828. Falta de quórum na Assembleia da República
No meu dia a dia falo com muitas pessoas que chamo de conhecidos. Quando estamos na presença de um conhecido – em que a afinidade com a pessoa é reduzida – o recurso à conversa de circunstância é habitual. Geralmente falamos sobre futebol, férias ou outro assunto perfeitamente banal. Nos últimos dias a conversa de circunstância favorita "de café" é a falta de quórum na Assembleia para a votação de vários projectos-lei na quarta feira que antecedeu a Páscoa. Já percebi, há muito tempo, que o segundo tópico de conversa de circunstância favorita das pessoas que conheço – ou melhor, que conheço mal – é criticar os políticos em geral. Escusado será dizer que o tópico favorito é o futebol, ou melhor, não o jogo em si mas a quantidade de polémicas que este desporto gera. Já concluí que ninguém gosta do desporto em si mas sim do que é acessório ao espectáculo.
Assim ouço, impávido e sereno, pessoas com baixas fraudulentas, que se gabam de fugir aos impostos, que fazem prolongadas pausas dos seus trabalhos e em situações similares, a falar mal dos políticos. Nem quando, indirectamente, digo que os políticos são o nosso mais puro reflexo as críticas baixam de volume e há um momento de reflexão sobre a responsabilidade individual que têm no país que construímos. Não sei se é por comodidade ou por ingenuidade que insistimos – e sublinho que escrevo na primeira pessoa do plural – em imputar a responsabilidade pelo estado do país única e exclusivamente aos nossos representantes políticos. Quando vejo um empresário que gere a sua empresa de forma medieval e que se gaba de ser fácil fugir aos impostos a ter o desplante de culpar os nossos representantes pela situação do país não sei se rio ou choro mas garanto que fico com uma enorme vontade de oferecer um espelho a essa pessoa.
Posto isto quero deixar bem claro que os políticos – e neste caso os deputados – deram um excelente contributo para alimentar esta hipocrisia que existe em Portugal. É claro que é inaceitável o que aconteceu. Ouvir Marques Guedes – o líder parlamentar da bancada que teve 2/3 de ausências – a culpar o PS por esta situação uma vez que se tratavam de leis que o Governo queria aprovar é hilariante. Tanto quanto sei, e corrijam-me se estou equivocado, tratam-se de leis nacionais. Ler João Soares no seu blogue – ausente numa consulta dentária – a sugerir que o que está mal são as regras da Assembleia uma vez que noutros países só têm que estar presentes no hemiciclo quem vai discursar é a negação que o deputado tem o dever de reflectir sobre o contraditório (talvez seja mesmo inútil o deputado ouvir uma vez que a disciplina de voto impera em Portugal). Ouvir Paulo Portas – ausente por ter um compromisso numa embaixada – no seu novo programa quinzenal (O Estado da Arte) a defender que a votação devia ter sido mais cedo e que não deviam ter encerrado a AR no dia seguinte foi uma oportunidade única para vê-lo a gaguejar com as suas próprias justificações (para este é tão importante o trabalho no hemiciclo como o trabalho nos gabinetes, local onde trabalhou o dia inteiro). Nem quero imaginar a lição de moral que Portas teria feito se estivesse presente na votação. Relembro ainda que criticar as regras da Assembleia não justifica o não cumprimento das actuais. Este "incidente" e as declarações que se seguiram ao "incidente" só serviram para colocar, repito, os deputados a "jeito" da crítica demagógica e desresponsabilizadora de que são alvo.
Em síntese digo que os nossos políticos são o nosso espelho e que nós devíamos saber assumir as nossas responsabilidades para podermos criticar terceiros. Digo ainda que é escusado, mesmo assim, os políticos ajudarem constantemente a corroborar a tese que acabo de defender.
2 Comments:
At 11:13 da tarde, Alien David Sousa said…
Ricardo, ainda não viste o video exclusivo que tenho no meu Blog, onde podes também ler, como foi que os deputados resolveram baldar-se??
At 1:10 da tarde, Bart Simpson said…
Ricardo,
Concordo contigo no essencial, mas é preciso ter cuidado para não generalizar. Existem muitos deputados maus, mas também os há que não são assim tão maus da fita.
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