,2% do PIB em 2004 para 2,6% do PIB em 2005. Estes números invertem um aparente retorno ao optimismo - que era ilusório - e volta a lembrar os portugueses da triste e crua realidade dos números da nossa economia. A margem de manobra para este ano - 2006 - é cada vez mais reduzida e, para não voltarmos à ilusão das receitas extraordinárias, receio que as reformas que o Governo tem que implementar ainda vão ser mais duras num contexto de subida do preço do petróleo e das taxas de juro. Não nos podemos esquecer também que não cabe ao Governo a resolução mágica dos problemas financeiros e se o sector privado também não mudar - e talvez bem mais que o Estado tem que mudar - o panorama é negro.


Os conselhos da OCDE

A OCDE lançou um relatório que, a par com o do Banco de Portugal, é, no mínimo, preocupante. É um facto que houve moderação salarial nos últimos anos e quando vem escrito no relatório que, mesmo assim, os salários reais cresceram mais do que a produtividade é natural que se instale o desassossego. Se adicionarmos a - triste mas esperada - notícia que vamos continuar a divergir até 2010 é sinal que do desassossego passamos rapidamente para o alerta laranja (já que Bush foi reeleito com os alertas laranjas não custa nada tentar aqui o mesmo método).

As sugestões da OCDE para a nossa economia são interessantes mas eu, antes de comentá-las, quero relembrar que, nos últimos anos, não temos feito mais do que aplicar objectivos liberais - défice e dívida pública como grandes objectivos económicos, outsourcing, venda de activos fiscais, moderação salarial - e ler, como tenho lido, que o problema actual da economia portuguesa é ser pouco liberal dá-me vontade para rir. Todas estas políticas - liberais por natureza - têm agravado todos os indicadores económicos e sociais e quero relembrar - também - que a nível mundial as políticas subjacentes aos movimentos de Globalização - de tendência mais liberal apesar de ainda haver algumas restrições ao comércio mundial principalmente, de forma paradoxal, mais acentuadas nos países ditos mais liberais - têm agravado as desigualdades - como a ONU ainda recentemente alertava - e provocado perigosos movimentos de dumping social. Eu também considero que há medidas de cariz liberal que devem ser implementadas - outras não - mas relembro que o nosso sector privado, mesmo nos mercados mais liberais, também não está competitivo a nível internacional e defender que é o Estado que funciona mal em Portugal é ignorar tudo o que se passa a nível privado em Portugal que não é nem melhor nem pior que os nossos serviços públicos.

Posto isto é óbvio que concordo que a OCDE proponha incentivos à utilização de tecnologias mais limpas, a redução dos custos administrativos da máquina fiscal, a redução de incentivos e deduções para simplificar, a estabilização do código fiscal, o aumento da mobilidade dos trabalhadores, o alívio do "fardo" legislativo e administrativo das empresas, o corte na burocracia, a formação de juízes especializados, o aumento da concorrência no sector da energia e telecomunicações, o aumento do investimento na educação e formação (apesar de recomendar uma redução de gastos nas remunerações do corpo docente em percentagem) e por aí fora. Já não concordo muito com o aumento das propinas - é um tema que posso desenvolver mais tarde - e com a flexibilização das leis de despedimento - admito uma negociação mas não antevejo qualquer tipo de vantagens em leis parecidas às que o Governo francês queria aprovar.

Como síntese diria que a encruzilhada que o nosso país está deve-se a muitos factores cujos principais são, na minha opinião, o nosso atraso ao nível da gestão das empresas e do nível médio de escolaridade e formação profissional (sem falar na justiça, um dos travões da nossa economia). Os nossos produtos tradicionais não são capazes de competir com os novos países cujo acesso ao mercado mundial é agora uma realidade - leste e oriente - e não temos, ainda, a capacidade ao nível do know how tecnológico e dos recursos humanos para competir em mercados de produtos mais exigentes a estes níveis. Diria ainda que as políticas que temos vindo a privilegiar principalmente desde 2001 - foco no financeiro em detrimento do económico - estão a sufocar ainda mais a nossa economia. É óbvio que é necessário, face ao contexto mundial (novamente adapto a minha percepção da economia ao contexto), empreender algumas medidas liberais mas, é preciso não esquecer, que algumas medidas de cariz liberal têm sido mais prejudiciais do que benéficas para a nossa economia e não antevejo que, sem um rumo claro para a nossa economia patrocinado pelo Estado que minimize os seus custos sociais e que retome a recuperação do nosso atraso tecnológico e educativo, seja possível atingir níveis de crescimento e, mais importante, de desenvolvimento razoáveis. Acima de tudo há uma certeza, ou seja, os sacrifícios ainda estão para durar.