827. O “negócio” das prisões
O nosso sistema prisional é de tal forma degradante que qualquer anúncio por parte do Ministro da Justiça sobre eventuais alterações nas prisões merece a minha cuidada atenção.
Se o Estado tem dificuldade em alocar fundos para o sistema prisional e se as instalações das prisões necessitam - e acho que ninguém duvida que sim – de profundas remodelações não fico chocado que o Estado utilize a especulação imobiliária para possibilitar a construção de novas prisões. A venda de terrenos onde estão instaladas algumas prisões e a construção de novas na periferia é uma medida perfeitamente coerente. Não ofereço qualquer tipo de resistência no meu cabal apoio a esta decisão. Espero que, finalmente, as prisões sejam vistas não só como um local que permite a privação de liberdade em resultado de uma sanção social mas também como um local de reconversão e reinserção do detido. Não é aceitável que haja a hipocrisia de, simultaneamente, não haver no nosso sistema legal a possibilidade de prisão perpétua com base na confiança de que o homem pode mudar e, repito, simultaneamente, que não existam condições mínimas de dignidade para que haja uma efectiva tentativa de reconversão do detido.
A decisão de haver parcerias entre o público e o privado para a gestão destes espaços, inclusive ao nível da segurança, é que é, escusado será repetir que na minha opinião, incompreensível. Quem me conhece sabe que não tenho “tabús” em relação à inevitabilidade do Estado ficar reduzido às suas tarefas inalienáveis. Considero a responsabilidade pelo sistema prisional, pela sua natureza, inalienável e, por isso, só admito que parte dessa tarefa seja desempenhada por terceiros se houver uma vantagem óbvia nessa decisão e como não consigo antever nenhum tipo de utilidade nesta operação deixo aqui registado a minha frontal oposição a este anúncio do Ministro da Justiça.
O que o Ministro pretende é a introdução da contratação de serviços externos na gestão da segurança – e não sei se é só na segurança – do sistema prisional com a justificação de que se podem obter ganhos de eficiência ao nível dos custos. Eu sempre defendi que se o Estado é mau gestor isso não justifica que determinada actividade - que só deve ser desempenhada por este - seja total ou parcialmente entregue a privados independentemente da configuração ou da parceria escolhida. Não devemos recorrer a serviços externos só porque o Estado é mau gestor mas sim exigir que este faça uma gestão eficiente das suas actividades. O que o Ministro sugere é simplesmente uma demissão do Estado na responsabilidade de gerir o que lhe compete organizar com eficiência.
A minha opinião sobre a contratação de serviços externos – ou outsourcing – por parte do Estado é clara e está descrita neste texto. Considero que a justificação para a contratação de serviços externos por parte do sector público é inexistente até por uma razão bem simples, ou seja, o Estado tem escala suficiente para obter mais economias de escala que qualquer empresa privada ou, dito de outra forma, o grande argumento do outsourcing – a poupança via economias de escala e especialização – não tem sentido numa organização que pode facilmente obter essa poupança por via da dimensão que tem. Não percebo qual a lógica do Estado desmantelar os seus recursos próprios quando pode geri-los com pelo menos a mesma eficiência e com uma maior responsabilização e envolvimento por parte de quem os faz e abdicando, ao mesmo tempo, da factura da inevitável margem de lucro de quem desempenha o serviço externo. Não conheço, até ao momento, de um único exemplo de sucesso ao nível do binómio preço/qualidade no recurso ao outsourcing por parte do Estado (não tenho nada contra o outsourcing entre empresas privadas e reconheço a sua utilidade) e tenho dúvidas fundamentadas quanto à real poupança a curto, médio e longo prazo destas soluções.
Nada como exemplificar. Para que é que o Estado subcontrata uma empresa para gerir um refeitório porque essa empresa tem escala para diminuir o custo por refeição quando o próprio Estado tem uma rede de refeitórios que, bem gerida, alcança a escala necessária para atingir esse custo e, como bónus, torna desnecessário o custo extra de pagar o lucro que a empresa tem o direito de obter e ainda garante um maior envolvimento com os recursos humanos que lá trabalham? Se é o “nosso” dinheiro que o Estado gere eu tenho o direito de exigir que não seja utilizado para alimentar margens de lucro de empresas quando o próprio Estado tem a dimensão necessária para exercer com igual ou maior eficiência uma actividade que pertence à sua alçada.
4 Comments:
At 5:47 da manhã, Unknown said…
Quando vi a lista de Ministros do Sócrates fiquei sinceramente horrorizado ao var o Alberto Costa nela.
Este indivíduo é nitidamente incapaz e acabará sendo o enterro do Sócrates.
Esta boca sobre a privatização (para já parcial) das prisões é só uma manobra de um Ministro descredibilizado para obter apoios, é um acto de prostituição política.
Infelizmente já está a funcionar. Hoje o Diário Económico já o elogiou.
É triste ver um socialista incapaz e em perca de força a pedir ajuda ao capitalismo.
At 8:25 da tarde, FMP said…
Caro Ricardo,
Se me permites o(s) contraponto(s)
1 - "Não devemos recorrer a serviços externos só porque o Estado é mau gestor mas sim exigir que este faça uma gestão eficiente das suas actividades"
O que é que significa "exigir" ? Qual o mecanismo para responsabilizar os governos que não cumprem o exigível ? Qual a motivação para um gestor público do sector prisional cumprir com o que se lhe "exige" ?
"....maior responsabilização e envolvimento por parte de quem os faz"
Se um privado fizer um mau trabalho vai à falência (ou é despedido, no caso de se tratar de um indivíduo). Como é que concluis que existe maior responsabilização do que esta no sector público ?
"abdicando, ao mesmo tempo, da factura da inevitável margem de lucro de quem desempenha o serviço externo"
Nesse caso porque é que o mesmo grupo de gestores públicos e os seus empregados não concorrem à gestão da empresa ? Se abdicassem dessa margem (ou parte dela) mantendo a mesma qualidade, poderiam fazer uma melhor proposta e decerto conseguiriam o contrato de exploração, ou não ?
Perante isto, não bastará ao estado fiscalizar e arbitrar os referidos serviços ?
Cumps
At 11:01 da tarde, Ricardo said…
Francisco,
Antes de mais os contrapontos são todos bem vindos.
1 - O mecanismo que temos para "exigir", e não utilizamos, é a simples e intensa participação cívica, nos e fora dos actos eleitorais. E é aí que os portugueses têm muito para evoluir, ou seja, é preciso intensificar a cidadania em Portugal;
2 - "Nesse caso porque é que o mesmo grupo de gestores públicos e os seus empregados não concorrem à gestão da empresa? Se abdicassem dessa margem (ou parte dela) mantendo a mesma qualidade, poderiam fazer uma melhor proposta e decerto conseguiriam o contrato de exploração, ou não?" - Peço desculpa mas não compreendi a lógica do gestor público concorrer à gestão privada dum serviço abdicando da margem de lucro. O Estado tem o dever de remunerar de forma igual à do sector privado e deve tender a ter cada vez mais prémios de produtividade e só não compreendo a necessidade de contratar serviços externos até porque os exemplos que conhecemos não são nada famosos.
Abraço,
At 11:07 da tarde, Ricardo said…
Tiago,
Discordamos no ponto de partida: eu considero que o Estado pode ser bem gerido e doiscordo que, por definição, não consiga. Também há exemplos de empresas privadas bem e mal geridas assim como há serviços do Estado bem e mal geridos. Temos é que ter um comportamento mais exigente com o Estado da mesma forma que temos quando somos accionistas duma empresa e é aí que eu acho que temos um défice, ou seja, de cidadania.
Quando às economias de escala dás o exemplo da PT (uma empresa privada). Se admitirmos que as economias de escala não conseguem compensar os custos de congestão então este pensamento também é válido para destruir o principal argumento do outsourcing, ou seja, essas mesmas economias de escala.
Abraço,
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